Missa do 1º.
dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 63,16b-17.19b; 64,2b-7; 1Coríntios
1,3-9; Marcos 13,33-37.
Hoje iniciamos em nossa Igreja o
tempo do advento. Advento significa “esperar Aquele que vem”. De fato, Jesus é chamado
no livro do Apocalipse com esse nome: “Aquele que era, Aquele que é e Aquele
que vem” (Ap 1,4.8). Além disso, ele termina o livro do Apocalipse afirmando:
“Sim, venho muito em breve!”, e toda pessoa que deseja, espera e se prepara
para a volta de Jesus responde: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20).
Quando meditamos, há vinte dias
atrás, sobre o Evangelho das dez virgens que esperavam pelo Noivo (cf. Mt
25,1-13), tomamos consciência de que a espera é sempre algo sofrido e
desafiador para a nossa fé, pois a “demora” do Noivo acaba sendo entendida por
nós como uma total ausência d’Ele ou um desinteresse d’Ele por nós e pelo que
se passa conosco. E, como aconteceu com as dez virgens, diante dessa “demora” nós
acabamos “cochilando e dormindo” (Mt 25,5), isto é, perdendo a consciência de
que a meta final da nossa vida é o encontro com o Senhor Jesus que “virá uma
segunda vez... para aqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).
Para despertar a nossa consciência,
Jesus nos dá o exemplo do porteiro: ele fica vigiando! “Vigiai, portanto,
porque não sabeis quando o dono da casa vem... Para que não aconteça que, vindo
de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”
(Mc 13,35-37). Se “dormir” significa deixar de esperar pelo Senhor e pelo
cumprimento das Suas promessas em nossa vida, passando a nos comportar de
maneira injusta e contrária ao que Deus nos pede na Sua palavra, “vigiar”
significa suportar a noite escura da aparente ausência de Deus, na certeza de
que, embora não possamos vê-Lo (controlá-Lo), Ele está conosco, Sua providência
está nos conduzindo e a Sua salvação se manifestará no momento certo em nosso
favor. Esta era a certeza que animava o profeta Isaías e que deve nos animar
também, neste tempo de advento: “Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de
ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que
nele esperam. Vens ao encontro de quem pratica a justiça com alegria, de quem
se lembra de ti em teus caminhos” (Is 64,3-4).
A ação de Deus é percebida na vida
de quem n’Ele espera. Quando deixamos de esperar em Deus e por Deus, nós
acabamos por fechar a porta da nossa vida à Sua salvação. Para que isso não
aconteça, o profeta Isaías nos convida a esperar pelo Senhor praticando a justiça com alegria; com
alegria, e não por mera obrigação ou por medo; esperar pelo Senhor lembrando-Se d’Ele em nosso caminho de vida,
isto é, orientando o nosso comportamento por aquilo que Ele nos ensina na Sua
palavra. E assim como o porteiro cuida da casa do seu Senhor, assim devemos
cuidar para que não entre e não se instale em nós pensamentos, sentimentos e
atitudes “estranhos”, nocivos e contrários à vontade de Deus a nosso respeito,
contrários à esperança que devemos manter no Senhor para não sermos
contaminados pelo desespero e pelo pessimismo tão presentes em nosso mundo.
Não há dúvida de que muitos
acontecimentos parecem ter a força de destruir ou de sepultar a nossa
esperança. Mas aqui precisamos manter no coração as palavras do apóstolo Paulo:
“Deus é fiel; por ele fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo,
Senhor nosso” (1Cor 1,9). Naquilo que depende de Deus, podemos ter a certeza de
que Ele sempre faz tudo para que cada um de nós atinja a meta da sua vida, que
é o encontro definitivo com Jesus Cristo e sua salvação. Mas há algo que
depende somente de nós: vigiar, manter a nossa consciência orientada para o
Evangelho, alimentar a nossa esperança e esperar pelo Senhor não de braços
cruzados, de maneira passiva, mas ativa, assumindo a responsabilidade que nos
foi confiada e servindo ao Senhor com alegria, porque a certeza de que “o
Senhor vem” nos anima e nos encoraja diante das dificuldades e dos momentos de
crise.
Na liturgia deste início de advento,
o profeta Isaías nos oferece uma oração muito profunda e significativa. A partir
dela, podemos rezar agora por nós e pela humanidade...
1)
“Senhor, tu és nosso Pai, nosso redentor;
eterno é o teu nome” (Is 63,16). Aquele por Quem esperamos é o nosso
“Redentor”, Aquele que nos resgata não só do abismo do nosso pecado pessoal bem
como das situações de injustiça social; Ele é o “Eterno”, o Deus que não morre
e cujas promessas não apenas não morrem, não apenas não são esquecidas, mas que
se realizarão, sobretudo na vida daqueles que esperam em Deus.
2)
“Como nos deixaste andar longe de teus
caminhos e endureceste nossos corações para não termos o teu temor?” (Is
63,17). Deus respeita profundamente a nossa liberdade. Ainda que, como Pai,
Ele sofra ao nos ver trilhando caminhos de destruição, Deus respeita a nossa
liberdade de escolha e aposta em nossa capacidade de autocrítica e de arrependimento
sincero. Ele confia que a dor e o sofrimento que surgem em nossa vida por causa
das nossas atitudes erradas podem nos fazer “acordar”, retomar o bom senso e
reconhecer: “nós pecamos” (Is 64,4).
3)
“Nós pecamos” (Is 64,4). É muito
importante reconhecer quando e onde pecamos. Ao invés de ficarmos reclamando de
determinadas situações que nos causam sofrimento, é muito mais importante reconhecer
qual tem sido a nossa parcela de responsabilidade (nosso pecado) para que tais
situações surgissem em nossa vida pessoal e social.
4)
“É nos caminhos de outrora que seremos
salvos” (Is 64,4). Não precisamos ter vergonha de voltar, de retroceder, de
recuperar valores e atitudes que deixamos de lado porque o mundo passou a
considerar isso ultrapassado e sem sentido. O caminho da nossa cura e da
salvação da humanidade passa pela recuperação de valores e atitudes que deixaram
de ser cultivados e cuidados por nós, em nome da “modernidade”, da “novidade”
ou de uma aparente, superficial e momentânea “felicidade”...
5)
“Todos nós nos tornamos imundície, e
todas as nossas boas obras são como um pano sujo” (Is 64,5). Sobretudo nós,
povo brasileiro, nos habituamos com a sujeira da corrupção e da impunidade,
incorporando em nossa consciência atitudes cotidianas de desonestidade e
mentira, sobretudo na forma como lidamos com o dinheiro... Somos uma geração
preocupada por demais com a estética, mas descuidados da ética. Cuidamos da
nossa imagem, mas descuidamos do nosso caráter. As pessoas que nos veem externamente,
podem até admirar a beleza da nossa aparência, (dos nossos paramentos também!),
mas aos olhos de Deus, que vê o nosso coração, somos apenas um “pano sujo”...
6)
“Murchamos todos como folhas, e nossas
maldades empurram-nos como o vento” (Is 64,5). Murchamos porque não
queremos nos dar ao trabalho de viver uma espiritualidade profunda, em comunhão
com Aquele que é nossa única Fonte de água viva (cf. Jr 2,13). Nossas raízes
não alcançam essa Fonte porque permitimos nos tornar pessoas superficiais, alimentadas
por uma fé superficial, sem profundidade. E a consequência disso é que hoje nos
sentimos empurrados pela vida, jogamos de um lado para outro pelos
acontecimentos, como uma folha seca é jogada de um lado para outro pelo vento.
Bastaria voltar a direcionar as nossas raízes para Deus; bastaria buscá-Lo de
maneira mais profunda, e as coisas começariam a mudar em nós, em nossa Igreja,
em nosso mundo...
7)
“Não há quem invoque teu nome, quem se
levante para encontrar-se contigo, escondeste de nós tua face e nos entregaste
à mercê da nossa maldade” (Is 64,7). Muitos abandonaram sua vida de oração,
ou a reduziram a um rito morto, sem convicção e sem alegria, porque se
perguntam: ‘Para que invocar um Deus que parece querer manter-Se tão ausente da
minha vida e da vida da humanidade? Para que esforçar-me em buscar o ‘Deus
escondido’ (cf. Is 45,15), o Deus que, justamente por ser Deus, não Se deixa controlar
por mim e nem aceita Se sujeitar aos meus caprichos ou pressionar por minhas
urgências? Para que tentar encontrar o Deus que se esconde dentro de uma
realidade marcada pela mistura entre o bem e o mal, a verdade e a mentira, a
justiça e a injustiça? Para que continuar a ter fé no Deus que não elimina do
ser humano a possibilidade de errar, de se enganar, de pecar e de fazer o mal a
si e aos outros?’
8)
“Assim mesmo, Senhor, tu és nosso pai,
nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).
Assim mesmo, apesar de tudo, apesar das nossas falhas individuais, comunitárias
e sociais, neste início de advento nós elevamos uma súplica Àquele que é o
nosso Pai, o nosso Oleiro. Nós reconhecemos que somos apenas barro, e se Deus, o
nosso Oleiro não nos tomar em Suas mãos e nos remodelar, continuaremos a ser “barro”,
isto é, uma pessoa inacabada, um vaso deformado, trincado, partido, feito em
pedaços. Se Deus é o nosso Oleiro e se nós somos barro, cabe a cada um de nós
colocar-se como barro nas mãos desse Oleiro.
Compreender-se
como barro significa compreender-se como uma pessoa com potencial para ser
mudada, trabalhada, melhorada, curada, transformada. Quando mais nos confiarmos
diariamente às mãos de Deus, o nosso Oleiro, mais Ele pode fazer de nós um vaso
novo, uma família nova, uma Igreja nova, uma sociedade nova, um país novo, um
mundo novo. Confiemo-nos às mãos do Senhor e deixemos Sua palavra orientar a
nossa consciência e as nossas atitudes, certos de que nunca se ouviu dizer nem
chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto o nosso
Oleiro, tenha feito tanto pelos que n’Ele esperam, pelos que Se confiam verdadeiramente
às Suas mãos!
Todo teu (Eros
Biondini)
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