Missa
do 2º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse
1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19-31.
A
manhã do domingo de Páscoa nos colocou diante do túmulo vazio de Jesus, o
primeiro sinal da sua ressurreição. Já o Evangelho de hoje, nos fala de duas
aparições de Jesus ressuscitado aos discípulos: uma, na noite do domingo de
Páscoa; outra, oito dias depois, novamente no domingo, “no dia do Senhor” (Ap
1,10). Por duas vezes, o Evangelho menciona que as portas do lugar onde os
discípulos se encontravam estavam fechadas (vv.19.26). O Papa Francisco tem
insistido que as portas da Igreja devem estar sempre abertas, seja para acolher
aqueles que a procuram, seja para ir atrás daqueles que dela se afastaram ou
que dela nunca se achegaram. Quando nos fechamos numa atitude defensiva em
relação a um mundo que direta ou indiretamente ataca os valores do Evangelho,
corremos o risco de falhar em nossa missão: “Sem experimentar o Senhor
Ressuscitado entre nós, vivemos como uma igreja fechada, com medo do mundo...
Com as ‘portas fechadas’ não se pode ouvir o que acontece lá fora. Não é
possível captar a ação do Espírito no mundo... Uma Igreja sem capacidade de
dialogar é uma tragédia, porque a missão de todo discípulo de Jesus é realizar
o diálogo de Deus com o ser humano” (Pe. J.A. Pagola).
Mas o foco principal do Evangelho de
hoje é o encontro de Jesus com Tomé, o discípulo que impôs uma condição para
crer na ressurreição: “Se eu não vir... não acreditarei” (Jo 20,25). Como anda
a sua fé? Você também costuma impor condições para crer em Deus, para crer na sua
Palavra? Vivemos numa época em que inúmeros acontecimentos vão contra a nossa
fé, porque destroem todas as imagens que temos de Deus – o Deus que se revela
na Sagrada Escritura como Amor, Misericórdia, Bondade, Compaixão, Justiça,
Providência... Muitas pessoas têm desistido de crer, seja por causa de certos
acontecimentos dolorosos, sofridos, absurdos, seja pela maneira como Deus é:
misterioso, inacessível, não enquadrado nos nossos esquemas, não cabível nas
nossas medidas, um Deus a Quem não podemos de forma alguma ver, no sentido de controlar, mas apenas escutar, no
sentido de obedecer. É por isso que a
fé se apresenta como algo que nos desafia. A fé, quando autêntica, me coloca no
espaço correto da relação com Deus, o
espaço da obediência, não do controle.
“Se
eu não vir... não acreditarei” (Jo 20,25). Assim como Tomé, às vezes nos
colocamos nesta atitude: ‘Se Deus não se revelar a mim como eu espero, não
terei mais fé n’Ele. Se Deus não remover todas as pedras do meu caminho, se não
curar todas as minhas feridas, se não eliminar todos os meus inimigos e se não
responder a todas as minhas perguntas, não acreditarei mais n’Ele’. Esse tipo
de atitude torna-se uma sabotagem contra nós mesmos, uma vez que, sem a força
da fé “a vida facilmente se torna um arco cuja corda está arrebentada e do qual
nenhuma flecha pode ser lançada” (Henri Nouwen, O sofrimento que cura, p.25).
Esta
imagem do arco que se tornou incapaz de lançar uma flecha – imagem de uma
pessoa que decidiu seguir pela vida sem a força da fé – contrasta com a imagem
de Moisés, lembrado como exemplo de fé para nós na carta aos Hebreus: “Foi pela
fé que (Moisés) deixou o Egito, sem temer o furor do rei (o exército do Faraó
que se pôs a persegui-lo), e resistiu, como se visse o Invisível” (Hb 11,27). A fé é isso: você caminha na vida por aquilo
que crê, não por aquilo que vê; você caminha na vida como se visse o
Invisível, resistindo às pancadas que leva, às ameaças que sofre, não se
deixando vencer por aquilo que tenta te convencer de que você está caminhando
na direção do nada.
Jesus
hoje diz a cada um de nós o que disse a Tomé: “Não sejas incrédulo, mas tenha
fé” (Jo 20,27). Mesmo diante de tantos acontecimentos que parecem enterrar na
morte tudo o que você faz em favor da vida, Jesus lhe diz: “Não tenhas medo.
Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho comigo as chaves da
morte e da região dos mortos” (Ap 1,17-18). ‘Mesmo se você trancar a porta da
sua vida para a fé, mesmo se decidir morrer para a sua fé, Eu tenho as chaves e
posso tirar você de dentro da morte da sua fé. Ainda que você não possa Me ver,
lembre-se de que “felizes (são) os que creram sem terem visto” (Jo 20,29).
Felizes os que, mesmo enfrentando tribulações por causa da Palavra de Deus e do
testemunho de fé em Mim, perseveraram na sua fé (cf. Ap 1,9). Felizes os que,
meditando a cada dia no Evangelho, acreditaram em Mim e, crendo, receberam uma
nova vida em Meu nome (cf. Jo 20,31)’.
Ao
encerrarmos esta reflexão, lembremos que a fé vem da pregação da palavra de
Cristo (cf. Rm 10,17), isto é, a fé nasce em nós a partir dos ouvidos e não dos
olhos. Neste sentido, o próprio João termina seu Evangelho afirmando que tudo
aquilo que ele escreveu “foi escrito para que vocês acreditem que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham a vida em seu nome” (Jo
20,31). Para a nossa geração, habituada com inúmeras imagens, vale o alerta de
Jesus a Tomé: “Acreditaste porque me viste? Felizes os que creram sem terem
visto!” (Jo 20,29). O que mantém a minha fé viva não é a imagem que eu vejo,
mas a Palavra que eu leio, escuto e medito. Além disso, é a Palavra de Deus,
lida ou ouvida e meditada, que me ajuda a interpretar aquilo que eu vejo,
percebendo a presença escondida de Deus nos acontecimentos do dia a dia.
Com
a nossa Igreja, coloquemo-nos diante de Jesus Misericordioso e clamemos hoje: ‘Senhor
Jesus, entra em minha vida, mesmo quando as portas estiverem fechadas pelo meu
medo diante do mundo e pela minha descrença na tua ressurreição. Dá-nos a tua
paz, que é a vitória sobre o mundo. Segura minhas mãos com as tuas mãos
feridas, para que as minhas tenham a coragem de se envolverem e, se preciso
for, se machucarem na luta em favor de um mundo mais justo. Infunde em mim a força
do teu Espírito diante dos conflitos, para que eu possa experimentar a força da
fé que me faz vencer o mundo e não ser vencido(a) por ele. Como o Senhor passou
pelo mundo fazendo o bem, que eu possa viver minha vida trabalhando junto com
todas as pessoas que, independente de cor, raça ou religião, trabalham pela
ressurreição da humanidade. Amém!’ (cantemos) “Creio em Ti, Ressuscitado, mais
que São Tomé, mas aumenta na minh’alma o poder da fé! Guarda a minha esperança,
cresce o meu amor. Creio em Ti, Ressuscitado, meu Deus e Senhor!”
Pe. Paulo Cezar
Mazzi