Adoração
da cruz. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16 – 5,7-9; João
18,1 – 19,42.
Um tipo de crime está, infelizmente, se
tornando comum em nosso país: o feminicídio – homens que, por não aceitarem o
fim do relacionamento, matam sua companheira. Por trás dessa não aceitação do
fim do relacionamento está o problema de não saber lidar com a frustração.
Aliás, esse não saber lidar com a frustração parece também motivar crimes
absurdos como atentados em escolas, e o Brasil lamentavelmente começou a
importar esse tipo de crime, como vimos recentemente acontecer numa escola em
Suzano (SP).
Que geração é essa que não aceita ser
frustrada? De onde estão nascendo essas pessoas que são aceitam ouvir um “não”?
Elas estão nascendo das nossas famílias. Mas o problema não está na genética e
sim na educação, no sentido de preparar essas pessoas para a vida. Nós não
apenas estamos criando pessoas incapazes de lidarem com frustrações, como
também estamos nos tornando pessoas assim, incapazes de lidar com algum tipo de
sofrimento. Nunca houve uma geração tão bem informada como a nossa, tão
presenteada com tecnologias e objetos de consumo que nos favorecem uma vida de
bem-estar. Mas também nunca houve uma geração tão avessa ao sofrimento como a
nossa, tão melindrada e tão incapaz de suportar frustração como a nossa. Em
resumo: nunca houve uma geração que tenha repulsa da cruz como a nossa.
Victor Frankl, um médico judeu, foi forçado
a viver num campo de concentração, como milhares de outros judeus. Ali ele
começou a ser perguntar: Por que algumas pessoas enlouquecem ou se suicidam
diante do sofrimento a que são submetidas, enquanto outras conseguem suportá-lo
e sobreviver? Ele encontrou a resposta: diante da mesma situação de um
sofrimento torturador, sobrevivem aquelas pessoas que têm esperança, que têm alguém
esperando por elas fora do campo de concentração; sobrevivem aquelas pessoas
que escolhem dar um sentido ao sofrimento pelo qual estão passando. Quem tem
uma razão, um sentido para viver, suporta qualquer tipo de sofrimento.
Embora nós façamos de tudo para não sofrer,
o dia de hoje nos lembra que não existe vida sem sofrimento; ninguém passa pela
existência humana sem lidar com alguma frustração, sem ouvir um “não”, sem ter
que lidar com perdas, sem se deparar com algum tipo de cruz. Nós nem sempre
escolhemos sofrer, mas sempre podemos escolher como lidar com determinado sofrimento,
porque somos capazes de dar um sentido à nossa dor, à nossa cruz. Jesus deu um
sentido à sua própria cruz ao compreender que o sentido da existência do grão
de trigo não é ficar guardado numa gaveta, mas cair na terra, morrer e produzir
muito fruto (cf. Jo 12,24). O sentido da vida não é preservar-se de todo tipo
de dor, mas fazer da sua dor uma oportunidade de crescimento, de
amadurecimento, de serviço em favor do bem da humanidade.
Ao falar do Servo Sofredor, o profeta
Isaías disse que “Ele cresceu diante do
Senhor, como raiz em terra seca”. Nenhuma criança se torna uma pessoa madura
sendo poupada de todo tipo de frustração. Nós só crescemos espiritualmente e
amadurecemos emocionalmente na experiência da aridez, do sofrimento. Mas,
cuidado! Não se trata de viver à procura de sofrimento; trata-se de enfrentar o
sofrimento que faz parte da sua história de vida; sobretudo, da sua fidelidade
à vontade de Deus. Jesus não foi para a cruz porque gostava de sofrer, mas
porque decidiu amar a humanidade até o fim (cf. Jo 13,1), ainda que esse “fim”
fosse sua morte numa cruz.
Sempre que você faz uma experiência de cruz,
a imagem que você tem de Deus se quebra: “(Ele) não tinha beleza, nem atrativo
para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse... Homem coberto de
dores, cheio de sofrimentos... Figura desprezível” (Is 53,2-3). Com que olhos
você se vê quando está sofrendo? Você vê apenas a sua casca, ou é capaz de
enxergar mais profundamente as transformações que estão acontecendo em você com
a experiência da dor? Seus ouvidos estão abertos para ouvir Deus também quando
Ele te fala por meio de um acontecimento ruim? “Desde que Cristo morreu na
cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a aparentemente
falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação” (Pe. Amedeo
Cencini). Você crê nesta verdade?
Hoje é um dia muito apropriado para nos
lembrarmos desta palavra de Jesus: “Quando eu for elevado da terra, atrairei
todos a mim” (Jo 12,32). O que nos atrai para Jesus na cruz é a sua atitude de
recolher em si toda dor, todo sofrimento, toda morte, e entregar tudo ao Pai, o
único que pode transformar a morte em vida. O que nos atrai para a cruz é ver nela
Aquele que é o nosso Sumo sacerdote – aquele que está entre o céu e a terra,
entre Deus e os homens – como uma ponte, como o Sumo Pontífice – o Sumo
sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas. É por isso que o autor da
carta aos Hebreus nos convida a permanecer “firmes na fé que professamos. Com
efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas...
Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para
conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento
oportuno” (Hb 4,14-16). Ao ressuscitar seu Filho, o Pai transformou a cruz no
trono da graça. Diante deste trono, os condenados são absolvidos, os pecadores
são perdoados e os doentes são curados, conforme diz a Escritura: “por suas
feridas fostes curados” (1Pd 2,24). Se o Pai permitiu a morte de seu Filho na
cruz foi porque esta morte geraria em cada um de nós o fruto da ressurreição.
Enfim, não pensemos que Jesus “tirou de letra”
essa experiência terrível de ser crucificado! O autor da carta aos Hebreus
afirma que ele “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele
que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa da sua entrega a
Deus. Mesmo sento Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por
aquilo que sofreu” (Hb 5,7-8). Jesus jamais negou sua repulsa humana diante da
dor, do sofrimento e da morte, mas ele transformou essa repulsa em oração, uma
oração tão profunda e sincera que foi atendida pelo Pai; não atendida
livrando-o de passar pela cruz, mas atendida enquanto ressuscitando-o após a
morte de cruz.
Aqui, mais um ensinamento para nós. Não é o
fato de o Pai ter deixado morrer aquilo que tanto suplicamos que salvasse da
morte que significa que Ele ignorou a nossa súplica e as nossas lágrimas. Deus
tem uma outra forma de responder à nossa oração. A verdadeira vida que Ele tem
para nos dar não é esta vida terrena e constantemente ameaçada pela morte, mas
a vida eterna. Portanto, só a fé no amor do Pai por nós pode nos livrar de
enlouquecermos ou de perdermos o sentido da vida por causa da cruz que
atravessou o nosso caminho. Jesus aprendeu a confiar neste amor do Pai por
aquilo que ele sofreu. Assim também será conosco: aquilo que sofremos poderá
ser vivido como uma redescoberta da presença do Pai em nossa vida, se
estivermos abertos a aprender o que Ele está querendo nos ensinar.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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