sexta-feira, 30 de março de 2018

ONDE HÁ CHEIRO DE MORTE, LEVE O PERFUME DA RESSURREIÇÃO!

Missa da Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,1.26-31a; Êxodo 14,15 – 15,1; Baruc 3,9-15.32 – 4,4; Romanos 6,3-11; Marcos 16,1-7.

Na noite de quinta-feira santa, nós começamos a fazer, com Jesus, a nossa Páscoa. Somos “pessoas pascais”, pessoas convidadas por Deus a fazer a passagem da morte para a vida. É a Palavra do Senhor que nos abre o caminho, para que possamos passar. Quando Israel estava no exílio da Babilônia (séc. VI a.C.), e não via mais como passar da morte para a vida, Deus dirigiu a sua Palavra àquele povo para lembrá-lo de que Ele é o Criador: Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, os abençoou, tornou-os capazes de fecundidade, capacitou o ser humano para o trabalho e lhe garantiu a sobrevivência na terra alimentando-o com todos os vegetais. “E Deus viu tudo quanto havia feito, e eis que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Se nós hoje contemplamos essa imagem do Paraíso, não é para sentirmos saudade de um passado que não voltará mais, mas para termos a esperança de um futuro que será criado por Deus, que tem por desígnio restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus (cf. Ef 1, 9-10; Cl 1,19-20).
Justamente porque somos pessoas pascais, o Senhor hoje se dirige a nós e nos convida a nos levantar das nossas quedas, do nosso desânimo, da nossa falta de esperança, e nos pôr a caminho: “Diga aos filhos de Israel que se ponham em marcha” (Ex 14,15). O texto bíblico que ilumina especialmente esta noite de Páscoa é a libertação de Israel do Egito, uma libertação sofrida e obtida graças à parceria entre Moisés e Deus, uma forma de nos tornar conscientes de que nós só podemos ser libertos quando nos dispomos a fazer a nossa parte, confiando que Deus fará a d’Ele para nos retirar da situação de escravidão e morte e nos levar para uma situação de liberdade e vida.
A passagem pelo mar Vermelho nos lembra que não existe passagem sem luta, sem enfrentar o medo e a dor. Mas nós nunca estamos sozinhos nesta passagem: Deus está conosco! É Ele quem nos faz passar! Como fez com Israel, Ele se coloca junto a nós, na imagem da nuvem, tenebrosa para os egípcios, mas luminosa para os israelitas. Sempre que você se propõe a passar da morte para a vida, vai sentir-se perseguido por uma nuvem de medo e de ameaça, tentando convencê-lo de que a passagem não vai dar certo, a travessia não vai funcionar. Não preste atenção a essa nuvem tenebrosa que está atrás de você. Mantenha o seu olhar na nuvem luminosa, que é o próprio Deus a lhe dizer: ‘Confie em mim. Eu te ajudo a atravessar!’ Se Deus nos convidou a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, devemos crer que Ele abrirá o caminho e nos fará passar. O nosso Deus nunca começa uma obra e depois a abandona pela metade (cf. Fl 1,6).
Nenhum texto bíblico do Antigo Testamento evidenciou tanto o poder de Deus em salvar o seu povo como a narrativa do Êxodo. No entanto, a memória deste acontecimento não foi suficiente para fazer Israel caminhar confiante e humildemente com o seu Deus. Depois que se instalou na Terra Prometida e começou a ter uma vida repleta de bem estar, Israel afastou-se de Deus e esqueceu-se de onde veio. Como consequência, perdeu a Terra e voltou a ser escravo de um outro povo. Na amarga experiência do exílio, Israel se deu conta de que “todos os que seguem (praticam) a sabedoria (Palavra) viverão; todos os que a abandonam morrerão” (Br 4,1). Contudo, Deus não abandonou seu povo no exílio, mas o convidou a arrepender-se e a voltar-se para Ele como fonte de salvação: “Volte atrás, Jacó!... Caminhe na luz da minha Palavra! Não entregue aos outros a sua glória!” (Br 4,2-3). Este é, também, o alerta do Senhor para nós: aquilo que conquistamos com tanto sacrifício, aquela passagem que foi realizada com tanta luta e tanto sofrimento, pode ser cancelada porque descuidamos de manter nossa fidelidade diária a Deus e nossa obediência à sua Palavra...
Embora nenhum de nós tenha passado pelas águas do mar Vermelho, o apóstolo Paulo nos recorda nesta Vigília Pascal que todos nós passamos pelas águas do Batismo. Para a maioria de nós, isso aconteceu quando éramos crianças, para nos lembrar que a salvação que o batismo nos dá é graça de Deus e não mérito nosso. Ser batizado significa ser mergulhado na morte de Cristo. Como nos ensina o apóstolo, nossa tarefa diária consiste em morrer para o pecado e viver para Deus, em Cristo Jesus, tendo consciência de que o Batismo nos identificou a Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, para nos assemelharmos a Ele também na sua ressurreição. Essa será a etapa final da nossa Páscoa.
            Finalmente, o Evangelho desta noite nos fala do que aconteceu no primeiro dia da semana, após o sepultamento: algumas mulheres foram comprar perfumes para ungir o corpo de Jesus. O perfume simboliza o amor que é mais forte que a morte; simboliza a fé na vida eterna, imagem da alma que não morre com o corpo, mas que sobe (exala) até Deus. Se é verdade que cada dia que nasce nos lembra que somos mortais (a imagem do túmulo), há um sinal que diz que a morte não é mais um ponto final na vida humana (a grande pedra que impedia o acesso ao corpo de Jesus foi retirada). Aquela pedra não foi retirada por alguém de fora, mas por Alguém de dentro do túmulo, Alguém que todos pensavam que estava morto para sempre.
A pedra que nos mantinha a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para sempre na morte, foi retirada! Dentro do túmulo não há mais uma vida que terminou na morte, um sonho de que desfez para sempre, uma luz que se apagou definitivamente. Dentro do túmulo há um jovem – imagem da vida que se renova – dizendo que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou! Portanto, esta noite de Páscoa nos convida a retirar a pedra do túmulo do nosso desânimo, do nosso abatimento, túmulo que representa tantas atitudes nossas por meio das quais nos enterramos vivos, morremos antes da hora, abandonamos os nossos valores, pensando que ficar dentro de um túmulo seja melhor do que sair e enfrentar a vida e correr o risco de sermos machucados.
“Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Mc 15,6-7). O Evangelho da Vigília Pascal poderia nos colocar em contato com Jesus Ressuscitado (o que será feito nos dois próximos domingos), mas ele nos coloca, primeiro, diante de um túmulo vazio, túmulo que nos lembra que crer na ressurreição não significa crer que não vamos morrer, ou que vamos ser poupados de sofrimento, mas significa crer que vamos vencer a morte e o sofrimento. O nosso sofrer e a nossa morte não são a negação da ressurreição, mas o lugar existencial onde experimentaremos a nossa própria ressurreição (cf. 2Cor 5,2-4).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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