sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

NÃO DÁ PRA PASSAR PELA VIDA INUTILMENTE!

Missa do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 3,1-8a.13-15; 1Coríntios 10,1-6.10.12; Lucas 13,1-9.

            Muito frequentemente os meios de comunicação noticiam para nós catástrofes, como um acidente de avião ou de carro, um ataque terrorista, uma guerra, um terremoto, uma inundação, um incêndio, uma contaminação etc. Essas catástrofes normalmente chamam a atenção porque provocam a morte de pessoas.
            Normalmente, as notícias sobre catástrofes ou fatalidades são as que mais “vendem”. Além disso, hoje se percebe um certo interesse mórbido, doentio, por imagens que testemunham os estragos de algumas catástrofes (nossos celulares que o digam!). E nós olhamos essas imagens, assistimos a essas reportagens, como se fôssemos meros “expectadores”: acontecendo perto ou longe de nós, essas catástrofes não nos atingem; quando muito, nos emocionam, despertam a nossa raiva, mas, nada além disso. Nós continuamos a viver a nossa vida como se tais acontecimentos ruins nunca fossem nos atingir ou não tivessem algo a nos dizer.
            As catástrofes podem ser “naturais”, mas também podem ser fruto de injustiça, de negligência, de abuso, de falta de responsabilidade (etc.) do ser humano. As causas podem ser muitas. No entanto, tem-se tornado comum “explicar” a morte das pessoas envolvidas em uma determinada catástrofe com a ideia da retribuição por causa do pecado: se elas morreram e não eu, se elas foram atingidas por aquela fatalidade e não eu, é porque cometeram pecados: estavam todas naquele lugar, naquela hora, porque tinham que sofrer a consequência dos seus pecados, inclusive os de uma suposta vida passada.
            Jesus, no Evangelho de hoje, rejeita totalmente essa “explicação”. Aliás, ele não explica o porquê das catástrofes e das fatalidades, mas chama a nossa atenção para este fato: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (vs.3.5). Para Jesus, você e eu precisamos aprender a ler os sinais dos tempos, precisamos nos dar conta de que o mal não está somente longe, mas também perto, não somente fora, mas também dentro de nós. Você e eu não somos pessoas “privilegiadas”, ou quem sabe “evoluídas espiritualmente”, a ponto de termos a garantia de que passaremos pela vida blindados contra as catástrofes. Não! Ninguém está blindado contra o pecado pessoal e contra as consequências do pecado social. Todos nós moramos na mesma casa comum, o planeta Terra, duramente ferido pelo pecado pessoal e social.
O que Jesus está nos dizendo é que o horror de uma catástrofe ou de uma fatalidade deveria nos fazer “acordar” e nos dar conta do quanto o pecado é destrutivo, do quanto as nossas atitudes injustas provocam a destruição à nossa volta. E para não justificarmos os nossos erros com a desculpa de que “somos assim”; para nos mostrar que a conversão é algo possível, ainda que seja um processo lento e custoso, Ele nos coloca diante da parábola da figueira.
            O empregado, que cuida de uma figueira que há três anos está sem produzir frutos, recebe a notícia de uma “catástrofe anunciada”: ela será cortada! Não tem sentido continuar a ocupar inutilmente aquele espaço na terra! E aí entra a possibilidade da conversão: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9).
            “Ainda este ano”. Eu e você “ainda” não fomos atingidos por uma fatalidade que nos tirasse a vida. “Ainda” estamos vivos. No entanto, estamos testemunhando inúmeras catástrofes, fatalidades e injustiças quase todos os dias. Isso faz de nós pessoas melhores, mais justas, mais respeitosas com a vida, com o planeta, com Deus e com os outros? Isso nos torna menos egocêntricos, menos individualistas, menos escravos dos bens materiais? “Tira as sandálias dos pés”, disse Deus a Moisés (cf. Ex 3,5). Sinta o chão desta terra, ferido por tantos acontecimentos absurdos! Tome consciência de que a vida à sua volta pede a sua atenção, o seu cuidado, a sua ajuda. Se você acha que está firme, de pé, tome cuidado para não cair! Se você acha que não precisa de conversão, que já está produzindo frutos suficientes, olhe melhor para os seus galhos e reconheça o quanto você tem sido “inútil” para a humanidade, “inútil” por se omitir, por se acomodar, por se fechar em seu próprio mundo...
            A Quaresma é tempo de cavar e de adubar a figueira que somos. Deus confia em nossa boa vontade. Embora estejamos “acostumados” com o mal, de modo que as catástrofes e fatalidades já não conseguem chacoalhar a nossa consciência, Deus vê a possibilidade de o bem voltar a percorrer as nossas veias, voltar a oxigenar o nosso coração. Deus enxerga que, embora nossos galhos estejam com pouquíssimos frutos ou sem nenhum, nossas raízes podem ser tratadas, recuperadas, e a seiva da fecundidade pode voltar a percorrer o nosso interior, gerando o fruto da justiça e da misericórdia em nós.
            Assim como o Pai é misericordioso, assim como Ele suspende a fatalidade de um corte definitivo em nós, por apostar em uma recuperação, em uma mudança em nós, que assim também sejamos misericordiosos para com os outros; que suspendamos a nossa decisão de “cortar” pessoas da nossa vida e passemos a cavar em volta e adubar esses relacionamentos que um dia já produziram muitos frutos bons para nós e para elas.

Pe. Paulo Cezar Mazzi



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