terça-feira, 31 de março de 2015

BEBER O CÁLICE CUJO REMÉDIO PODE NOS CURAR

Sexta-feira da Paixão do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 52,13–53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1–19,42.

            O dia de hoje é chamado de “sexta-feira da paixão do Senhor”. “Paixão” significa “ser passível de sofrimento”. Na verdade, tudo o que Deus criou é passível de sofrimento. Porém, a diferença entre nós, seres humanos, e as demais criaturas, é que elas não têm consciência do sofrimento, enquanto nós temos. Isso significa que temos a capacidade de dar um sentido para o nosso sofrimento. Além disso, é importante entender que “ser passível” de sofrimento não significa “sofrer de maneira passiva”. Muito pelo contrário; nós somos chamados a ter uma atitude ativa diante do sofrimento, a exemplo de Jesus que, como acabamos de ver, estava “consciente de tudo o que ia acontecer” (Jo 18,4) e, diante da reação defensiva de Pedro, corrigiu-o por meio dessas palavras: “Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11).
            Como você lida com o cálice do seu sofrimento? Você tem consciência de que a cruz nem sempre é uma opção? A cruz de Cristo nos diz claramente isto: a questão não é se eu e você vamos ter que enfrentar algum tipo de cruz – todo ser humano enfrenta isso; a questão é como vamos lidar com a nossa cruz. Lembrando ainda a psicologia de Victor Frankl, nós podemos não ser responsáveis pelo sofrimento que estamos passando, mas somos responsáveis pela forma como lidamos com ele. Alguns fogem do sofrimento por meio da bebida, das drogas e do suicídio por não tolerarem de modo nenhum a cruz chamada “frustração”, “perda”, “não”. E você? Qual a sua capacidade de tolerância em relação a essas coisas? Ainda que instintivamente todos nós fujamos do sofrimento, sempre vai chegar a hora de nos deparar com uma dor que não escolhemos, mas que faz parte daquele capítulo da nossa história de vida.  
            O profeta Isaías é muito claro ao dizer que o sofrimento é sempre feio e desagradável: “Tão desfigurado ele estava, que não parecia... ter um aspecto humano... Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 52,14; 53,2). O sofrimento nos causa repulsa. No entanto, o fruto dele é extremamente benéfico para nós: “suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). Conheço um casal que já estava em vias de separação, quando, então, ele descobriu que tinha um câncer. Durante o tratamento, ela se manteve próxima dele o tempo todo. O câncer foi vencido e hoje quem olha para esse casal fica admirado ao ver o amor que um manifesta ao outro. A cruz do câncer salvou o casamento deles, na medida em que fez os dois redescobrirem o amor um pelo outro.
            Não é prudente termos tanta pressa em passar adiante o cálice que o Pai nos dá para beber. Apesar de amargo, esse cálice pode conter o único e verdadeiro remédio para nos curar da ferida do egoísmo, do narcisismo, do vício, do pecado, de atitudes nossas que estão levando nossa vida pessoal, familiar, profissional ou espiritual para a morte. O sofrimento não é a morte. A morte é a não aceitação de nenhum tipo de sofrimento, atitude que nos torna covardes diante da vida.  
            O dia de hoje convida você a entregar a sua dor aos pés da cruz de Cristo. Talvez neste momento você esteja se sentindo como o salmista: “... tornei-me como um vaso espedaçado” (Sl 31,12), espedaçado porque você se confiou a mãos erradas, ou por que descuidou de si mesmo(a). Seja como for, este é o momento de você recolher seus pedaços e apresentá-los diante da cruz de Cristo, dizendo: “A vós, porém, ó meu Senhor, eu me confio... Eu entrego em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor” (Sl 31,15-16).
            Da mesma forma, o autor da carta aos Hebreus nos convida a permanecer “firmes na fé que professamos” porque “temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas” (Hb 4,14.15), capaz de compreender nossa raiva, nossa ódio, nossa repulsa diante de tantas cruzes impostas injustamente sobre os ombros de tantas pessoas, pois Ele mesmo experimentou a raiva, o ódio e a repulsa dos homens. Somos convidados a nos aproximar da cruz não como o lugar da derrota do Filho de Deus, mas como o lugar que se tornou para nós o trono da graça: “Aproximemo-nos... com toda a confiança do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,16).
            Ao contemplarmos a imagem de nosso Senhor morto na cruz, lembremos de como ele enfrentou a dor, o sofrimento, a cruz. Além de ter vivido tudo isso de maneira consciente e livre, Jesus questionou a violência injusta que existe no mundo: “Por que me bates?” (Jo 19,23). Ele também deixou claro a Pilatos que a sua vida sempre foi vivida sob a autoridade do Pai e que, sobretudo naquele momento de ir para a cruz, sua vida estava nas mãos do Pai e não nas mãos de nenhum ser humano (cf. Jo 19,11). Por fim, suas últimas palavras na cruz foram: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). Assim como Jesus, que possamos dizer, na hora da nossa morte: ‘Consumei a missão que o Pai me confiou; combati o bom combate, terminei minha missão, guardei a fé (cf. 2Tm 4,7); fui fiel até à morte (cf. Ap 2,10); amei até o fim (cf. Jo 13,1).
            Uma palavra final: “Ao que feriram de morte, hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único... Naquele dia, haverá um grande pranto em Jerusalém” (Zc 12,11). Permita-se chorar no dia de hoje. Chore por toda dor que ainda há no mundo, sobretudo pelos crucificados do nosso tempo. Chore por si mesmo(a), por seus pecados. Chore pela sua covardia diante da sua dor e, principalmente, pela covardia e individualismo que, diferente do Maria e do discípulo amado, não permitem que você esteja aos pés da cruz de quem sofre. Que essas lágrimas desobstruam a sua sensibilidade para a dor do outro e lavem seus olhos, para que você possa enxergar melhor Cristo em tantos que estão à sua volta.  

                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

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