sexta-feira, 24 de novembro de 2017

DEUS RESTABELECERÁ A JUSTIÇA NA TERRA

Missa de Cristo Rei. Palavra de Deus: Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus 25,31-46. 

            Duas afirmações bíblicas nos ajudam a compreender o sentido da festa de hoje, na qual celebramos Cristo Rei. A primeira é de Deus, no Antigo Testamento, ao afirmar: “Quanto a vós, minhas ovelhas, (...) eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). A segunda é do próprio Cristo, no Novo Testamento, ao afirmar: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória..., todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros” (Mt 25,31-32). “Fazer justiça” e “separar uns dos outros” significa “julgar”, e quando Deus julga, Ele restabelece a justiça na terra.
            Para nós, brasileiros, que vivemos num país marcado por injustiça e impunidade, é confortador saber que a palavra final sobre a história da humanidade e sobre a consciência de cada ser humano virá do Filho, Jesus Cristo, a quem o Pai confiou o julgamento sobre todo ser humano, um julgamento que significa o confronto com a verdade que sempre se propôs como verdade que nos liberta. E esta cena do julgamento final, descrita no Evangelho, é confirmada pelo apóstolo Paulo, ao declarar que “todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante sua vida terrena, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5,10). E ainda: “Todos nós compareceremos perante o tribunal de Deus... Assim, cada um de nós prestará contas a Deus de si próprio” (Rm 14,10.12).
            Talvez essas afirmações bíblicas caiam como uma imposição intolerável da parte de Deus para sobre aqueles que escolheram não crer n’Ele ou não seguir religião nenhuma. No entanto, vale a pena perceber como Jesus nos surpreende neste Evangelho, ao revelar que o julgamento de cada ser humano não terá como critério a sua conduta cristã ou religiosa, mas a sua conduta humana! Jesus, na sua função de Juiz, não questionará o ser humano se ele teve fé, se praticou alguma religião ou se foi fiel à doutrina da sua igreja; Ele questionará todo e qualquer ser humano como ele se comportou diante da necessidade do seu semelhante! Isso é surpreendente e tira de todos nós, que seguimos alguma igreja ou religião, a falsa segurança ou a presunção de que ser uma pessoa religiosa garante por si só a nossa participação no Reino de Deus.
            A separação, no julgamento final, entre os justos e os injustos, entre os “benditos” e os “malditos”, deixa claro que só existem duas atitudes possíveis diante das pessoas que sofrem ou passam por alguma necessidade: ou nós nos compadecemos e ajudamos essas pessoas, ou nós nos desinteressamos pelo que se passa com elas e as abandonamos. Não há neutralidade, e a nossa postura agora diante delas vai refletir no momento do nosso encontro definitivo com Deus, sabendo que o critério para entrar no Reino não será o que cada um de nós fez ou deixou de fazer “para” Deus, mas o que um de nós fez ou deixou de fazer “para” os nossos semelhantes que cruzaram o nosso caminho e que clamaram por nossa presença solidária e compassiva.
            O pano de fundo do julgamento final é o “Reino de Deus”. Segundo os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, o Reino de Deus foi o centro da pregação de Jesus. Já o evangelista João traduziu o Reino de Deus pela expressão “vida eterna”. Portanto, perder o Reino, perder a vida eterna, significa perder tudo; significa falir como ser humano e afastar-se definitivamente da meta que Deus desejou para cada ser humano: a vida plena. Nas palavras do Pe. J.A. Pagola, “o Reino do Pai é a fraternidade entre Seus filhos; é a realização de cada promessa de Deus e de cada desejo do homem; é o fim de toda e qualquer escravidão, egoísmo, tristeza, guerra, inquietação, maldade, dureza etc”.
            Na oração do Pai nosso, Jesus nos ensinou a pedir: “Venha a nós o vosso Reino!” (Mt 6,10). E aqui é importante lembrar que o Reino de Deus não é um lugar, mas uma situação de vida, conforme nos ensina o apóstolo Pedro: “O que nós esperamos, conforme a sua promessa, são novos céus e numa nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). Desejar o Reino é desejar a justiça de Deus que cura, restaura e corrige tudo aquilo que as injustiças dos homens causaram e têm causado de dor, de sofrimento e morte em nosso mundo. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que Jesus também nos convidou a “buscar, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33), e todas as outras coisas nos serão dadas em acréscimo.
            Preocupa-nos, hoje, o nosso descrédito cada vez maior em relação à justiça em nosso país, e a consequente apatia, tolerância e indiferença para com as injustiças e a impunidade. Mas também é preocupante o fato de que muitos de nós estejamos nos corrompendo em nossa consciência e nos permitindo praticar atitudes injustas, apostando na impunidade. Uma pessoa que deixou se corromper deixou de acreditar no céu, deixou de acreditar no julgamento final, deixou de acreditar no Reino de Deus, na vida eterna. Essa verdade se aplica especialmente aos líderes religiosos: todo líder religioso que passou a se corromper, desviando para sua conta particular um dinheiro que foi custosamente doado por seus fiéis, faz isso porque não crê no céu; esqueceu-se – e faz questão de não lembrar – de que um dia ouvirá do Justo Juiz: “Presta contas da tua administração” (Lc 16,2). A Palavra do Senhor hoje é muito clara: Deus fará justiça entre um ser humano e outro. Nada ficará impune, porque tudo tem consequências. Por não acreditarem no céu, as pessoas corruptas favorecem o inferno aqui na terra, o qual se concretiza por meio das inúmeras injustiças que causam sofrimento a muitas pessoas. E pessoas que favorecem o inferno aqui na terra o receberão com consequência natural dos seus atos, conforme está escrito: “O que o homem semear, isso colherá” (Gl 5,17).
             Ao terminar esta reflexão sobre Cristo Rei, lembremos que Deus escolheu a figura do rei para expressar o seu cuidado para com seu povo, um cuidado carinhosamente descrito pelo profeta Ezequiel nestas palavras: “Vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão. Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente, e vigiar a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-las conforme o direito” (Ez 34,12.16). Ao proclamarmos Jesus Cristo como Rei do Universo, nós professamos a fé no Pai que confiou ao seu Filho o poder de redimir e salvar todo ser humano, o poder de restaurar todas as coisas, de reconciliar tudo o que está no céu e sobre a terra, realizando a paz, restabelecendo a justiça e concedendo-lhes a vida eterna.
           
            Oração: Senhor Deus, eu confio na Tua justiça e no Teu julgamento sobre o mundo e sobre cada ser humano. Eu acredito do Teu Reino, confiando e esperando na Tua promessa de criar novos céus e uma nova terra onde habitará a justiça. Venha a nós o Teu Reino! Estende sobre todo ser humano o Teu cuidado de Pai, especialmente sobre as pessoas que ainda estão sob o domínio do mal e de todo tipo de injustiça e sofrimento. Restaura todas as coisas em Teu Filho Jesus Cristo, Rei do Universo! Amém!
            Senhor Jesus Cristo, quero submeter-me à Tua autoridade, ao Teu poder, ao Teu senhorio. Livra-me de perder o medo de perder o céu. Quero estar consciente do meu julgamento diante de Ti. Quero reconhecer-Te na pessoa do necessitado. Quero passar por este mundo compadecendo-me e ajudando aqueles que precisam, jamais assumindo a atitude de me desinteressar do sofrimento deles e de abandoná-los a si mesmos. Que a Tua palavra continue a orientar a minha consciência diariamente, para que eu possa estar confiante, diante de Ti, no momento do meu julgamento. Podes reinar, Senhor Jesus! O Teu poder Teu povo sentirá! Reina, Senhor, neste lugar! Visita cada irmão, ó meu Senhor, dá-lhe paz interior e razões pra Te louvar. Desfaz toda tristeza, incerteza e desamor. Glorifica o Teu nome, ó meu Senhor!  (Podes reinar).       
             

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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