quinta-feira, 1 de agosto de 2019

PARA ALÉM DA VAIDADE


Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiastes 1,2; 2,21-23; Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas 12,13-21 
           
Um homem constrói um “império”, se torna rico e famoso, mas quando está no auge da carreira, descobre que tem um câncer e, seis meses depois, está morto. Todo o seu dinheiro, toda a sua riqueza não foi capaz de curar seu câncer e impedir que ele morresse... O mundo moderno está cheio de histórias de pessoas que pareciam inabaláveis, inatingíveis, pessoas que estavam no centro do palco da fama e do sucesso, e que, de uma hora para outra, desapareceram não só desse palco, mas também da face da terra. Elas não existem mais.
Como constata o autor bíblico: “Tudo é vaidade... Um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande desgraça” (Ecl 1,2; 2,21). Embora nós vivamos na era da aparência, onde a imagem é tudo, onde a vaidade é fundamental, a Sagrada Escritura nos faz descer das nuvens, colocar os pés no chão e nos dar conta de que construir a vida sobre o frágil alicerce da vaidade é tornar-se uma pessoa sem consistência interna. Nós estamos rodeados de pessoas assim: esteticamente muito belas, fisicamente “saradas”, exibindo músculos e corpos bem delineados, mas totalmente inconsistentes no que diz respeito ao próprio emocional. São pessoas que se quebram diante da menor pancada que levam da vida; são pedras de gelo que derretem rapidamente quando expostas ao calor. Constantemente preocupadas com a aparência, elas não se dão ao trabalho de cuidar da própria essência. Elas “aparentam” ser felizes, mas “toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração” (Ecl 2,23).
O Evangelho de hoje nos traz uma cena muito atual: “Alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: ‘Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo’” (Lc 12,13). Quantos pais ou avós idosos estão abandonados ou esquecidos dentro da própria casa ou num asilo, sem receberem visitas frequentes dos filhos e dos netos? No entanto, assim que a pessoa falece, esses mesmos filhos e netos começam a disputar a “herança” da pessoa que faleceu, como abutres disputam os restos mortais de um animal... Jesus se recusa a assumir o papel de mediador de conflitos a respeito de herança, mas aproveita para fazer um alerta a todos nós: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15).
Talvez muitos não se vejam, ou nem mesmo sejam, pessoas gananciosas. No entanto, sabemos perfeitamente o quanto o dinheiro exerce um fascínio sobre todo ser humano. Sobretudo no mundo atual, ter dinheiro significa ter a sobrevivência garantida. Jesus não está questionando nossa necessidade de sobrevivência; o que ele está questionando é o fato de entrarmos na dinâmica de que “o que é demais nunca é o bastante”. E aí, tudo é sacrificado em vista de ganharmos mais dinheiro: família, casamento, filhos, saúde, espiritualidade etc. Nós nos tornamos como o homem da parábola contada por Jesus: aumentamos cada vez mais nossos celeiros, para guardar tudo o que podemos comprar com nosso dinheiro, e não nos damos conta de que, quando menos esperarmos, seremos recolhidos deste mundo e nada levaremos conosco. Aliás, a única coisa que poderemos “levar” conosco é aquilo que fizemos para ajudar os outros, para tornar o mundo menos desigual, menos injusto, menos desumano.    
Dois homens não-cristãos entenderam perfeitamente o ensinamento de Jesus no Evangelho de hoje. Um foi Ghandi, quando sabiamente afirmou: “Na terra há o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não para satisfazer a ganância de alguns”. Apesar de inúmeros apelos da comunidade científica, alguns governos continuam sendo indiferentes à questão ambiental e permitindo a exploração gananciosa, e não racional, de recursos naturais. Neste sentido, o Brasil tem dados sérios e graves passos para trás, a ponto de que o desmatamento na Amazônia aumentou 88% desde que Bolsonaro assumiu a presidência (Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Dalai Lama, por sua vez, afirmou de maneira brilhante: “O que mais me surpreende é o homem, pois perde a saúde para juntar dinheiro, depois perde o dinheiro para recuperar a saúde. Vive pensando ansiosamente no futuro, de tal forma que acaba por não viver nem o presente, nem o futuro. Vive como se nunca fosse morrer, e morre como se nunca tivesse vivido”. Portanto, se quisermos evitar esse erro, precisamos fazer uma sincera oração ao Senhor, como fez o salmista: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria! (...) Saciai-nos de manhã com vosso amor, e exultaremos de alegria todo o dia! Que a bondade do Senhor e nosso Deus repouse sobre nós e nos conduza! Tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho” (Sl 90,12.14.16-17).
Uma palavra final. Quando eu e os seminaristas de nossa Diocese visitamos a Unidade de Emergência do HC de Ribeirão Preto, em junho deste ano, conhecemos uma enfermeira que trabalha na ala de cuidados paliativos, exercendo o seu “sacerdócio” juntos os pacientes com câncer, em estágio terminal. Dando testemunho do seu trabalho como cristã e católica, ela nos disse que muitas pessoas se preocupam em preparar-se para o futuro, mas se esquecem de se preparar para morrer, sendo que a única coisa que temos como certa no futuro é que um dia iremos morrer. Quando temos a coragem de aceitar a realidade da morte, mudamos nossa maneira de entender a vida e de lidar com os bens materiais; deixamos de nos iludir com toda a vaidade deste mundo e passamos a valorizar aquilo que verdadeiramente importa, porque nos torna mais humanos e nos ajuda a humanizar o nosso mundo.   

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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