A vida tem inúmeros caminhos, e muitos
deles nos levam para longe de Deus, para longe da nossa verdade. Não há alguém
que já não tenha se enganado e seguido por um caminho errado. Todos nós podemos
nos reconhecer nessa atitude do filho mais novo: “juntou o que era seu e partiu
para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada” (Lc 15,13).
Às vezes queremos dar um tempo, nos distanciar de Deus, da Igreja, daquilo que
aprendemos como certo; queremos viver a nossa vida do nosso jeito, a partir da
nossa cabeça, uma vida “desenfreada”, isto é, sem o “freio” da religião, da
moral, da ética, sem o freio da fidelidade à família ou aos valores do
Evangelho.
Nós somos o filho mais novo quando nos
relacionamos com Deus na base do interesse imediato. Não queremos o Pai, não
queremos estar perto d’Ele, muito menos ser submissos a Ele; queremos apenas
aquilo que Ele tem para nos dar: a herança. Conseguida esta, nos afastamos d’Ele
e vamos viver a nossa vida do nosso jeito. Mas o resultado de uma vida sem o “freio”
da consciência, da disciplina interna, é a autodestruição: nos tornamos uma
pessoa fracassada e humilhada...
A fome e a humilhação na qual o
filho mais novo se encontra, consequências do mau uso da sua liberdade, é o
retrato da solidão que muitos de nós já conhecemos. As mesmas pessoas que nos incentivam
e nos aplaudem, quando decidimos jogar tudo pro alto e abandonar valores como
família, religião, honestidade, fé, responsabilidade etc., sempre nos deixam sozinhos
com a nossa dor, depois que fracassamos. Nessas horas, cada um de nós precisa
ser sincero consigo mesmo e reconhecer: ‘Eu estou longe da minha verdade.
Preciso voltar para o meu Pai! Eu tenho Alguém para quem voltar!’.
Conhecemos
inúmeras pessoas que estão nessa experiência do filho mais novo. O problema é
que muitas delas sentem que não têm para onde voltar; não têm – e algumas nunca
tiveram – um pai esperando por elas. Nas famílias, é cada vez maior a ausência
do pai. Além disso, são muitas as pessoas que nunca tiveram em sua vida a
experiência de Deus como Pai. Por isso, neste Ano Santo da Misericórdia, somos
chamados a ser misericordiosos como o nosso Pai é misericordioso (cf. Lc 6,36).
Num mundo como o nosso, que se sente cada vez mais órfão porque rejeita a
interferência de Deus na sua vida prática, nós precisamos ser uns para os
outros o abraço misericordioso do Pai...
Estamos próximos da festa da Páscoa, e o
Evangelho de hoje nos antecipa a imagem dessa festa: alguém estava morto e
tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado! (cf. Lc 15,24.32). Jesus
contou esta parábola justamente porque foi criticado pelos fariseus e pelos
mestres da Lei: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (Lc
15,2). Jesus nos convida a fazer como ele: a nos colocar junto de cada pessoa
que, por diversos motivos, decidiu morrer, decidiu deixar-se perder, para
dizer-lhe que aquele que está agora morto pode voltar a viver, aquele que está
agora perdido pode permitir ser encontrado!
Em um mundo onde tantas pessoas deixaram
de crer na possibilidade da volta, da mudança, da conversão, da salvação, Jesus
nos diz que a nossa fé deve ser sempre pascal: para quem crê, sempre existe uma
páscoa, uma passagem, um caminho de volta. Para quem tem fé, sempre existe uma
passagem da morte para a vida, da perda para o reencontro. Toda pessoa pode
voltar a viver, toda pessoa pode ser reencontrada sempre que fizer como o filho
mais novo: se levantar e decidir voltar ao Pai, voltar para o Deus rico em
misericórdia.
O rosto do Pai aparece nos versículos
20.22-24: Ele enxerga de longe o filho que volta, sente compaixão, corre-lhe ao
encontro, abraça-o, cobre-o de beijos, devolve-lhe os sinais da sua filiação
(túnica, sandálias e anel) e manda preparar uma festa. Deus não precisa das
nossas explicações do por que erramos, do por que decidimos nos afastar d’Ele e
dos irmãos. Para Ele, basta que tenhamos tomado a decisão de voltar a viver, de
nos permitir ser novamente encontrados e salvos.
Jesus nos convida a nos deixar abraçar
pelo Pai. É possível que, como o filho mais velho, nós também estejamos longe
de Deus por não aceitarmos a forma como Ele acolhe e perdoa quem erra. Como o
filho mais velho, nós às vezes sentimos raiva da misericórdia de Deus, e não
temos a coragem de reconhecer que essa raiva não é tanto um protesto contra uma
injustiça que foi cometida; ela é muito mais uma inveja disfarçada por não termos
tido a coragem de nos lançar no pecado como o nosso irmão teve...
“Filho, (...) era preciso festejar e
alegrar-nos, porque esse teu irmão estava morto e tornou a viver; estava
perdido e foi encontrado” (Lc 15,32). É preciso festejar! É preciso que cada
celebração da Eucaristia seja verdadeiramente o momento em que todos nós,
filhos mais novos e filhos mais velhos, nos deixamos abraçar pelo Pai, cujo
nome é Misericórdia! Mas é preciso também que, depois de cada Eucaristia, cada
um de nós volte para a sua casa e seja, no dia a dia, o próprio abraço do Pai a
comunicar, a cada pessoa que encontramos em nosso caminho, que todo aquele que
está morto pode voltar a viver, assim como todo aquele que está perdido pode
voltar a ser encontrado, porque nós cremos na Páscoa e caminhamos para ela!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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