quinta-feira, 26 de março de 2015

O SILÊNCIO E O GRITO DE UM HERÓI

Missa do Domingo de Ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39.

            A celebração de hoje nos recorda a entrada de Jesus em Jerusalém. Contraditoriamente, a mesma cidade que acolhe Jesus, saudando-o com ramos e com gritos de “hosana” – lembrando que a palavra “hosana” é uma súplica por salvação –, é a cidade que rejeita Jesus e o crucifica. A mesma cidade que pede para ser salva crucifica o seu Salvador. Jerusalém é o retrato do nosso mundo e de tantos de nós que suplicamos por salvação, mas rejeitamos Aquele que pode nos salvar.
            Já no tempo do profeta Isaías, Deus havia denunciado a rejeição à Sua salvação nestas palavras: “Na conversão e na calma estava a vossa salvação, na tranquilidade e na confiança estava a vossa força, mas vós não o quisestes! Mas dissestes: ‘Não, antes, fugiremos a cavalo!’” (Is 30,15). Preferir fugir a cavalo a confiar em Deus significa dizer que a nossa salvação não depende de Deus, mas sim das nossas armas, da nossa tecnologia, do nosso dinheiro, da nossa inteligência, da nossa própria força... Nos esquecemos do que diz a Escritura: “ninguém se salvará por sua própria força” (1Sm 2,9; cf. Sl 33,16-17).
            No momento em que Jesus é interrogado, Pilatos diz: “Nada tens a responder? Vê de quanta coisa te acusam!” (Mc 15,4). De quantas coisas Deus é acusado hoje? O mesmo ser humano que se julga autônomo, dono da sua própria liberdade e autossuficiente em relação à sua própria salvação, ao se dar conta de que sua própria força é incapaz de salvá-lo, começa a acusar Deus por tudo o que dá errado em sua vida e no mundo à sua volta. Em geral, nós não nos lembramos de consultar Deus a respeito das decisões que temos de tomar, mas quando essas decisões causam consequências desastrosas em nossa vida e na sociedade, costumamos acusar Deus de não nos ajudar, de não se importar conosco, de parecer indiferente ao que se passa com a humanidade.
            Diante das acusações, Jesus não respondeu nada (cf. Mc 15,5). Por que Deus responderia às acusações que Lhe fazemos, se nós diariamente nos negamos a escutá-Lo? Às vezes, a melhor forma de Deus responder a nós é por meio do silêncio. Nesse silêncio, onde só escutamos o nosso grito, temos que reconhecer a nossa parcela de responsabilidade diante de tantos acontecimentos. O silêncio de Deus é um remédio amargo que às vezes precisamos tomar para curar aquelas feridas que abrimos em nós mesmos e nos outros com as nossas palavras, carregadas de agressividade, de maldade e de acusações injustas.
            Enquanto Jesus fica em silêncio, a multidão grita alvoroçada e, nesse grito, expressa a sua escolha por Barrabás, não por Jesus. Quem nós queremos que seja solto? Ao quê damos vazão dentro de nós, ou com o quê nos identificamos mais: com a mansidão de Jesus ou com a agressividade de Barrabás? Barrabás é a figura do anti-herói. É ele quem mantém os índices de audiência das novelas, quem recebe milhões de acesso na internet, quem inspira adolescentes e jovens a se tornarem traficantes, quem convence jovens a deixarem seus países e a aderirem a “guerras santas” em nome do fanatismo religioso. 
            Diante do grito “Crucifica-o!”, Pilatos pergunta à multidão, a respeito de Jesus: “Mas que mal ele fez?” (Mc 15,14). Que mal fez Deus, para que seja novamente crucificado com requintes de ironia e crueldade pela mídia? Quem mal fez Deus para justificar o crescente número de pessoas que se declaram ateias? Como revela o filme “Deus não está morto”, por trás do ateísmo normalmente existe a dor de ter sido atingido pelo mal. O mal que Deus fez foi ter permitido que o mal atingisse aquilo ou aqueles que eu mais amava. O ateísmo é muito mais uma raiva de Deus do que uma crença na não existência de Deus. Por isso, muitos ainda declaram: “Que desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!” (Mc 15,32). Que Deus apague toda sombra de cruz da história da humanidade, para que eu acredite na Sua existência. Que Deus me faça descer da cruz em que me encontro, para que eu possa crer no Seu amor por mim...
O silêncio de Jesus diante das acusações que recebeu enquanto estava sendo julgado foi quebrado na hora da cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Jesus comunga da mesma sensação que temos de que Deus abandonou a humanidade a si mesma. Assim como Jesus, nós não sentimos o Pai perto de nós na hora da dor. Assim como Jesus, nossa fé algumas vezes entra em crise, e a imagem que temos de Deus se quebra em inúmeros pedaços, porque não conseguimos entender o que está nos acontecendo. Entretanto, o próprio Jesus nos ensinou a confiar incondicionalmente no Pai que conhece cada uma das nossas necessidades (cf. Mt 6,25-34): nenhum fio de cabelo cairá da nossa cabeça sem o Seu consentimento (cf. Mt 10,28-31).
Diante desse Pai, “Jesus deu um forte grito e expirou” (Mc 15,37). No grito de Jesus está o grito de cada ser humano por vida, por paz, por justiça, por misericórdia, por perdão... Expirando, Jesus entrega seu hálito de vida (seu espírito) a Deus. Essa entrega é feita com tal confiança que “o oficial do exército viu como Jesus havia expirado e disse: ‘Na verdade, este homem era Filho de Deus!’ (Mc 15,39). Expirar lembra término. Chegará o momento em que iremos expirar, como Jesus. Que o nosso expirar seja vivido segundo as palavras do apóstolo Paulo: “sei em quem depositei a minha fé” (2Tm 2,12). Sei nas mãos de quem eu entrego o meu espírito: nas mãos do Pai que conta cada um dos meus passos errantes e recolhe no seu odre cada uma das minhas lágrimas (cf. Sl 56,9), para enxugá-las e recompensá-las (cf. Is 25,8; Ap 7,17). Quer eu esteja vivo, quer eu morra, continuarei pertencendo ao Senhor Jesus (cf. Rm 14,7-8), meu único e verdadeiro Herói.

Para sua oração pessoal: HERÓI 
(Ministério Adoração e Vida).

https://www.youtube.com/watch?v=tDCvjppJ5Zg

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário