Missa do 23º. Dom.
comum. Palavra de Deus: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33
“Este
homem começou a construir e não capaz de acabar!” (Lc 14,30). Qual é a construção
mais importante a se fazer na vida? A construção de uma casa? De uma profissão?
De um relacionamento/casamento? De uma família? De um patrimônio? A primeira construção a se fazer na vida é a
construção de nós mesmos como pessoas. Ora, se temos que nos construir como
pessoas, isso significa que não nascemos prontos. Ainda que tenhamos herdado
algo dos nossos pais e do ambiente em que nascemos e crescemos, é tarefa nossa
nos construir como pessoas, uma tarefa que não podemos transferir para os
outros. Construir-se como pessoa é uma responsabilidade que a vida delega a
cada um de nós.
“Este homem começou a construir e
não capaz de acabar!” (Lc 14,30). Jesus dirigiu essas palavras às grandes
multidões que o seguiam (cf. Lc 14,25). Portanto, o que Jesus está nos dizendo
é que muitos começaram a segui-lo com entusiasmo, mas não foram capazes de
chegar até o fim. Abandonaram a fé pelo meio do caminho. Por qual motivo?
Porque não calcularam “os gastos” dessa construção; porque esperavam que ela
fosse menos custosa, que exigisse menos renúncia e sacrifício. Além disso,
existe também o fato de que muitas escolhas feitas e muitas decisões tomadas o
foram na base da emoção, não da reflexão, e emoção passa. Sendo assim, muitos
iniciaram a construção de um relacionamento, de uma família, de uma profissão,
de um trabalho voluntário, de uma espiritualidade, de sua própria santificação,
mas não foram capazes de chegar até o fim porque não souberam lidar com a cruz
que nada mais é do que a comprovação do quanto levamos a sério as nossas
escolhas.
Às
multidões que seguiam Jesus ontem, e a qualquer pessoa que se propõe a segui-lo
hoje, Ele diz: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega... até da sua própria
vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás
de mim, não pode ser meu discípulo... Qualquer um de vós, se não renunciar a
tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,26-27.33). Da mesma forma
que Jesus não se ilude com as multidões, porque Ele quer qualidade e não
quantidade, Ele também não nos quer iludidos em relação a Ele. Toda pessoa que
se dispõe a segui-Lo e a ser fiel ao Evangelho vai entrar em conflito: ora com
as pessoas da sua própria família, ora com os contra-valores do mundo, ora até
mesmo com alguns membros da Igreja, cuja necessidade de agradar os outros se
torna mais importante do que ser fiel à justiça e à verdade.
A
vida cristã não é e não tem que ser um constante martírio, mas o Evangelho de
hoje quer nos tornar conscientes de que Jesus comporta enfrentar lutas e ter
que lidar com adversários. Além disso, o Evangelho deixa claro que Jesus não
aceita ser um remendo em nossa vida, muito menos um detalhe ou um enfeite. Por
isso, nossa adesão a Ele tem que ser radical, profunda, inteira. “Quem não
carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (Lc
14,27). Muitos iniciaram um caminho de fé com Jesus, mas depois desistiram,
porque não aceitaram caminhar atrás de Jesus; queriam caminhar “na frente”,
escolhendo por si mesmos o melhor caminho, o mais tranquilo, o menos sofrido. Como
disse Pe. Zezinho: “Não querem Jesus, querem a parte suave de Jesus. Não querem
o Cristo, querem a parte agradável do Cristo. Não querem a cruz, querem a parte
menos dolorosa da cruz... Não querem a Bíblia, querem parte dela: a que prova
que estão certos. Assim agem muitos cristãos. Assim talvez nós ajamos” (Cristo aos pedaços).
Jesus
convida cada um de nós a fazer um caminho com Ele, o caminho da construção da
nossa fé, da nossa cura, da nossa libertação, da nossa salvação, da nossa transformação...
Se o alicerce dessa construção for o nosso ego, a busca do nosso constante bem
estar, ela está fadada ao fracasso, porque acabaremos rejeitando tudo aquilo
que exige de nós renúncia ou sacrifício, isto é, tudo aquilo que vai contra o
nosso bem estar. O cristão só se mostra autêntico, verdadeiro, diante de uma
situação de cruz, quando ele tem que escolher entre o seu bem estar, os seus
interesses, e os interesses do Reino de Deus. Toda pessoa que quiser viver autenticamente
segundo a verdade do Evangelho, terá que enfrentar determinados sofrimentos.
“Quem
não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo”
(Lc 14,27). Assim escreveu Paul Eudokimov, um teólogo ortodoxo: “Os cristãos
fizeram todo o possível para esterilizar o Evangelho; dir-se-ia que o
submergiram num líquido neutralizante. Tudo o que impressiona, supera ou
inverte é amortecido. Assim, uma vez convertida em algo inofensivo, esta
religião nivelada, prudente e razoável, o ser humano não pode senão vomitá-la” (O amor louco de Deus). Também como
disse Marcel More, “os cristãos encontraram uma maneira de sentar-se, não se sabe
como, de modo confortável na cruz”. E quando na Igreja já não brilha mais a
vida de Jesus, dificilmente se constata alguma diferença com o mundo. A Igreja
“se converte em espelho fiel do mundo”, que ela reconhece como “carne da sua
carne”. É em relação a esse perigo que Jesus quer nos alertar.
Carregar
a cruz significa aceitar-se, acolher-se como se é, com suas fraquezas e
contradições. Carregar a cruz significa assumir as consequências da nossa
construção diária como pessoas. Carregar a cruz significa amar até o fim, ser
fiel, sustentar até o fim a construção que iniciamos. Numa palavra, carregar a
cruz e caminhar atrás de Jesus significa ir até o fim... “Não, não pares. É
graça divina começar bem. Graça maior, persistir na caminhada certa, manter o
ritmo... Mas graça das graças é não desistir. Podendo ou não podendo, caindo,
embora, aos pedaços, chegar até o fim...” (Até o fim, poema de Dom Hélder
Câmara).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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