Missa do Domingo
de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39.
(Evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém: Marcos 11,1-10)
Hoje
nós terminamos de percorrer o nosso caminho quaresmal. Durante esses quarenta
dias, fizemos a nossa experiência de deserto, para que o Senhor pudesse falar
ao nosso coração (cf. Os 2,16). Por meio da sua Palavra, o Senhor nos ensinou a
não nos deixar enganar pelas mentiras do tentador (1º. dom.); a confiar n’Ele
em toda e qualquer circunstância, principalmente quando somos provados em nossa
fé (2º. dom); a permitir que a verdade do seu Espírito purifique o templo que
somos (3º. dom); a jamais duvidar do seu amor por nós e pela humanidade, amor
comprovado pela entrega do seu Filho na cruz (4º. dom.); e, por fim, nos
convidou a fazer da nossa vida uma “vida para” o bem da humanidade, exatamente
como um grão de trigo que, aceitando morrer, gera o fruto que alimenta a vida
(5º. dom).
Além
da sua Palavra, o Senhor nos falou, durante o nosso deserto quaresmal, também por
meio da nossa Igreja, desafiando-nos a superar a violência e a restaurar a
fraternidade em nossa sociedade (Campanha da Fraternidade). E justamente hoje,
neste domingo de ramos, em que fazemos memória da entrada de Jesus em Jerusalém
e da sua crucificação nesta cidade, vemos o Filho de Deus exposto à mesma
violência que ainda hoje agride e crucifica inúmeras pessoas. Toda essa
violência que Jesus sofre em Jerusalém é para nos lembrar que a nossa cidade ainda
precisa ser transformada pelo Evangelho; nossa cidade, cada vez mais adoecida
pelo individualismo e pela indiferença entre as pessoas, precisa ser convertida
em um lugar onde haja solidariedade, compaixão e cuidado de uns pelos outros.
A
narrativa da Paixão nos mostra a primeira violência feita a Jesus: ele está “amarrado”
(v.1). Na verdade, Jesus se deixou prender, amarrar, porque quis se colocar
junto de toda pessoa que se encontra nessa situação, amarrada, presa contra a
sua vontade a uma situação de violência. Além disso, ao se deixar amarrar pelos
homens, Jesus está nos lembrando que, embora existam situações que nós não escolhemos
enfrentar, sempre podemos escolher a maneira como enfrentá-las. E Jesus enfrentou
a sua Paixão com firmeza, dignidade e serenidade. Ao ser acusado falsamente
pelos sumos sacerdotes, ele manteve seu silêncio, exatamente como o Servo (1ª.
leitura) que decidiu manter-se fiel a Deus, mesmo tendo que lidar com a mentira
e a maldade dos homens. Como discípulos de Jesus, somos chamados a não nos
desviar da violência – ela deve ser encarada e enfrentada (cf. Is 50,6).
Contudo, que ela jamais nos intimide e nos faça desanimar de promover a paz e a
fraternidade entre as pessoas.
Outra
forma de violência que Jesus sofreu foi ser rejeitado pela multidão que
gritava: “Crucifica-o!” (Mc 15,13.14). A multidão preferiu Barrabás, um
assassino. Quais são as músicas preferidas hoje? Quais são os artistas, os
filmes, as novelas, os livros e os vídeos de maior sucesso atualmente? Exatamente
como naquela época, a inversão de valores do mundo atual ataca diretamente toda
pessoa que defenda valores como família, honestidade, fidelidade, justiça etc.
E assim como Pilatos cedeu à “preferência popular”, muitos governantes e muitos
meios de comunicação produzem “aquilo que o povo gosta”: não são verdadeiros
líderes, mas guias cegos, mantendo estrategicamente grande parcela da
humanidade na cegueira da própria ignorância. E nós, cristãos? E você, cristão?
Você se move na vida pressionado pela “preferência” das pessoas à sua volta, ou
se move segundo a sua consciência? Você tem liberdade interior suficiente para
sobreviver emocionalmente à reprovação das pessoas “paganizadas”, ou empurra
para debaixo do tapete os valores do Evangelho com uma certa frequência, porque tem medo de ser rejeitado?
A
outra forma de violência que Jesus sofreu foi a flagelação, e ela aconteceu “dentro
do palácio” (v.16). Uma coisa é você, discípulo de Jesus, sofrer aos olhos do
mundo; outra coisa é você sofrer sem que ninguém esteja vendo. Sofrer “ao vivo”
– quem sabe com transmissão simultânea pelas redes sociais! – tem um certo
sabor narcisista: “Estão me vendo! Sou um herói público! O vídeo do meu
sofrimento está ‘viralizando’ na internet!” O difícil é sofrer no anonimato; ser
um herói ignorado por todos; ser um cristão que sofre a violência do mundo sem
que ninguém reconheça sua luta em se manter fiel aos valores do Evangelho...
A
crucificação foi a violência suprema sofrida por Jesus. Não se trata somente da
dor física da crucificação, mas da dor “moral”, a dor de ser declarado perante
o mundo um homem “condenado”, condenado pelos homens e condenado pelo próprio
Deus! Se Jesus aceitou a violência da condenação à morte foi para livrar todo
ser humano de sentir-se condenado e de ser condenado. Por isso, hoje Jesus pede
a nós, seus discípulos, para sermos uma presença libertadora junto a toda
pessoa crucificada por inúmeras formas de violência neste mundo. É missão de
todo discípulo de Jesus levar “palavras de conforto à pessoa abatida” (Is 50,4);
ser uma presença de conforto junto a toda pessoa atingida por algum tipo de cruz,
especialmente para que ela não se sinta abandonada por Deus naquela situação.
Finalmente,
não bastasse a violência da crucificação, Jesus sofreu também a violência dos
insultos: “(...) salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!” (v.29); “(...) desça
agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!” (v.32); “Os que foram
crucificados com ele também o insultavam” (v.32). Como disse o Pe. José Pagola,
“todos nós queremos ‘descer da cruz’. Mas o Crucificado é Deus e não um homem
justamente porque perde a si mesmo e permanece sobre a cruz. Se procurasse
salvar-se e descer, corresponderia às projeções dos nossos desejos. Seria como
todos nós, especialistas em descer da cruz e pendurar outros ali”. Pensemos por
um momento nos insultos que dirigimos às pessoas em nosso dia a dia; reflitamos
sobre a violência verbal, infelizmente incorporada em nossos hábitos
cotidianos...
“Então
Jesus deu um forte grito e expirou” (v.37). Ouçamos o grito de Jesus hoje: ‘Basta
de violência!’ Aos pés da sua Cruz, oremos ao Pai: “Ó Senhor, Deus da vida, que
cuidas de toda criação, dá-nos a paz! Que a nossa segurança não venha das
armas, mas do respeito. Que a nossa força não seja a violência, mas o
amor. Que a nossa riqueza não seja o dinheiro, mas a partilha. Que o
nosso caminho não seja a ambição, mas a justiça. Que a nossa vitória não
seja a vingança, mas o perdão. Desarmados e confiantes, queremos defender
a dignidade de toda criação, partilhando, hoje e sempre o pão da solidariedade
e da paz. Por Jesus Cristo teu Filho divino, nosso irmão, que, feito
vítima da nossa violência, ainda do alto da cruz, deu a todos o teu perdão. Amém!”
(Oração da CF 2005).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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