Missa
do domingo de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas
23,1-49.
Na missa de hoje, ouvimos dois evangelhos:
o primeiro trata da entrada de Jesus em Jerusalém; o segundo, do seu julgamento
e da sua morte, ocorridos também naquela cidade. Em Lc 9,51, lemos que Jesus “tomou
decididamente o caminho de Jerusalém”. Ele tomou firmemente um caminho que
sabia que lhe custaria muito sofrimento e, inclusive, a própria vida. Mas ele
foi firme neste caminho; ele estava decidido a levar para esta cidade, centro
do poder político, econômico e religioso, a sua presença salvadora.
Hoje, onde é a Jerusalém na qual
Jesus quer decididamente entrar? Ela pode ser Brasília, o Palácio do Planalto,
a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, o Banco
Central etc., lugares onde seus representantes se comportam, muitas vezes, como
fantoches do poder econômico, onde a consciência cede lugar ao bolso, onde uns
corrompem e outros se deixam corromper, onde as leis são criadas ou sistematicamente
não cumpridas para beneficiar interesses particulares, onde palavras como ética
e justiça há muito tempo perderam o significado. É desta “Jerusalém” que saem
as ramificações da violência, da injustiça social, do descaso com a saúde e a
educação, do desemprego e de tantos outros males que ferem a vida na sociedade.
Mas é bom lembrar que Jesus também
quer entrar em nossa “Jerusalém” – nossa casa, nosso ambiente de trabalho,
nossa comunidade/igreja, nossa alma, nosso corpo, “locais” onde a indiferença
tomou o lugar da compaixão, onde a agressividade e a intolerância expulsaram o
amor e o respeito para com o próximo, onde a corrupção passou a ser vista como
meio de sobrevivência.
Assim como ontem Jesus precisou de
um jumentinho para entrar em Jerusalém (cf. Lc 19,31.33), hoje ele precisa de
mim e de você para entrar em lugares e situações que precisam urgentemente da sua
salvação. Em cada experiência de cruz que fazemos, Jesus está abrindo os nossos
ouvidos, para que, a exemplo dele, nós aprendamos a “levar uma palavra de consolo
à pessoa abatida” (Is 50,4). Esta é, de fato, uma das obras de misericórdia
mais necessárias no mundo de hoje! Mas, por que só depois que passamos pela
cruz é que podemos consolar os que estão abatidos? Porque só quem já sofreu
pode falar a quem está sofrendo. A nossa própria experiência de dor é a melhor
escola para aprendermos a falar de maneira significativa a quem está sofrendo.
Assim como Jesus “esvaziou-se a si
mesmo, (...) humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte
de cruz” (Fl 2,7.8), os dias desta semana santa que iniciamos nos convidam a
nos esvaziar: nos esvaziar do barulho, da correria, do ativismo; nos esvaziar
do egoísmo e do individualismo; nos esvaziar da raiva, da mágoa e do
ressentimento; nos esvaziar da indiferença e da superficialidade, para estarmos
aos pés da cruz de Jesus e aprender com ele a lidar com a nossa própria cruz; a
estarmos também aos pés da cruz de quem sofre à nossa volta, intercedendo por
esta pessoa: “Vós, ó meu Senhor, não fiqueis longe, ó minha força, vinde logo em
meu socorro!” (Sl 22,20).
Enquanto Jesus caminhava para o Calvário,
“seguia-o uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam
por causa dele. Jesus, porém, voltou-se e disse: ‘Filhas de Jerusalém, chorai
por vós mesmas e por vossos filhos! (...) Se fazem assim com a árvore verde, o
que não farão com a árvore seca?” (Lc 23,28.31). É importante chorar, mas não como
vítimas e sim como pessoas que também têm uma parcela de responsabilidade pelo
sofrimento social. Que o nosso choro se transforme num protesto diante de
tantas situações injustas que levam pessoas à morte. Mas também que o nosso
protesto se transforme em atitudes concretas para que as injustiças diminuam à
nossa volta.
Jesus é a “árvore verde”, o Justo
que suportou sobre si toda injustiça humana, o Condenado que carregou sobre si
a condenação injusta que pesa sobre tantas pessoas. No entanto, nós somos a “árvore
seca”, isto é, pessoas que também acabam produzindo sofrimentos e injustiças na
sociedade. Nosso choro nesta semana santa seria de hipocrisia, se não
reconhecêssemos que nós também produzimos cruzes na vida de algumas pessoas,
cruzes desnecessárias. Em relação a isso precisamos nos converter urgentemente.
No exato momento em que Jesus estava
sendo crucificado, ele fez uma oração: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que
fazem!” (Lc 23,34). Assim como Jesus, você consegue ir além da dor ou da injustiça
que sofre, e compreender que a pessoa que te fere é também alguém que foi
ferido(a)? Você consegue perceber que aqueles “monstros” que causam tanta
violência na sociedade são, muitas vezes, violentos que desde cedo foram
violentados, pessoas que ignoram o valor da vida, o amor, o sentido de família
porque nunca experimentaram isso? Ainda que você não consiga perdoar, você se
lembra de rezar e pedir a Deus que perdoe aquela pessoa que tanto mal lhe tem
feito?
Um homem, que como Jesus também
estava crucificado e condenado à morte, pediu: “Jesus lembra-te de mim quando
entrares no teu reinado” (Lc 23,42). E Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te
digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). O dia de hoje é um
momento oportuno para rezarmos por todas as pessoas que estão condenadas (ou se
sentem como tais), pessoas que carregam culpa, ou que estão gravemente doentes,
pessoas desempregadas, ou que não enxergam mais possibilidade de reconciliação
em relação à própria família, pessoas juradas de morte pelo tráfico de drogas
ou por denunciarem alguma forma “institucionalizada” de injustiça... Que todos
possamos proclamar em alta voz: “Não existe mais condenação para aqueles que
estão em Jesus Cristo!” (Rm 8,1).
Por fim, consideremos a maneira como
Jesus morre na cruz: ele “deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito’” (Lc 23,46). Que o nosso morrer seja acompanhado desta mesma
confiança de Jesus no Pai. Que todo aquele que morre possa sentir-se nessas
mãos, que não só acolheram o espírito de Jesus, mas que também o ressuscitaram!
Nas mãos do Pai entregamos o nosso espírito, a nossa alma, o nosso corpo, a
nossa vida. Nas mãos do Pai entregamos todos os crucificados de hoje, os
injustiçados, os violentados. Nas mãos do Pai entregamos a Jerusalém pessoal e
social, necessitada de perdão, de redenção e de salvação.
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