Missa
do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-17; 1Coríntios 1,22-25;
João 2,13-25.
Qual
é o papel da religião? Para quê ela serve? Ela ajuda ou atrapalha? Liberta ou
aprisiona? Cega ou faz enxergar? Para alguns, o mundo seria melhor se não
houvesse as religiões, mas para outros o mundo seria pior sem elas.
A
afirmação que Deus faz de Si mesmo, antes de proclamar os Dez Mandamentos,
indica a função da religião: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito,
da casa da escravidão” (Ex 20,2). Deus entende a religião, a re-ligação do ser
humano com o divino, como libertação. Primeiro, se trata da libertação de nós
mesmos, dos nossos auto-enganos, das falsas imagens que fazemos de nós mesmos –
positivas ou negativas. Segundo, se trata da libertação do mundo, da pressão
que a sociedade exerce sobre nós, da cobrança do mercado – numa palavra,
libertação de toda espécie de ídolo. Por isso, o primeiro mandamento consiste
no expulsar da nossa vida todo falso deus: “Não terás outros deuses diante de
mim” (Ex 20,2-3).
Uma
leitura ingênua do primeiro mandamento identificaria os falsos deuses com
qualquer imagem de ouro, prata, bronze, madeira, gesso, resina etc. O problema
é que nem toda imagem é um ídolo (cf. Ex 25,10-22), e nem todo ídolo se
manifesta por meio de uma imagem. Além disso, Jesus alertou que o grande falso
deus que seduz e mantém muitas pessoas sob o seu domínio é o Dinheiro. Por
isso, disse: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24). Quebrar uma
imagem e jogá-la fora é muito fácil, mas rasgar e jogar no lixo uma nota de R$
100,00 ou um cheque de R$ 1.000,00 é bem mais difícil. Além disso, precisamos
estar atentos a outros tipos de imagens que hoje ocupam o tempo que deveríamos
dedicar para nos colocar na presença do verdadeiro Deus: as imagens virtuais
que nos mantêm distraídos por horas diante da TV, do computador ou do
celular...
Em
relação aos Dez Mandamentos, a Igreja Católica é acusada de ter modificado o
1º. e o 3º. Vejamos como Jesus interpretou o 1º. Mandamento. Ele o resumiu
nisto: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é
semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40), isto é, toda a
Escritura. Já a respeito do 3º. Mandamento – santificar o dia de sábado (cf. Ex
20,8-11), a mudança foi feita para o domingo por uma razão atestada pela
própria Escritura: Jesus ressuscita na madrugada do primeiro dia da semana (cf.
Mt 28,1-8; Mc 16,1-9; Lc 24,1-8; Jo 20,1-10); Jesus ressuscitado aparece aos
apóstolos na tarde do primeiro dia da semana (Jo 20, 19-29; Lc 24,13-35). A
partir daí, os cristãos começam a se reunir no primeiro dia da semana (cf. At
20,7; 1Cor 16,1-2). Para todo cristão que celebra o domingo como “dia do Senhor”
(Ap 1,10) vale perguntar-se: o domingo é santificado hoje? Ele pertence a Deus
ou a mim?
Jesus,
o verdadeiro templo, é o “lugar” onde o ser humano se encontra com Deus. Mas o
que Jesus encontrou no templo de Jerusalém? O que Ele encontra no templo que somos
nós (corpo, consciência e coração)? Lembremos as palavras do apóstolo Paulo:
“Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”
(1Cor 3,16); “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que
está em vós e que recebestes de Deus?” (1Cor 6,19). Aqui podemos considerar o
que comemos e bebemos, o que vestimos, como lidamos com a nossa sexualidade,
como entendemos as tatuagens e os piercings, e, principalmente, se o nosso
jejum se traduz em solidariedade para com os pobres (cf. Is 58,3-12).
Numa
época em que as pessoas escolhem a igreja ou a religião a partir do critério
subjetivo “onde eu me sinto melhor”, é chocante essa atitude de Jesus: “Fez
então um chicote de cordas e expulsou todos do templo...” (Jo 2,15). Quem se
sentiria bem sendo “chicoteado” pela Palavra de Deus? Quem de nós suportaria
permanecer numa igreja onde a pregação do Evangelho provocasse em nossa
consciência uma séria e necessária crise, ao invés de mantê-la acomodada na sua
zona de conforto individualista? Qual pregador hoje teria a mesma liberdade de
Jesus de dizer em alto e bom som aos seguidores da “sua” igreja aquilo que eles
precisam ouvir e não aquilo que eles gostariam de ouvir?
No
final do Evangelho de hoje, encontramos uma das afirmações mais importantes a
respeito de Jesus: “Ele conhecia o homem por dentro” (Jo 2,25). Esse é o
verdadeiro motivo pelo qual Jesus é livre diante de nós e não está preocupado
em falar coisas que nos agradem, mas coisas que precisamos ouvir, do tipo
“Tirai isso daqui!”: ‘Eu conheço você por dentro. Eu vejo você para além da sua
máscara social; sinto o cheiro da sua alma para além do perfume que usa no seu
corpo; conheço o seu verdadeiro status para além do WhatsApp, assim como conheço o seu verdadeiro perfil para
além do Facebook. Eu vejo cada site onde você navega, assim como sei o
que motiva você a navegá-los. Eu conheço sua luz, assim como sua sombra; sua
força, assim como sua fraqueza; sei quais mecanismos de defesa você usa para
tentar se proteger da dor; conheço as motivações que levam você a se colocar em
oração ou a não fazê-lo, assim como as motivações que trazem você aqui nesta
igreja ou que te ausentam dela a cada final de semana... Eu conheço você por
dentro e por isso tenho toda a autoridade para denunciar a profanação que você
tem feito do templo que você é, que é o seu próximo e o planeta em que você
habita, e por isso venho hoje convidar você a devolver-se como habitação do Pai
e a respeitar essa mesma habitação no seu semelhante e no planeta em que vive’.
Para sua oração pessoal:
TRANSFORMA-ME (Tony
Allysson)
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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