Missa
do 5º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9;
João 12,20-33.
Para nós, cristãos, a Sagrada
Escritura se divide em duas partes: O Antigo Testamento e o Novo Testamento, ou
a Antiga Aliança e a Nova Aliança. A Aliança, seja a Antiga, seja a Nova, consiste
em nossa relação com Deus. A diferença entre a Antiga e a Nova Aliança é que,
enquanto a Antiga se impunha a partir de fora, a partir da força da Lei e da
ameaça de castigo para quem não cumprisse a Lei, a Nova Aliança deve nascer a
partir de dentro, a partir da misteriosa ação da Graça de Deus na consciência e
no coração do ser humano: “Imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de
inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo... Todos me
conhecerão, do maior ao menor deles...” (Jr 31,33.34).
Em meus quase vinte anos de padre,
tenho entendido que onde Deus não entra pela graça, não adianta o homem tentar
entrar pela força. Nenhuma lei impede alguém de se tornar corrupto; nenhuma lei
“segura” um casamento; nenhuma lei garante fidelidade a uma vida de consagração
a Deus. O que faz com que uma pessoa não se corrompa, com que uma pessoa lute
até o fim pelo bem do seu relacionamento, com que uma pessoa renove diariamente
sua fidelidade a Deus não é uma obrigação externa, mas uma convicção interna: é
quando seu coração internaliza a vontade de Deus. É quando a pessoa se convence
de que o que Deus quer para ela é, de fato, o melhor.
A nossa vontade humana não se dobra
diante de nenhuma Lei, mas ela se dobra diante da Graça, e esse “dobrar-se” não
se dá sem luta, sem dor, sem sofrimento. Como nos lembra a carta aos Hebreus, o
próprio Jesus “(...) aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo
que ele sofreu” (Hb 5,8). Diante da constante propaganda de uma fé que opera
milagres, que faz prosperar e concede vitórias, precisamos pedir ao Pai o dom
da verdadeira fé, e a verdadeira fé é aquela que luta: luta contra a vontade do
nosso ego, contra os nossos caprichos, contra o nosso instinto de preservação,
contra o nosso narcisismo; uma fé que luta até mesmo com Deus, até se deixar
ser vencida por Ele, até se tornar obediência e entrega à Sua vontade.
Assim como Jesus, nós temos o nosso
instinto de sobrevivência. Nós também costumamos dirigir a Deus “preces e
súplicas, com forte clamor e lágrimas”, Àquele que pode nos salvar da morte
(cf. Hb 5,7), Àquele que pode nos preservar da dor e do sofrimento. Mas,
quantas vezes temos que admitir que o melhor para nós, naquele momento, é
enfrentar a dor, sofrer, “morrer”... Por que morrer? Porque “se o grão de trigo
que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre,
então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida perde-a” (Jo 12,24-25). Quem
se recusa a morrer, quem se recusa a sacrificar seu egoísmo e a abrir mão dos
seus caprichos, morre como pessoa porque morre nos seus valores, no seu
caráter, na sua fidelidade, na sua honestidade etc.
Por que um casamento “morre”? Porque um dos dois – quando não, ambos – se recusa a morrer nos seus caprichos.
Por que uma vida de consagração a Deus “morre”? Porque o(a) consagrado(a)
concluiu que não vale mais a pena “morrer” pelo Reino. Por que muitos filhos de
classe média e alta são “terceirizados” e muitos filhos de classe baixa são “adotados”
pelas ruas? Porque seus pais desistiram de morrer por eles. Sempre que eu
desisto de “morrer”, de me sacrificar por aquilo que eu acredito ou por aquilo
que Deus me pede, eu me torno uma pessoa estéril. Quem procura por mim não
encontra nenhum fruto. Se eu quiser recuperar a minha fecundidade, preciso
aceitar “morrer”, aceitar configurar a minha vida a Jesus, que veio para servir
e para dar/dedicar/gastar a sua vida em favor da salvação de muitos.
De novo é preciso considerar isso:
assim como Jesus, nós também temos o nosso instinto de sobrevivência. Isso
significa que, se nós pudermos evitar a dor, vamos evitá-la. No entanto, é
preciso considerar se a dor que está diante de nós é algo “acidental” ou algo
que realmente temos que enfrentar, porque faz parte da nossa “hora”: “Agora,
sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi
precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” (Jo
12,27-28).
A “hora” a que Jesus se refere é
aquela hora em que você tem que tomar uma decisão, fazer um corte; é a hora da renúncia,
da fidelidade, do sacrifício; é a hora da “morte” do seu capricho, do seu ego.
“(...) foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). Ninguém de nós
nasce para viver na dor, mas todos nós temos que enfrentar situações de dor.
Foi precisamente para isso que viemos a esse mundo: para deixar para as demais
pessoas o fruto da nossa dor, isto é, da nossa luta por um planeta melhor, por
um mundo melhor, por uma sociedade melhor, por uma política melhor, por uma
igreja melhor etc.
“Quando eu for elevado da terra,
atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Que a cruz de Cristo nos atraia, mas não como
uma experiência de masoquismo, de quem sente prazer em sofrer, e sim como uma
experiência de fecundidade, de uma vida que reencontrou seu sentido quando
desistiu de fugir da dor e aprendeu a “morrer” para produzir os frutos de que
tinha capacidade de produzir. Que a imagem do trigo que deve morrer para
produzir fruto nos recorde esta grande verdade: “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que
morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).
Para
sua oração pessoal: EU VOU PASSAR PELA CRUZ (PG)
https://www.youtube.com/watch?v=uYY7Z-IUm_APe. Paulo Cezar Mazzi
Pe Paulo, você sempre nos ensinando a amar mais a Deus e a compreender como devemos viver.um abraço
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