terça-feira, 27 de março de 2018

DISCÍPULOS DO CORDEIRO

Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.

            A liturgia desta noite nos fala da preparação de duas páscoas: a páscoa do Antigo Testamento, quando o Senhor Deus passou pela terra do Egito e convidou seu povo (Israel) a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, e a Páscoa do Novo Testamento, quando Jesus abraçou a sua hora de passar deste mundo para o Pai, oferecendo a todos os que n’Ele creem a possibilidade de passarem da morte para a vida. Duas páscoas muito diferentes, mas com um personagem central comum a ambas: o cordeiro.  
            Na páscoa do Antigo Testamento, Deus ordenou às famílias dos hebreus: “Cada um tome um cordeiro por família, um cordeiro por casa” (Ex 12,3). “Tomareis um pouco do seu sangue e untareis os marcos e a travessa da porta, nas casas em que o comerdes” (Ex 12,7). “E comereis às pressas, pois é a Páscoa do Senhor, isto é, a ‘passagem’ do Senhor! Naquela noite, passarei pela terra do Egito e ferirei todos os primogênitos” (Ex 12,11-12). O pano de fundo dessa atitude de passar o sangue do cordeiro nas portas das casas vem de uma prática muito antiga dos pastores que, ao terem que percorrer os campos com seus rebanhos, sacrificavam um cordeiro e levavam um pouco do seu sangue à frente, como que abrindo o caminho, na esperança de que esse sangue afugentasse algum tipo de praga que pudesse ferir o rebanho de morte.
            O sangue que os hebreus passaram nas portas de suas casas recordava, antes de mais nada, o sangue de inúmeros hebreus que o Egito derramou, por meio da escravidão, de trabalhos forçados, de violência e de morte, para impedir que se multiplicasse e crescesse (cf. Ex 1,8-16). Mas esse sangue já remetia para o sangue de Jesus na cruz, o verdadeiro Cordeiro que morreria para reunir todos os filhos de Deus dispersos (cf. Jo 11,52). O fato é que o sangue nas portas das casas tornou-se um sinal de proteção para os hebreus: “O sangue servirá de sinal nas casas em que estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora quando eu ferir a terra do Egito” (Ex 12,13).
            Diante da páscoa do Antigo Testamento, nós precisamos nos perguntar: quais são as pragas que hoje ameaçam exterminar nossas crianças e nossos jovens? Quais são as pragas que podem exterminar o casamento, a família, as escolas, nossas cidades, nosso mundo? Qual sinal precisamos ter em nossa casa para que o espírito maligno reconheça que pertencemos a Deus e não atente contra nós? Mais do que as portas das nossas casas, é a porta da nossa consciência que precisa ser assinalada com o sangue de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, sangue que é expressão do seu amor por nós: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Quando nos dispomos a amar até o fim aqueles ou a missão que o Senhor nos confiou, o espírito exterminador não encontra espaço para se alojar em nós.
            Deus havia dado uma ordem aos hebreus: “Este dia... haveis de celebrar, por todas as gerações, como uma memória perpétua” (Ex 12,14). Enquanto o povo de Israel se preparava para celebrar a páscoa, Jesus começou a preparar a “sua” Páscoa: “Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Antes de seu corpo ser doado e seu sangue ser derramado na cruz, “o Senhor Jesus tomou o pão (...), partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em minha memória’. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em memória de mim’ (1Cor 11,25).
            A Páscoa que Jesus celebra com seus discípulos é infinitamente superior à páscoa do Antigo Testamento, pois ele é o Cordeiro que se oferece livre e conscientemente para a salvação não só do povo de Israel, mas de toda a humanidade. Enquanto inúmeros cordeiros morreram sem saberem o porquê, ao longo dos séculos, Jesus é o Cordeiro que decide livremente nos amar até o fim, tornando-se “corpo doado e sangue derramado” em favor da nossa salvação. Seu sangue é um sangue consciente, e justamente por isso, capaz de operar a redenção eterna, como está escrito: “não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o seu próprio sangue, ele entrou no Santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12).
            Agora a pouco, cantávamos no salmo: “O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor”. A nossa comunhão com o sangue do Senhor significa a nossa comunhão com o seu amor que ama até o fim, uma comunhão que nos convida a fazer de nós mesmos “hóstias vivas”, homens e mulheres que façam da sua existência uma “vida para”, cristãos que se tornem “corpo doado e sangue derramado”, para a salvação da humanidade. Foi por isso que Jesus, na última Ceia, realizou o lava-pés, como acabamos de ouvir no Evangelho: Ele “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 13,4-5). Ao final desse gesto, disse aos discípulos: “Se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
            Nós, cristãos, somos discípulos do Cordeiro; somos cordeiros vivendo no meio de lobos (cf. Lc 10,3), cordeiros chamados a não se corromperem em lobos como forma de sobrevivência, mas a testemunharem a vitória do Cordeiro que, depois de ter sido sacrificado na cruz, encontra-se agora em pé, à direita do trono de Deus, ressuscitado e vitorioso (cf. Ap 5,6); somos cordeiros chamados a oferecer o nosso sangue, no sentido de trabalhar e lutar pela redenção da humanidade, ajudando a poupar inúmeras casas, famílias, pessoas, de todo tipo de espírito exterminador; enfim, somos cordeiros que nesta noite de preparação para a Páscoa se alimentam do Corpo e do Sangue do nosso Pastor, proclamando a sua morte redentora em favor da humanidade, até que Ele venha para realizar a Páscoa definitiva conosco (cf. 1Cor 11,26).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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