Missa do domingo
de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 23,1-49.
Nosso mundo está cheio de histórias
de vidas interrompidas por uma tragédia, uma doença, um acidente, um atentado
terrorista etc. No Brasil, mais de 60 mil pessoas são assassinadas por ano: são
vidas interrompidas pela violência, que por sua vez é consequência direta da
desigualdade social, que por sua vez é fabricada pela corrupção que, como uma
espécie de câncer, se espalha e atinge órgãos vitais como a Política e a
Justiça em nosso País. Por fim, cresce no Brasil e no mundo o número de vidas
interrompidas pelo suicídio: são crianças, adolescentes, jovens, adultos e até
mesmo idosos que decidiram pôr fim à própria existência, seja porque não
conseguiram lidar com seus problemas, seja porque a vida perdeu o sentido para
eles.
O Evangelho de hoje nos coloca
diante de Jesus, cuja vida foi interrompida pela maldade e pela violência cega
dos líderes religiosos e políticos da sua época. Por quatro vezes, Pilatos
declarou Jesus totalmente inocente, sem culpa alguma; portanto, sem motivo
algum que justificasse sua condenação à morte: “Não encontro neste homem nenhum
crime” (Lc 23,1.4); “Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum
dos crimes de que o acusais” (Lc 23,14); “Não encontrei nele nenhum crime que
mereça a morte” (Lc 23,22). No entanto, todas as tentativas de Pilatos de
declarar a inocência de Jesus e libertá-lo de uma condenação injusta falharam:
“Mas eles gritavam: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’” (Lc 23,22).
Quantas pessoas hoje são condenadas à
morte injustamente? Há alguém que se levante para defender essas pessoas?
Recentemente a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) denunciou: “Reconhecemos
que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, adequado à
Seguridade Social. Alertamos, no entanto, que as mudanças contidas na PEC
06/2019 sacrificam os mais pobres, penalizam as mulheres e os trabalhadores
rurais, punem as pessoas com deficiência e geram desânimo quanto à seguridade
social, sobretudo, nos desempregados e nas gerações mais jovens” (Mensagem
sobre a Reforma da Previdência). Nós estamos atentos a isso, ou acreditamos
ingenuamente na propaganda mentirosa do Governo de que a Reforma da Previdência
visa combater privilégios?
Enquanto algumas mulheres choravam
por causa de Jesus, ele se voltou para elas e disse: “Não choreis por mim! Chorai
por vós mesmas e por vossos filhos!” (Lc 23,28). Graças às novas tecnologias,
nós estamos nos afastando cada vez mais da vida real e nos distraindo com
vídeos, filmes e séries do mundo virtual. Somos expectadores que se emocionam e
choram com cenas projetadas na tela do nosso celular, do nosso computador ou da
nossa TV Full HD (“Full High Definition”, Alta Definição Completa), mas não
enxergamos as injustiças que acontecem com pessoas reais próximas a nós. Não
nos damos conta de que a mesma violência que hoje as atinge, amanhã nos
atingirá.
Jesus
ainda disse àquelas mulheres: “Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que
não farão com a árvore seca?” (Lc 23,31). Enquanto Jesus é a árvore verde, o
homem justo e inocente, que foi cortado da face da terra ao morrer na cruz, nós
somos “árvores secas”, isto é, pessoas que secaram na sua fé, na sua esperança
e no seu amor, pessoas que deixaram de acreditar na força do bem e passaram a
acreditar na força do mal, das armas, de políticos ligados às milícias do Rio
de Janeiro, ágeis em matar pobres, negros, políticos e juízes que investigam
militares, policiais e ex-policiais que se tornaram assassinos profissionais. Eis,
portanto, o alerta de Jesus: se a violência extermina pessoas boas, imagine o
que ela fará com aqueles que estão se convencendo de que não vale mais a pena
ser bom...
Ao
ser pregado na cruz, Jesus ora ao Pai por aqueles que o crucificam: “Pai,
perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34). Muitos dos nossos erros
nascem da nossa ignorância. Escolhemos o mal achando que estamos escolhendo o
bem, sobretudo numa época como a nossa, de uma inversão tão profunda de
valores, onde muitas pessoas já não se preocupam com o certo e o errado, mas
apenas com aquilo que lhes parece mais conveniente para satisfazer o seu desejo
de felicidade. Esta oração de Jesus nos desafia a enxergar para além do mal que
alguém está nos provocando e perceber o quanto a pessoa está agindo não por
maldade nua e crua, mas por estar totalmente enganada em relação a nós.
Os dois homens que foram crucificados com
Jesus retratam duas maneiras diferentes de lidarmos com a nossa própria cruz. “Um
dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: ‘Tu não és o Cristo?
Salva-te a ti mesmo e a nós!’ Mas o outro o repreendeu, dizendo: ‘Nem sequer
temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque
estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal’” (Lc 23,39-41).
Assim como o primeiro malfeitor, nós às vezes custamos a reconhecer a nossa
responsabilidade na cruz que surgiu em nosso caminho. Por mais que detestemos
admitir isso, o fato é que boa parte dos nossos sofrimentos é produzida por nós
mesmos. Daí o alerta do segundo malfeitor: “Para nós, é justo, porque estamos
recebendo o que merecemos” (Lc 23,41). Portanto, antes de reclamar, façamos uma
séria autocrítica para perceber a nossa parcela de responsabilidade no mal que
nos atinge.
Após
convidar o primeiro malfeitor à autocrítica, o segundo malfeitor suplica a
Jesus: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”, ao que Jesus
lhe responde: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc
23,42-43). Algo maravilhoso acontece aqui! Um homem condenado de maneira justa,
e condenado duplamente, perante os homens e perante Deus, nos seus últimos
instantes de vida lança mão da sua fé em Jesus e suplica por salvação. E aquele
que antes estava definitivamente condenado agora é salvo, uma salvação
declarada nas palavras de Jesus: “ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc
23,43). Quem dera nós ouvirmos isso de Jesus nos momentos finais da nossa vida!
Precisamos nos convencer acerca desta verdade: “Não existe mais condenação para
aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1).
Por fim Jesus, nos instantes finais
da sua vida, escolhe deixar este mundo orando ao Pai, orando como orou a vida
toda, sobretudo nos momentos fortes e mais significativos, testemunhados por
São Lucas ao longo de todo o seu Evangelho. E Jesus ora gritando: “‘Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito’. Dizendo isso, expirou” (Lc 23,46). O corpo de
Jesus está pregado numa cruz, mas o seu espírito está livre para lançar-se nos
braços do Pai. Nós também podemos fazer essa experiência: mesmo estando
fisicamente neste mundo, mesmo estando com o nosso corpo preso à cruz de uma
doença, de uma injustiça ou de um sofrimento, nosso espírito não está preso a
nenhuma cruz; nosso espírito é livre e tem onde se lançar: nos braços do Pai. O
Pai que acolheu o espírito de Jesus e de todos os que morreram injustamente, o
Pai que um dia acolherá o espírito de cada um de nós é o Pai capaz de nos
ressuscitar, o Pai que fará justiça a todos os injustiçados deste mundo, o Pai
que julgará todos os que condenam injustamente à morte tantos inocentes.
Desse modo, nossa oração não poderia
ser outra hoje, senão a mesma de Jesus: “Senhor, eu ponho em vós minha esperança;
que eu não fique envergonhado eternamente! Em vossas mãos, Senhor, entrego o
meu espírito, porque vós me salvareis, ó Deus fiel! As pessoas me esqueceram
como um morto, e tornei-me como um vaso espedaçado. A vós, porém, ó meu Senhor,
eu me confio, e afirmo que só vós sois o meu Deus! Eu entrego em vossas mãos o
meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor! Mostrai serena a vossa face
ao vosso servo, e salvai-me pela vossa compaixão! Fortalecei os corações, tende
coragem, todos vós que ao Senhor vos confiais!” (Sl 31,2.6.13.15-17.25).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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