sábado, 31 de agosto de 2019

ENXERGAR A VIDA PARA ALÉM DO DESESPERO DO SUICÍDIO



“Agora basta, Senhor! Retira-me a vida, pois não sou melhor que meus pais” (1Reis 19,4). “Pereça o dia que me viu nascer, a noite que disse: ‘Um menino foi concebido! (...) Por que não morri ao deixar o ventre materno, ou pereci ao sair do ventre de minha mãe? (...) Porque foi dada a luz a quem o trabalho oprime, e a vida a quem a amargura aflige, a quem anseia pela morte que não vem, (...) a quem se alegraria em frente do túmulo, e exultaria ao encontrar a sepultura?’” (Jó 3,3.11.20.22). “Maldito o dia em que nasci! O dia em que minha mãe me gerou não seja abençoado!” (Jeremias 20,14).
Essas palavras nos colocam diante do profeta Elias, de Jó e do profeta Jeremias, três homens deprimidos, profundamente machucados no corpo e na alma, três figuras bíblicas que nos falam indiretamente do suicídio, isto é, do desejo de morrer, de não suportar mais viver. Nenhum deles se suicidou, mas os três nos revelam o quanto às vezes a vida se torna insuportável e, embora em todos nós exista um forte instinto de sobrevivência, às vezes o nosso emocional se desestrutura e adoece a tal ponto que passamos a procurar a morte como sinônimo de descanso, de alívio, de saída ou de libertação, em relação a um sofrimento psíquico que não suportamos mais enfrentar.
Não há explicações simples para o suicídio e as “razões” para tal atitude extrema são inúmeras. O que se sabe é que a pessoa que chega ao ponto de tirar sua própria vida não consegue mais distinguir-se do problema que está enfrentando, de modo que ela conclui que acabar consigo mesma é acabar com o problema. Ora, não existe vida sem problemas. Nenhum ser humano atravessa esta vida terrena sem ter que lidar com dor, tragédia, perda, sofrimento, frustração etc., e se não quisermos nos tornar pessoas suicidas, precisamos ter muito claro que uma coisa é eu ter um enorme problema, outra coisa é eu me ver como um enorme problema: todos nós temos problemas a serem resolvidos, mas ninguém de nós deve se ver como um problema a ser eliminado.
Victor Frankl, um judeu psiquiatra, foi levado pelos nazistas para um campo de concentração, assim como inúmeros outros judeus. Devido ao sofrimento humanamente insuportável nos campos de concentração, algumas pessoas ficavam loucas, enquanto outras se suicidavam. Mas Frankl começou a se perguntar: o que faz com que algumas pessoas aqui, apesar de todo o sofrimento a que são expostas, não enlouqueçam e não se matem? Aos poucos, ele foi descobrindo que essas pessoas tinham uma razão para se manterem vivas: elas tinham esperança de sobreviver a tudo aquilo e reencontrar alguém da família que não estava no campo de concentração. Em outras palavras, quando a nossa fé não se alimenta de esperança, nem mesmo ela suporta lidar com o sofrimento e corre o risco de perder o sentido.
Victor Frankl percebeu algo importantíssimo: nós nem sempre escolhemos que tipo de sofrimento entrará em nossa vida, mas sempre podemos escolher a maneira de lidar com ele. Em outras palavras, as circunstâncias externas podem ser extremamente desfavoráveis para mim: doença, desemprego, fim de um relacionamento, perda de alguém querido, violência, guerra, fome etc., mas nada fora de mim pode anular a minha liberdade de escolha e a minha responsabilidade perante a vida. Sempre caberá a mim escolher entre assumir o papel de vítima dos acontecimentos ou o papel de sujeito da minha história, enxergando naquele problema uma oportunidade para eu crescer, amadurecer, superar meus próprios limites e alargar a minha compreensão a respeito de mim mesmo e da própria vida.   
Jesus foi profetizado por Isaías não só como um “homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento” (Isaías 53,3), mas mesmo como um homem “esmagado pelo sofrimento” (Isaías 53,10). E como foi que ele lidou com tudo isso? Ele disse: “Minha alma está agora conturbada. Que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome” (João 12,27-28). Olhando a maneira como Jesus lidou com o sofrimento, entendemos que ninguém nasce para sofrer, mas sofrer faz parte da vida de qualquer ser vivo. Ninguém nasce para viver a vida toda frustrado, mas enfrentar momentos ou situações de frustração é algo que acontecerá na vida de qualquer pessoa, independente da sua condição social ou da sua religião. Por isso, quando estamos diante de um problema ou desafio a ser enfrentado, a melhor coisa a fazer é dizer como Jesus: “foi precisamente para esta hora que eu vim”. Em outras palavras, trata-se de olhar a vida nos olhos e enfrentar aquilo que cabe a nós enfrentar. O sentido da vida não está em não sofrer, mas em dar sentido ao sofrimento que cabe somente a nós enfrentar. Se para uma pessoa que não crê, a vida só tem sentido se for plena de felicidade e isenta de qualquer tipo de sofrimento, para nós que cremos sempre será possível encontrar um sentido para nos manter vivos, apesar de todo e qualquer sofrimento que tenhamos que enfrentar.

Termino esta reflexão com algumas frases de Victor Frankl sobre as quais nos fará muito bem refletir:  
1. “Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida”.

2. “Quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transformá-la e quando não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos”.

3. “Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida”.

4. “Você não é produto das circunstâncias, você é produto das suas decisões”.

5. “Cada vez mais, as pessoas têm os meios para viver, mas não têm uma razão pela qual viver”.

Pe. Paulo Cezar Mazzi


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