quinta-feira, 5 de março de 2015

CONHECIDOS A PARTIR DE DENTRO

Missa do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.

Qual é o papel da religião? Para quê ela serve? Ela ajuda ou atrapalha? Liberta ou aprisiona? Cega ou faz enxergar? Para alguns, o mundo seria melhor se não houvesse as religiões, mas para outros o mundo seria pior sem elas.
A afirmação que Deus faz de Si mesmo, antes de proclamar os Dez Mandamentos, indica a função da religião: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2). Deus entende a religião, a re-ligação do ser humano com o divino, como libertação. Primeiro, se trata da libertação de nós mesmos, dos nossos auto-enganos, das falsas imagens que fazemos de nós mesmos – positivas ou negativas. Segundo, se trata da libertação do mundo, da pressão que a sociedade exerce sobre nós, da cobrança do mercado – numa palavra, libertação de toda espécie de ídolo. Por isso, o primeiro mandamento consiste no expulsar da nossa vida todo falso deus: “Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,2-3).
Uma leitura ingênua do primeiro mandamento identificaria os falsos deuses com qualquer imagem de ouro, prata, bronze, madeira, gesso, resina etc. O problema é que nem toda imagem é um ídolo (cf. Ex 25,10-22), e nem todo ídolo se manifesta por meio de uma imagem. Além disso, Jesus alertou que o grande falso deus que seduz e mantém muitas pessoas sob o seu domínio é o Dinheiro. Por isso, disse: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24). Quebrar uma imagem e jogá-la fora é muito fácil, mas rasgar e jogar no lixo uma nota de R$ 100,00 ou um cheque de R$ 1.000,00 é bem mais difícil. Além disso, precisamos estar atentos a outros tipos de imagens que hoje ocupam o tempo que deveríamos dedicar para nos colocar na presença do verdadeiro Deus: as imagens virtuais que nos mantêm distraídos por horas diante da TV, do computador ou do celular...
Em relação aos Dez Mandamentos, a Igreja Católica é acusada de ter modificado o 1º. e o 3º. Vejamos como Jesus interpretou o 1º. Mandamento. Ele o resumiu nisto: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40), isto é, toda a Escritura. Já a respeito do 3º. Mandamento – santificar o dia de sábado (cf. Ex 20,8-11), a mudança foi feita para o domingo por uma razão atestada pela própria Escritura: Jesus ressuscita na madrugada do primeiro dia da semana (cf. Mt 28,1-8; Mc 16,1-9; Lc 24,1-8; Jo 20,1-10); Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos na tarde do primeiro dia da semana (Jo 20, 19-29; Lc 24,13-35). A partir daí, os cristãos começam a se reunir no primeiro dia da semana (cf. At 20,7; 1Cor 16,1-2). Para todo cristão que celebra o domingo como “dia do Senhor” (Ap 1,10) vale perguntar-se: o domingo é santificado hoje? Ele pertence a Deus ou a mim?
 Jesus, o verdadeiro templo, é o “lugar” onde o ser humano se encontra com Deus. Mas o que Jesus encontrou no templo de Jerusalém? O que Ele encontra no templo que somos nós (corpo, consciência e coração)? Lembremos as palavras do apóstolo Paulo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16); “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus?” (1Cor 6,19). Aqui podemos considerar o que comemos e bebemos, o que vestimos, como lidamos com a nossa sexualidade, como entendemos as tatuagens e os piercings, e, principalmente, se o nosso jejum se traduz em solidariedade para com os pobres (cf. Is 58,3-12).
Numa época em que as pessoas escolhem a igreja ou a religião a partir do critério subjetivo “onde eu me sinto melhor”, é chocante essa atitude de Jesus: “Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do templo...” (Jo 2,15). Quem se sentiria bem sendo “chicoteado” pela Palavra de Deus? Quem de nós suportaria permanecer numa igreja onde a pregação do Evangelho provocasse em nossa consciência uma séria e necessária crise, ao invés de mantê-la acomodada na sua zona de conforto individualista? Qual pregador hoje teria a mesma liberdade de Jesus de dizer em alto e bom som aos seguidores da “sua” igreja aquilo que eles precisam ouvir e não aquilo que eles gostariam de ouvir?
No final do Evangelho de hoje, encontramos uma das afirmações mais importantes a respeito de Jesus: “Ele conhecia o homem por dentro” (Jo 2,25). Esse é o verdadeiro motivo pelo qual Jesus é livre diante de nós e não está preocupado em falar coisas que nos agradem, mas coisas que precisamos ouvir, do tipo “Tirai isso daqui!”: ‘Eu conheço você por dentro. Eu vejo você para além da sua máscara social; sinto o cheiro da sua alma para além do perfume que usa no seu corpo; conheço o seu verdadeiro status para além do WhatsApp, assim como conheço o seu verdadeiro perfil para além do Facebook. Eu vejo cada site onde você navega, assim como sei o que motiva você a navegá-los. Eu conheço sua luz, assim como sua sombra; sua força, assim como sua fraqueza; sei quais mecanismos de defesa você usa para tentar se proteger da dor; conheço as motivações que levam você a se colocar em oração ou a não fazê-lo, assim como as motivações que trazem você aqui nesta igreja ou que te ausentam dela a cada final de semana... Eu conheço você por dentro e por isso tenho toda a autoridade para denunciar a profanação que você tem feito do templo que você é, que é o seu próximo e o planeta em que você habita, e por isso venho hoje convidar você a devolver-se como habitação do Pai e a respeitar essa mesma habitação no seu semelhante e no planeta em que vive’.

 Para sua oração pessoal: 
TRANSFORMA-ME (Tony Allysson)

http://letras.mus.br/tony-allysson/transforma-me/

                               
                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi

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