Missa
da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1-6a.10ab;
1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56
A
liturgia de hoje nos coloca diante do dogma da Assunção de Nossa Senhora. Dogma
não é uma afirmação bíblica, mas uma afirmação da Igreja com base em princípios
bíblicos. Ao afirmar o dogma da Assunção
de Nossa Senhora, nossa Igreja crê que Maria
foi elevada em corpo e alma ao céu após a sua morte, não tendo o seu corpo
sido corrompido, como acontece com o nosso, após a morte. Essa declaração não
se baseia nos méritos de Maria, mas no fato de o corpo dela ter sido o “sacrário”
que gerou Jesus Cristo para o mundo, um corpo que possibilitou a Encarnação.
Ora, aquilo que gera o Sagrado torna-se
também sagrado, e o sagrado pertence a Deus e não à terra.
Enquanto “ascensão” significa subir
por conta própria, pelos seus esforços ou méritos, “assunção” significa ser elevado, ser levantado. Portanto, “assunção”
aponta para a ação de Deus em nossa vida, para a Sua intervenção na história de
todo aquele que n’Ele crê. A nossa fé nunca é um subir até Deus pelo nosso
próprio esforço, mas é sempre um proclamar a intervenção desse mesmo Deus em
nossa história, que desce até nós e nos eleva até Ele; que “derruba os
poderosos de seus tronos e eleva os humildes” (Lc 1,52). Maria, aquela que
disse “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38), nos convida a nos
deixarmos elevar e conduzir até Deus pela força da Sua graça.
A elevação de Maria em corpo e alma
ao céu nos ajuda a repensar a relação com o nosso corpo. Enquanto 820 milhões
de pessoas passam fome no mundo atual, segundo dados da Onu, inúmeras outras
recorrem a cirurgias plásticas por estarem insatisfeitas com o próprio corpo. A estética tomou o lugar da ética: as
pessoas se sacrificam para modificar alguns traços do corpo, mas não se dispõem
a modificar alguns aspectos do seu caráter e do seu comportamento. Ora, lembrar
que o nosso corpo um dia será decomposto na terra pode nos ajudar a sermos mais
humildes, a rever os nossos valores e a nos convencer de que aquilo que nos
eleva junto a Deus não é a nossa estética, mas a ética de um coração que se
preocupa com quem sofre e que faz algo de concreto para amenizar esse
sofrimento. “Quando descobrimos que
absolutamente nada é definitivo, inclusive a vida, compreendemos a inutilidade
do orgulho, a tolice das disputas, a estupidez da ganância e a incoerência das
tolas mágoas” (Alexsandra Zulpo).
Olhemos
para a cena de Apocalipse 12. O dragão que pára diante da mulher, que está para
dar à luz, pronto para devorar o seu Filho logo que nasça (cf. Ap 12,4) é uma
realidade concreta em nossos dias, pois a vida hoje é ameaçada de muitas
formas. Mulheres que defendem o direito ao aborto, por exemplo, têm como lema “meu
corpo, minhas regras”, um lema que ignora a verdade de que o filho que está
sendo gerado não é um órgão que pertence ao corpo da mulher, mas uma vida, uma
pessoa, que depende absolutamente da mãe para viver. Outro problema gravíssimo é
o feminicídio. A cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil (Em 2018, 1.173 mulheres
foram assassinadas por seus “companheiros” em nosso País). Esse “dragão” do
feminicídio nasce a partir da incapacidade de muitos homens em lidar com a
perda, com o fim do relacionamento, com o “não”. Nesta semana, tivemos em nosso
país uma nova manifestação desse dragão por meio da lei da liberdade econômica,
a qual “abre espaço para que a folga semanal do trabalhador seja em outros dias
da semana, desde que o empregado folgue um em cada quatro domingos” (Agência
Brasil EBC), o que acaba levando à fragilização do convívio entre pais e filhos
ao menos uma vez por semana.
Se
nós, cristãos, não queremos deixar de lutar pela vida e pela esperança,
precisamos nos lembrar do que disse Santa Madre Teresa de Calcutá: “Aquilo que você levou anos para construir
pode ser destruído de uma hora para outra. Construa assim mesmo... O bem que
você faz pode não ser o suficiente. Faça o bem assim mesmo”. Nós não
podemos nos resignar diante dos dragões do nosso tempo. Por mais que tenhamos a
sensação de que muitas das nossas lutas e dos nossos esforços para defender a
vida e a esperança em nosso mundo pareçam não sobreviver ao dragão do mal, o
Apocalipse revela que Deus combate a nosso favor: Ele recolhe o Filho junto de
Si e leva a Mulher para um lugar seguro, onde esteja a salvo do dragão. Esta
cena não se refere apenas a Maria, que gera Jesus, o qual é resgatado da morte pelo
Pai por meio da ressurreição e levado para junto de Si no momento da Ascensão.
Esta cena se refere a cada um de nós: aquilo que geramos com tanto custo, em
meio a tantas lágrimas, e que está ameaçado pelo dragão da violência, da
doença, do sofrimento, do absurdo e da morte, será recolhido por Deus. E tudo
aquilo que Deus recolhe Ele também transforma.
Assim
como o Pai recolheu o corpo de seu Filho morto na cruz e o transformou num
corpo glorificado na ressurreição, assim como Ele recolheu Maria em corpo e
alma ao céu, segundo o dogma da Assunção que celebramos hoje, assim Deus recolherá
as nossas lutas, os nossos sonhos, as nossas lágrimas, e os transformará numa
vida nova, como diz a Escritura: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias
(primeiros frutos de uma colheita) dos que morreram... Em Cristo todos
reviverão” (1Cor 15,20.22). É por isso que o salmista proclama: “Já contaste os
meus passos errantes, recolhe minhas lágrimas em teu odre!” (Sl 56,9), o que
significa que cada lágrima do justo terá sua recompensa no céu (cf. Is 25,8; Ap
7,17).
Não há dúvida de que a luta contra o
Dragão do mal é sentida de forma mais intensa na vida de pessoas que procuram
andar no caminho de Deus e manter a fé em Jesus Cristo. Contudo, devemos confiar
na vitória final de Cristo: todos os inimigos da vida e da esperança serão
postos debaixo dos pés de Jesus, sendo que “o último inimigo a ser destruído é
a morte. Com efeito, Deus pôs tudo debaixo de seus pés” (1Cor 15,26-27). Que à
semelhança de Nossa Senhora cada um de nós, no seio da sociedade humana, possa
proclamar a força do braço do nosso Deus, que recolhe o suor da nossa luta, do nosso
esforço, e as lágrimas da nossa dor para tornar o mundo melhor, e transforma tudo
isso segundo o Seu desígnio de vida e de salvação para a humanidade.
Neste terceiro domingo de agosto,
mês vocacional, celebramos o dia do(a)s Religioso(a)s, das pessoas que não se
casaram por causa do Reino dos céus (cf. Mt 19,12), homens e mulheres cuja
afetividade não foi direcionada para alguém em particular, mas para amar a
todos, especialmente os que não se sentem ou de fato não são amados em nosso
mundo. Assim como Maria, elevada em corpo e alma aos céus, o(a)s religioso(a)s
são um sinal a nos lembrar que o desejo último de cada um de nós é nos unir
definitivamente a Deus na sua Glória, como Maria está.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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