Sexta-feira da Paixão do Senhor. Palavra
de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.
Que o mundo seja mal, disso não
temos dúvida; não o mundo enquanto criação de Deus, mas o mundo enquanto ferido
pelo pecado do ser humano, sobretudo o pecado da ambição e da intolerância. “Este”
mundo é mal. Basta considerarmos o alto nível de violência urbana, os ataques
terroristas, a perseguição aos cristãos, a situação dos refugiados que tentam
fugir das guerras civis e das perseguições religiosas, o trânsito nas estradas
e o tráfico de drogas que, no Brasil, matam mais do que numa guerra.
Que o mundo seja mal, disso não temos
dúvida. Mas que Deus seja bom e somente bom, disso nós muitas vezes também chegamos a
duvidar. Quem de nós, atingido pelo sofrimento que há no mundo, não questiona
Deus? Quanta raiva pode estar guardada dentro de você em relação a Deus, porque
Ele “permitiu” que o câncer tirasse alguém de você, que um filho seu sofresse
abuso sexual ou que fosse morto por causa de um celular, de um acidente ou de
uma bala perdida, porque sua família se desestruturou e seus sonhos se
encontram despedaçados?
É verdade que algumas das nossas dores e
dos nossos sofrimentos aparecem em nossa vida por causa de determinadas
atitudes nossas. Mas toda dor e todo sofrimento que vêm “do nada” e que, sem
pedir licença, nos despedaçam como um vaso – “tornei-me como um vaso espedaçado”
(Sl 31,13) – quebram não somente a nós, mas também a imagem que até então
tínhamos de Deus. E hoje, nesta sexta-feira da paixão do Senhor, precisamos
trazer para a cruz de Cristo esses pedaços: os nossos próprios pedaços e também
os pedaços que sobraram da nossa fé, da imagem que tínhamos de Deus e que agora
não conseguimos mais reconstruí-la.
Quem esteve na cruz ontem? Quem está na
cruz hoje? Alguém desfigurado, tão desfigurado “que não parecia ser um homem ou
ter um aspecto humano” (Is 52,14). Este homem “não tinha beleza nem atrativo
para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2). Aqui começa
a quebra da nossa imagem de Deus. Nós gostaríamos que Ele sempre se
manifestasse em nossa vida na aparência da beleza, da saúde, da alegria, da prosperidade
etc. Mas, às vezes, Deus vem a nós na aparência de algo que não nos agrada. Não
nos agrada a doença, nem a dificuldade financeira, nem o conflito, nem a crise,
nem a dor. Mas Deus pode se manifestar a nós nessas situações. Temos conseguido
reconhecê-Lo?
Por trás de algo que não nos agrada
existe uma verdade: “A verdade é que ele tomava sobre si as nossas enfermidades
e sofria, ele mesmo, nossas dores... Ele foi ferido por causa de nossos
pecados, esmagado por causa de nossos crimes” (Is 53,4.5). A verdade é que você
e eu, apesar de sermos filhos de Deus, não nascemos blindados contra a dor, nem
vamos passar por este mundo sendo constantemente poupados de sofrimento. A
verdade é que você e eu também cometemos pecados, e nossos pecados produzem dor
e sofrimento na sociedade. A verdade é que a religião existe não para nos manter
o mais distante possível da dor, mas para nos capacitar a estar junto de quem
se encontra hoje crucificado, seja pelos seus próprios erros, seja pelos erros
de outros.
A cruz de Cristo é lugar de redenção: “Ele,
na verdade, resgatava o pecado de todos e intercedia em favor dos pecadores”
(Is 53,12). Justamente porque temos que lidar com a nossa própria cruz, além de
estarmos junto à cruz de nossos irmãos, devemos permanecer firmes na fé que
professamos, a fé que nos garante que Jesus é nosso intercessor junto do Pai, capaz
de se compadecer de nossas fraquezas. Sua cruz se tornou o “trono da graça”, do
qual nos aproximamos especialmente hoje, para alcançarmos a misericórdia e o
auxílio do Pai (cf. Hb 4,15.16), para nós e para todos os que se encontram crucificados.
Sendo um ser humano como nós, Jesus “aprendeu
o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu” (Hb 5,8). Porque o
nosso ego sempre quer se impor, exigindo ser atendido nos seus caprichos,
obedecer a Deus sempre nos custará, sempre exigirá de nós algum tipo de
sofrimento. Mas este é um sofrimento bom, libertador, redentor, porque nos ajuda
a libertar o mundo do egoísmo e da ambição do coração humano.
Diante da narrativa da Paixão de Jesus que
acabamos de ouvir, somos convidados a colocar junto à Sua cruz não somente o
nosso, mas todos os vasos espedaçados que conhecemos, tendo nos lábios e no
coração as palavras do salmista: “Tornei-me como um vaso espedaçado... A vós,
porém, ó meu Senhor, eu me confio e afirmo que só vós sois o meu Deus! Eu entrego
em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor!” (Sl
31,13.15-16).
Para a sua oração pessoal:
http://letras.kboing.com.br/eros-biondini/todo-teu/
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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