Missa da Ceia do
Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.
A liturgia desta noite nos fala da
preparação de duas páscoas: a páscoa do Antigo Testamento, quando o Senhor Deus
passou pela terra do Egito e convidou seu povo (Israel) a fazer a passagem da
escravidão para a liberdade, e a Páscoa do Novo Testamento, quando Jesus
abraçou a sua hora de passar deste mundo para o Pai, oferecendo a todos os que
n’Ele creem a possibilidade de passarem da morte para a vida. Duas páscoas
muito diferentes, mas com um personagem central comum a ambas: o cordeiro.
Na páscoa do Antigo Testamento, Deus
ordenou às famílias dos hebreus: “Cada um tome um cordeiro por família, um cordeiro
por casa” (Ex 12,3). “Tomareis um pouco do seu sangue e untareis os marcos e a
travessa da porta, nas casas em que o comerdes” (Ex 12,7). “E comereis às
pressas, pois é a Páscoa do Senhor, isto é, a ‘passagem’ do Senhor! Naquela
noite, passarei pela terra do Egito e ferirei todos os primogênitos” (Ex
12,11-12). O pano de fundo dessa atitude de passar o sangue do cordeiro nas
portas das casas vem de uma prática muito antiga dos pastores que, ao terem que
percorrer os campos com seus rebanhos, sacrificavam um cordeiro e levavam um
pouco do seu sangue à frente, como que abrindo o caminho, na esperança de que esse
sangue afugentasse algum tipo de praga que pudesse ferir o rebanho de morte.
O sangue que os hebreus passaram nas
portas de suas casas recordava, antes de mais nada, o sangue de inúmeros hebreus
que o Egito derramou, por meio da escravidão, de trabalhos forçados, de
violência e de morte, para impedir que se multiplicasse e crescesse (cf. Ex 1,8-16).
Mas esse sangue já remetia para o sangue de Jesus na cruz, o verdadeiro
Cordeiro que morreria para reunir todos os filhos de Deus dispersos (cf. Jo
11,52). O fato é que o sangue nas portas das casas tornou-se um sinal de
proteção para os hebreus: “O sangue servirá de sinal nas casas em que
estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga
exterminadora quando eu ferir a terra do Egito” (Ex 12,13).
Diante da páscoa do Antigo
Testamento, nós precisamos nos perguntar: quais são as pragas que hoje ameaçam
exterminar nossas crianças e nossos jovens? Quais são as pragas que podem
exterminar o casamento, a família, as escolas, nossas cidades, nosso mundo? Qual
sinal precisamos ter em nossa casa para que o espírito maligno reconheça que
pertencemos a Deus e não atente contra nós? Mais do que as portas das nossas
casas, é a porta da nossa consciência que precisa ser assinalada com o sangue
de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, sangue que é expressão do seu amor por
nós: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Quando
nos dispomos a amar até o fim aqueles ou a missão que o Senhor nos confiou, o
espírito exterminador não encontra espaço para se alojar em nós.
Deus havia dado uma ordem aos
hebreus: “Este dia... haveis de celebrar, por todas as gerações, como uma
memória perpétua” (Ex 12,14). Enquanto o povo de Israel se preparava para
celebrar a páscoa, Jesus começou a preparar a “sua” Páscoa: “Era antes da festa
da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o
Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Antes
de seu corpo ser doado e seu sangue ser derramado na cruz, “o Senhor Jesus tomou
o pão (...), partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei
isto em minha memória’. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e
disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes,
fazei isto em memória de mim’ (1Cor 11,25).
A Páscoa que Jesus celebra com seus
discípulos é infinitamente superior à páscoa do Antigo Testamento, pois ele é o
Cordeiro que se oferece livre e conscientemente para a salvação não só do povo
de Israel, mas de toda a humanidade. Enquanto inúmeros cordeiros morreram sem saberem
o porquê, ao longo dos séculos, Jesus é o Cordeiro que decide livremente nos amar
até o fim, tornando-se “corpo doado e sangue derramado” em favor da nossa
salvação. Seu sangue é um sangue consciente, e justamente por isso, capaz de
operar a redenção eterna, como está escrito: “não com o sangue de bodes e
bezerros, mas com o seu próprio sangue, ele entrou no Santuário uma vez por
todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12).
Agora a pouco, cantávamos no salmo: “O
cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor”. A nossa
comunhão com o sangue do Senhor significa a nossa comunhão com o seu amor que
ama até o fim, uma comunhão que nos convida a fazer de nós mesmos “hóstias
vivas”, homens e mulheres que façam da sua existência uma “vida para”, cristãos
que se tornem “corpo doado e sangue derramado”, para a salvação da humanidade.
Foi por isso que Jesus, na última Ceia, realizou o lava-pés, como acabamos de
ouvir no Evangelho: Ele “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e
amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos
discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 13,4-5). Ao
final desse gesto, disse aos discípulos: “Se eu, o Senhor e mestre, vos lavei
os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para
que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
Nós, cristãos, somos discípulos do
Cordeiro; somos cordeiros vivendo no meio de lobos (cf. Lc 10,3), cordeiros
chamados a não se corromperem em lobos como forma de sobrevivência, mas a testemunharem
a vitória do Cordeiro que, depois de ter sido sacrificado na cruz, encontra-se
agora em pé, à direita do trono de Deus, ressuscitado e vitorioso (cf. Ap 5,6);
somos cordeiros chamados a oferecer o nosso sangue, no sentido de trabalhar e
lutar pela redenção da humanidade, ajudando a poupar inúmeras casas, famílias,
pessoas, de todo tipo de espírito exterminador; enfim, somos cordeiros que
nesta noite de preparação para a Páscoa se alimentam do Corpo e do Sangue do nosso
Pastor, proclamando a sua morte redentora em favor da humanidade, até que Ele
venha para realizar a Páscoa definitiva conosco (cf. 1Cor 11,26).
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