quinta-feira, 15 de março de 2018

DOAR-SE PODE DOER, MAS É UMA DOR PLENA DE SENTIDO!

Missa do 5º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9; João 12,20-33.

Como saber se a vida valeu a pena? Ter viajado e conhecido muitos lugares? Ter comido e bebido em abundância? Ter amado (entenda-se também: feito sexo com) muitas pessoas? Ter realizado uma brilhante carreira profissional? Ter se enriquecido? Ter alcançado o maior ou um alto grau na hierarquia do poder? Ter sido reconhecido e aplaudido pelo mundo? Para Jesus, só existe uma coisa que mostra que a vida valeu a pena, isto é, que a nossa vida teve sentido: é o fato de termos aprendido a morrer. Em que sentido? No sentido de que nós dedicamos a nossa vida a fazer os outros viverem; no sentido de que nós aceitamos ser configurados ao grão de trigo que, caindo na terra e morrendo, produz muito fruto.
Da mesma forma como Jesus usou a imagem do grão de trigo para nos ensinar que o sentido da nossa vida está em fazer dela uma “vida para” o bem da humanidade, o Papa Francisco nos presenteou com uma belíssima e profunda reflexão: “Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”.
Esta é a chave para entendermos o ensinamento de Jesus nesta última semana da quaresma: “Viver para os outros é uma regra da natureza”. O sentido da vida não está em sermos felizes de maneira egoísta, sem nos importar com o sofrimento que atinge os outros. O sentido da vida está em que as pessoas que convivem conosco se sintam melhores porque nós passamos pela vida delas e nos doamos/sacrificamos pelo bem delas. Pensemos na hóstia que comungamos: se o grão de trigo não aceitasse ser enterrado e “morrer” debaixo da terra, não produziria trigo, e se os grãos de trigo não aceitassem ser triturados, não teríamos pão. A hóstia que comungamos é um pão sem fermento porque Jesus foi um homem sem o fermento do egoísmo e da autopreservação. Quem comunga o Corpo de Cristo é chamado a viver não mais em função de si mesmo, mas a fazer da sua vida uma “vida para” o bem da humanidade.     
A imagem do grão de trigo que morre para produzir fruto nos ensina que viver dói. Viver comporta dor. Doar-se para o bem dos outros é sinônimo de sofrimento, embora nos encha de uma profunda alegria. No Evangelho que acabamos de ouvir, Jesus deixou transparecer a verdade da sua dor ao fazer da sua vida um serviço para a salvação da humanidade: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27-28). Quando nos preocupamos com o bem dos outros, quando nos deixamos atingir pela dor que atinge inúmeras pessoas à nossa volta, nós sentimos a mesma angústia que Jesus sentiu. E essa angústia nos incomoda tanto que somos tentados a pedir ao Pai: “Livra-nos, Senhor! Livra-nos de sofrer! Livra-nos de sentir esta dor! Livra-nos desta hora!”
Na vida de toda pessoa que busca ser fiel, honesta e decente; na vida de toda pessoa que faz o propósito de amar até o fim e de se sacrificar por aqueles que ama; na vida de toda pessoa que responde ‘sim’ ao chamado de Deus sempre chega a hora da cruz, a hora da angústia, a hora em que a dor se mostra em toda a sua dureza e crueldade. E aí temos duas saídas: ou rompemos com o compromisso que havíamos assumido, ou enfrentamos aquela dor com o mesmo realismo com que Jesus enfrentou, ao dizer: “(...) foi precisamente para esta hora que eu vim”. Assim, com Jesus nós aprendemos a dizer: ‘Eu não nasci para sofrer, mas sei que a dor faz parte da vida de todo e qualquer ser humano. Se o sofrimento atinge a vida de todas as pessoas, por que eu teria a pretensão de passar pelo mundo sem sofrer? Foi para esta hora que eu vim: a hora de doar-me pelo bem da humanidade, a hora de sacrificar-me para que o mundo se torne um lugar melhor. Eu aceito e abraço a minha “hora” porque tenha consciência de que essa experiência de cruz diz respeito a mim e não a outra pessoa’.       
              Marcel More, um crítico do cristianismo moderno, escreveu: “Os cristãos encontraram uma maneira de sentar-se, não se sabe como, de modo confortável na cruz”. Em outras palavras, muitos de nós, cristãos, comungamos da mesma aversão que o mundo tem da cruz. Sim: cruz é cruz; dor é dor; morrer é morrer. Jesus nunca mascarou a sua dor diante do Pai e nunca encarou a cruz como uma poltrona suave sobre a qual se sentar. Como vimos na carta aos Hebreus, ele chegou a dirigir “preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus. Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,7-8). A palavra-chave aqui é “entrega”. Essa foi a forma como Jesus lidou com a sua angústia e com a repulsa que todo ser humano tem diante da morte: entrega. ‘Eu não nego a repulsa que sinto diante do fato de ter que morrer para fazer o bem aos outros, mas eu entrego esse sentimento de repulsa ao Pai e lhe peço a graça de amar até o fim, de ser fiel até o fim, de não me desviar dessa “hora de cruz” que cabe a mim enfrentar’.
Estando às portas da Semana Santa, queremos acolher este ensinamento de Jesus: toda obediência a Deus comporta algum tipo de sofrimento da nossa parte, mas o sofrimento do grão de trigo, que se dispõe a morrer para produzir muito fruto, é um sofrimento pleno de sentido. A nossa fecundidade só se revela na hora em que aceitamos fazer da nossa vida uma “vida para”, como foi a vida de Jesus. E como ele mesmo disse: “(...) quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Deixemo-nos atrair pela força redentora da cruz de Cristo, e que a doação da nossa vida ajude a humanidade a elevar-se acima da injustiça, da violência e da morte, produzidas por um mundo que decidiu riscar do seu dicionário a palavra “doação”.

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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