sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

NIVELAR, REBAIXAR, ENDIREITAR, ALISAR

Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 40,1-5.9-11; 2Pedro 3,8-14; Marcos 1,1-8.
           
            Eis a voz de João Batista dirigida a todos nós, no início desta segunda semana do Advento: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!'' (Mc 1,3). Se, por um lado, sobretudo no Advento, nós clamamos: “Vem, Senhor, vem nos salvar; com teu povo vem caminhar!” (música clássica de advento), por outro lado, precisamos nos perguntar como está o caminho da nossa vida, a estrada do nosso coração; precisamos nos perguntar se Deus, de fato, tem tido acesso à nossa história pessoal e social; precisamos nos perguntar se Deus tem tido acesso à nossa alma, à nossa vida, àquilo que precisamos que seja curado, transformado e salvo por Ele.
             O fato é que ao longo do caminho da nossa vida vão se acumulando determinados entulhos, vão se abrindo certos buracos, alguns trechos vão ficando descuidados: são situações com as quais nós não quisemos lidar, achando que elas se resolveriam por si mesmas; são erros, mentiras e pecados que não quisemos nos dar ao trabalho de remover, e que aos poucos foram se acumulando e obstruindo o caminho. Mas o profeta nos recorda que isso tudo atrapalha e até mesmo impede a graça de Deus de agir em nós e nos transformar. Portanto, se realmente queremos que Deus tenha acesso a nós, precisamos colocar em ordem a nossa própria vida.
            Pensemos no quartinho de despejo da nossa casa. Nós costumamos colocar nele tudo aquilo para o qual não achamos lugar ou utilidade. Dessa forma, nele foi se acumulando uma porção de coisas que não tivemos tempo de consertar ou de arrumar. Por isso, o Senhor hoje nos convida a entrar neste quartinho que é a nossa consciência ou o nosso coração, e começar a colocar ordem nessa bagunça de pensamentos, sentimentos e atitudes que temos levado embolado, achando que, mesmo que não esteja bom, nem correto, nem justo, dá pra caminhar assim, dá pra gente sobreviver. Portanto, entrar em nosso quartinho de despejo significa visitar o nosso deserto interior...
            “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus” (Is 40,3). Aí estão duas coisas das quais frequentemente fugimos, dois “lugares” que evitamos visitar dentro de nós: o deserto, a solidão, isto é, o silêncio, a reflexão, o exame de consciência. E por que evitamos visitar o nosso deserto? Por que evitamos entrar na solidão do nosso coração? Porque nós nos tornamos estranhos para nós mesmos; porque nós não queremos nos dar ao trabalho de nos confrontar com aquilo que nos causa alguma dor ou algum sério questionamento. Na verdade, nós nos escondemos no barulho e na bagunça da correria do dia a dia porque essa é uma forma de não ouvirmos a voz de Deus na solidão da nossa consciência. No entanto, quantas vezes Deus permite que passemos por uma situação de deserto, de solidão, porque só ali podemos ouvi-Lo; porque somente a partir daquela situação podemos fazer uma revisão séria da nossa vida, do nosso comportamento?
            A palavra do Senhor hoje cobra de nós um mínimo de coerência: se desejamos (e, de fato, necessitamos!) que Deus venha nos salvar, precisamos desobstruir o caminho para Ele; precisamos colocar em ordem a nossa vida, nossos afetos, nossos relacionamentos, nossa forma de lidar com as coisas materiais; enfim, precisamos colocar em ordem nossa vida de oração, nossa espiritualidade. Esta é a condição para que Deus nos encontre e nos salve: “Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40,4). Nivelar os vales significa tapar os buracos que nós mesmos abrimos ou que permitimos que os outros ou as situações de pecado abrissem em nós. Rebaixar os montes e colinas significa “abaixar a bola” do nosso orgulho, descer do pedestal da nossa arrogância e reconhecer que a humildade é a única porta pela qual Deus pode entrar e agir em nós. Endireitar o que é torto significa desfazer-nos de atitudes corruptas, desonestas e mentirosas que podem até nos dar alguma vantagem afetiva ou financeira, mas que roubam a nossa salvação. Por fim, alisar as asperezas significa reconhecer e lidar de uma outra forma com a nossa agressividade, a nossa raiva, a nossa intolerância, que causam tanto estrago em nossa convivência com as pessoas**.
            Uma vez que “Advento” significa “esperar Aquele que vem”, mais uma vez a palavra de Deus vem nos alertar para o risco de não sabermos lidar com a “demora” do Senhor. Desta vez, é o apóstolo Pedro que nos faz esse alerta: “O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, achando que demora. Ele está usando de paciência para convosco. Pois não deseja que alguém se perca; ao contrário, quer que todos venham a converter-se” (2Pd 3,9). Portanto, o que nós interpretamos como ausência de Deus ou indiferença d’Ele para com a humanidade, Pedro interpreta como paciência de Deus, dando a cada ser humano a oportunidade de rever a sua conduta e colocar em ordem a sua vida. Embora muitas pessoas deixem de esperar pelo Senhor, não mais cuidando do seu caminho de vida, o apóstolo insiste na razão da nossa esperança: “O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça. Caríssimos, vivendo nesta esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre numa vida pura e sem mancha e em paz” (2Pd 3,13-14).
Que cada um de nós se esforce para manter em ordem o caminho da própria existência, de forma que Deus possa nos trazer a sua salvação. Olhando para as questões sociais, que cada um de nós também faça a sua parte para ajudar a nivelar os vales da pobreza, a qual voltou a atingir um nível gritante em nosso país*; rebaixar os montes e as colinas do individualismo e do consumismo, os quais nos mantém distantes e indiferentes aos que sofrem; endireitar o que é torto, não compactuando com e não reproduzindo nas nossas atitudes cotidianas a corrupção, a injustiça e a impunidade que dizemos detestar nos nossos maus políticos; por fim, alisar as asperezas, ajudando nossa sociedade e se desarmar, a abaixar o seu nível de agressividade, de violência e de intolerância. Desse modo, muito mais pessoas poderão ver a salvação que vem do nosso Deus (cf. Is 40,5).   
           
* Depois de uma década promissora, entre 2004 e 2014, quando 30 milhões de brasileiros deixaram a miséria, em 2015 a tendência começou a se inverter. As estatísticas mais recentes mostram que, no Brasil de hoje, há mais de 28 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, gente que vive com menos de 3 reais por dia. Um estudo do Banco Mundial estima que, entre 2015 e 2017, o número de pobres terá crescido 4,7 milhões e o de extremamente pobres aumentará em 3 milhões. (Revista Veja, 01 de dezembro de 2017).

**O Brasil tem o maior número de mortes violentas no mundo, segundo estudo organizado pela entidade Small Arms Survey, divulgado no último dia 07.

                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

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