Missa do 21º. dom.
comum. Palavra de Deus: Isaías 66,18-21; Hebreus 12,5-7.11-13; Lucas 13,22-30
No mundo em que vivemos, só os mais
fortes vencem; só os mais preparados conquistam os melhores lugares; só alguns “privilegiados”
têm acesso àquilo que a ciência, a medicina ou a tecnologia têm para oferecer.
A imensa grande maioria fica para trás: os mais fracos, os “incapazes”, os “preguiçosos”,
os “não-privilegiados” etc. Essa estranha regra “quem pode mais, chora menos”
parece não apenas ser aceita por Deus, mas inclusive incentivada por seu Filho Jesus
no Evangelho que ouvimos: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta
estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc
13,24).
Essas palavras de Jesus constituem a
resposta a uma pergunta: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?”
(Lc 13,23). Primeiro, é preciso perguntar: quem de nós se preocupa
verdadeiramente com a sua salvação? Segundo: em relação ao quê precisamos ser
salvos? A primeira coisa que fala em nós não é a alma, mas o corpo; não é a
vida eterna, mas a vida presente. Sendo assim, nossos esforços geralmente estão
concentrados em nossa sobrevivência, o que faz com que procuremos nos salvar da
violência, do desemprego, das doenças etc. Além disso, procuramos nos salvar da
solidão, do sentimento ruim de sermos ignorados pelo mundo – as redes sociais
que o digam! – das pessoas que nos fazem mal ou que consideramos serem nossas
inimigas etc.
Ao mesmo tempo em que buscar
salvar-se é um instinto de sobrevivência em cada um de nós, precisamos nos
perguntar: em relação ao quê eu preciso ser salvo? Eu preciso ser salvo apenas dos
outros ou também de mim mesmo? Não é da nossa própria covardia e do nosso “corpo
mole” que precisamos ser salvos? Não é das nossas desculpas esfarrapadas e da
nossa mania de nos fazer de vítimas que precisamos ser salvos? Não é dos nossos
vícios e dos nossos pecados que precisamos ser salvos? Não é da nossa dependência
afetiva e do nosso sentimento de inferioridade, os quais nos tornam escravos da
aprovação e do reconhecimento dos outros, que precisamos ser salvos?
Jesus
não responde se são muitos ou se não poucos os que se salvam. Sua preocupação é
provocar em nós um outro questionamento: eu realmente me esforço para entrar
pela porta estreita? Em outras palavras, existe seriedade em mim quando eu
reclamo das coisas que me fazem sofrer, mas eu não mudo minhas atitudes,
esperando que as coisas mudem por si mesmas? Eu aceito a verdade de que posso
não ser responsável pelo sofrimento que atravessa a minha vida, mas sou
totalmente responsável pela maneira como decido lidar com ele?
Se
pudéssemos resumir o Evangelho de hoje numa única frase, seria esta: não existe
salvação sem esforço, sem sofrimento. A porta da salvação é estreita, sim, mas
ainda está aberta, e por ela entrarão somente aqueles que se desacomodam, que não
fazem corpo mole, que não se comportam na vida como crianças mimadas que exigem
que tudo lhes seja dado na mão ou que exigem serem carregadas no colo. Além
disso, Jesus deixa claro que existe um grande risco quando falamos de salvação:
a presunção. Ela aparece nessas palavras: “Nós comemos e bebemos diante de ti, e
tu ensinaste em nossas praças!” (Lc 13,26). As igrejas estão cheias de cristãos
presunçosos, que se consideram salvos, assim como o nosso país está cheio de
pessoas que se consideram “pessoas de bem”, pessoas que, exatamente como o
governador do Rio de Janeiro e como o Presidente da República, “vibraram de
alegria” quando um atirador de elite matou “aquele vagabundo” (fala própria do
Presidente) que sequestrou um ônibus na última terça-feira, dia 20.
Jesus
declara para todos os cristãos presunçosos, para todas as pessoas convencidas
de serem “gente de bem”, isto é, de não serem como “aquele vagabundo”: “Não sei
de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” (Lc 13,27).
Afastem-se de mim todos vocês que, embora se digam cristãos, “vibram de alegria”
com o assassinato de um ser humano; afastem-se de mim todos vocês que chamam
jovens desempregados de “vagabundos”, mas criam seus próprios filhos como tais,
como pessoas que, além de serem literalmente vagabundas, são arrogantes e
prepotentes, julgando-se a salvo das problemáticas sociais do País.
Se esse alerta de Jesus a respeito
do perigo da presunção nos parece excessivamente duro, lembremos das palavras
da carta aos hebreus: “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te
desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga
a quem aceita como filho” (Hb 12,6). Se a tendência dos pais atuais é a de
tirar todas as pedras do caminho da vida dos filhos, Deus entende que é importante
que Seus filhos aprendam a caminhar entre as pedras. Se muitos pais hoje têm
como objetivo facilitar a vida dos filhos, Deus permite que certas dificuldades
surjam na vida dos Seus filhos para torná-los fortes, maduros, capazes de
suportar adversidades. Além disso, só a experiência da dor faz com que sejamos
pessoas humildes, com os pés no chão, humanas, capazes de nos compadecer dos
que sofrem.
Se cresce no meio de nós o número de
pessoas que desistem da fé, da esperança e da bondade, pessoas que abandonam os
valores do Evangelho e passam a acreditar na força da violência cega e injusta
para colocar “ordem na casa”; se nós mesmos às vezes nos perguntamos se vale a
pena continuar a seguir Jesus e a trabalhar pela salvação nossa e da
humanidade, guardemos e meditemos no coração essas palavras: “‘firmai as mãos
cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés’, para
que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado” (Hb 12,13).
ORAÇÃO:
Senhor Jesus Cristo, tu
és a porta estreita da salvação. Teu Evangelho não é uma droga que nos mantém anestesiados
diante da dor que afeta a humanidade, mas um alerta para despertar a nossa
consciência e nos convidar a cuidar da salvação nossa, das outras pessoas e do
nosso Planeta. Torna-nos conscientes em relação ao quê devemos ser salvos.
Salva-nos da ironia, do cinismo e da indiferença em relação ao desmatamento da
Amazônia. Salva-nos de nos tornarmos desumanos, cristãos adeptos da violência e
da injustiça contra aqueles que a desigualdade social do nosso País empurra
para a marginalidade. Concede-nos um coração que aceite ser corrigido pelo Pai,
um coração fortalecido na fé, na esperança e no amor, e que os nossos passos sejam
reconduzidos no caminho da salvação. Amém.
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