“Agora
basta, Senhor! Retira-me a vida,
pois não sou melhor que meus pais” (1Reis 19,4). “Pereça o dia que me viu nascer, a noite que disse: ‘Um menino foi
concebido! (...) Por que não morri ao
deixar o ventre materno, ou pereci ao sair do ventre de minha mãe? (...)
Porque foi dada a luz a quem o trabalho oprime, e a vida a quem a amargura
aflige, a quem anseia pela morte que não vem, (...) a quem se alegraria em
frente do túmulo, e exultaria ao encontrar a sepultura?’” (Jó 3,3.11.20.22). “Maldito o dia em que nasci! O dia em
que minha mãe me gerou não seja abençoado!” (Jeremias 20,14).
Essas
palavras nos colocam diante do profeta Elias, de Jó e do profeta Jeremias, três
homens deprimidos, profundamente machucados no corpo e na alma, três figuras
bíblicas que nos falam indiretamente do suicídio, isto é, do desejo de morrer, de não suportar mais viver. Nenhum deles se
suicidou, mas os três nos revelam o quanto às vezes a vida se torna
insuportável e, embora em todos nós exista um forte instinto de sobrevivência,
às vezes o nosso emocional se desestrutura e adoece a tal ponto que passamos a
procurar a morte como sinônimo de descanso, de alívio, de saída ou de
libertação, em relação a um sofrimento psíquico que não suportamos mais
enfrentar.
Não há
explicações simples para o suicídio e as “razões” para tal atitude extrema são
inúmeras. O que se sabe é que a pessoa que chega ao ponto de tirar sua própria
vida não consegue mais distinguir-se do problema que está enfrentando, de modo
que ela conclui que acabar consigo mesma é acabar com o problema. Ora, não
existe vida sem problemas. Nenhum ser humano atravessa esta vida terrena sem
ter que lidar com dor, tragédia, perda, sofrimento, frustração etc., e se não
quisermos nos tornar pessoas suicidas, precisamos ter muito claro que uma coisa
é eu ter um enorme problema, outra
coisa é eu me ver como um enorme problema:
todos nós temos problemas a serem
resolvidos, mas ninguém de nós deve se ver como um problema a ser eliminado.
Victor
Frankl, um judeu psiquiatra, foi levado pelos nazistas para um campo de
concentração, assim como inúmeros outros judeus. Devido ao sofrimento
humanamente insuportável nos campos de concentração, algumas pessoas ficavam
loucas, enquanto outras se suicidavam. Mas Frankl começou a se perguntar: o que
faz com que algumas pessoas aqui, apesar de todo o sofrimento a que são
expostas, não enlouqueçam e não se matem? Aos poucos, ele foi descobrindo que
essas pessoas tinham uma razão para se manterem vivas: elas tinham esperança de
sobreviver a tudo aquilo e reencontrar alguém da família que não estava no
campo de concentração. Em outras palavras, quando a nossa fé não se alimenta de
esperança, nem mesmo ela suporta lidar com o sofrimento e corre o risco de
perder o sentido.
Victor
Frankl percebeu algo importantíssimo: nós
nem sempre escolhemos que tipo de sofrimento entrará em nossa vida, mas sempre
podemos escolher a maneira de lidar com ele. Em outras palavras, as
circunstâncias externas podem ser extremamente desfavoráveis para mim: doença,
desemprego, fim de um relacionamento, perda de alguém querido, violência,
guerra, fome etc., mas nada fora de mim pode anular a minha liberdade de
escolha e a minha responsabilidade perante a vida. Sempre caberá a mim escolher entre assumir o papel de vítima dos
acontecimentos ou o papel de sujeito da minha história, enxergando naquele
problema uma oportunidade para eu crescer, amadurecer, superar meus próprios
limites e alargar a minha compreensão a respeito de mim mesmo e da própria
vida.
Jesus
foi profetizado por Isaías não só como um “homem sujeito à dor, familiarizado
com o sofrimento” (Isaías 53,3), mas mesmo como um homem “esmagado pelo
sofrimento” (Isaías 53,10). E como foi que ele lidou com tudo isso? Ele disse:
“Minha alma está agora conturbada. Que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas foi
precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome” (João
12,27-28). Olhando a maneira como Jesus lidou com o sofrimento, entendemos que
ninguém nasce para sofrer, mas sofrer faz parte da vida de qualquer ser vivo. Ninguém
nasce para viver a vida toda frustrado, mas enfrentar momentos ou situações de
frustração é algo que acontecerá na vida de qualquer pessoa, independente da
sua condição social ou da sua religião. Por isso, quando estamos diante de um
problema ou desafio a ser enfrentado, a melhor coisa a fazer é dizer como
Jesus: “foi precisamente para esta hora que eu vim”. Em outras palavras,
trata-se de olhar a vida nos olhos e enfrentar aquilo que cabe a nós enfrentar.
O sentido da vida não está em não sofrer, mas em dar sentido ao sofrimento que
cabe somente a nós enfrentar. Se para uma pessoa que não crê, a vida só tem
sentido se for plena de felicidade e isenta de qualquer tipo de sofrimento,
para nós que cremos sempre será possível encontrar um sentido para nos manter
vivos, apesar de todo e qualquer sofrimento que tenhamos que enfrentar.
Termino
esta reflexão com algumas frases de Victor Frankl sobre as quais nos fará muito
bem refletir:
1. “Tudo pode ser tirado de uma
pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer
circunstância da vida”.
2. “Quando a circunstância é boa,
devemos desfrutá-la; quando não é favorável devemos transformá-la e quando não
pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos”.
3. “Nada proporciona melhor
capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do
que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida”.
4. “Você não é produto das
circunstâncias, você é produto das suas decisões”.
5. “Cada vez mais, as pessoas têm
os meios para viver, mas não têm uma razão pela qual viver”.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi