quinta-feira, 12 de junho de 2025

SÓ O ESPÍRITO DA VERDADE NOS REVELA O PAI E O FILHO

 Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Provérbios 8,22-31; Romanos 5,1-5; João 16,12-15.

           

O nosso Deus é comunhão. Ele nunca esteve só. Desde o início da criação, já se revela que Deus não estava sozinho ao criar todas as coisas: “Quando preparava os céus, ali estava eu... Eu estava ao seu lado como mestre-de-obras; eu era o seu encanto, dia após dia, brincando o tempo todo em sua presença” (Pr 8,27.30). Essa presença misteriosa é a presença do Filho: “Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito” (Jo 1,3); “Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis” (Cl 1,16). A solenidade da Santíssima Trindade nos ensina que o Pai criou todas as coisas em seu Filho Jesus Cristo, e colocou em todas elas a Sua vida, o Seu Espírito.

Da mesma forma como a obra da criação é fruto da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a obra da redenção também o é. Como afirmou o apóstolo Paulo, “estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo” (Rm 5,1). Se o pecado havia nos separado do Pai, o Filho realizou a obra da reconciliação, restabelecendo a nossa comunhão com o Pai. Essa comunhão com o Pai não é estática, mas dinâmica: ela se movimenta e sofre mudanças, conforme a nossa existência também se movimenta e sofre mudanças. É por isso que o apóstolo Paulo afirma que o fato de estarmos em paz com Deus – reconciliados em seu Filho Jesus Cristo – não significa ter uma vida poupada de tribulações.

“A tribulação gera a constância” (Rm 5,3). Num primeiro momento, a tribulação provoca angústia, incerteza, dúvida, porque nós a interpretamos como ausência de Deus. Mas a função da tribulação não é desfazer a nossa fé em Deus, e sim nos educar para a constância: quando estamos vivenciando uma situação de tribulação, devemos nos manter constantes em nossa oração, em nossos compromissos com Deus. Muitos relacionamentos terminaram e muitos compromissos foram abandonados porque as pessoas não tiveram paciência em aprender a ser constantes. Essa constância não depende das circunstâncias externas serem favoráveis, mas se alimenta da convicção interna de que devemos prosseguir com nossos projetos, apesar das tribulações.

“A constância leva a uma virtude provada” (Rm 5,4). Só quem permanece constante torna-se uma pessoa virtuosa, uma pessoa que desenvolve o hábito de fazer o bem, independente das circunstâncias à sua volta serem favoráveis ou não. Uma virtude provada significa a disposição em fazer o bem ou caminhar segundo a verdade mesmo que isso lhe custe sofrimento. Essa “prova” da virtude aparece no livro do Eclesiástico: “Meu filho, se te ofereces para servir o Senhor, prepara-te para a prova. Endireita o teu coração e sê constante, não te apavores no tempo da adversidade” (Eclo 2,1-2).

“A virtude provada desabrocha em esperança” (Rm 5,4). Somente quem tem esperança suporta a imperfeição do presente e não abandona o seu compromisso com o bem por causa das adversidades do tempo presente. A nossa esperança não é uma esperança humana, isto é, uma esperança que se apoia em garantias humanas, mas uma esperança nascida do amor de Deus, sabendo que nada pode nos separar do amor do Pai manifestado em Cristo Jesus (cf. Rm 8,38-39).

“A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). O Espírito Santo está em nós como amor do Pai e do Filho. Ele nos garante que o Pai completará a obra que começou em cada um de nós, até o dia da vinda de seu Filho Jesus Cristo (cf. Fl 1,6). Esse amor do Pai e do Filho sustenta a nossa esperança, como afirma o salmista: “Os olhos do Senhor estão voltados sobre aqueles que esperam em seu amor... Senhor, que teu amor esteja sobre nós, assim como está em ti nossa esperança!” (Sl 33,18.22).  

Enfim, a nossa esperança está assentada numa promessa de Jesus: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16,13). Nosso mundo está mergulhado na desorientação da mentira, e essa desorientação está adoecendo cada vez mais a humanidade. Só existe um caminho de cura para a doença da mentira, da desorientação: o Espírito da Verdade. Só a Verdade cura. Essa Verdade não nos pode ser revelada totalmente, mas aos poucos, na medida em que conseguimos compreendê-la e nos deixar orientar por ela. “A verdade é um livro que nenhum de nós nunca leu até o fim” (Pe. Thomás Halik). Isso significa que nenhuma pessoa ou religião pode se apossar do Espírito da Verdade e presumir-se o seu único intérprete. Devemos caminhar com humildade e pedir ao Espírito da Verdade que nos guie na noite escura da nossa vida, até que possamos ver face a face (cf. 1Cor 13,12).

 

Oração: Espírito da Verdade, revela-nos o amor do Pai e do Filho. Retira-nos do isolamento e da solidão, e desperta em nós o desejo da comunhão. Que o Teu amor nos ensine a amar as pessoas como elas são, e não como nós gostaríamos que elas fossem. Sustenta-nos com a Tua graça em nossas tribulações, concedendo-nos constância, virtude comprovada e uma esperança que não decepciona. Que a nossa esperança esteja em Ti da mesma forma como o Teu amor está em nós. Neste mundo desorientado, adoecido e perdido, toma cada um de nós em Tuas mãos e conduz-nos na luz da Tua verdade, até que possamos contemplar o Pai e o Filho face a face. Amém.   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi       

 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

SEM A LUZ QUE ACODE, NADA O HOMEM PODE

 Missa de Pentecostes. Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1Coríntios 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.

 

No dia de Pentecostes, Deus derramou sobre os apóstolos o dom do Espírito Santo. Mas esse dom não está reservado somente para o dia de Pentecostes. O próprio Jesus, ao ensinar a oração do Pai Nosso, disse que o Pai nos dará o Espírito Santo sempre que o pedirmos (cf. Lc 11,13). Pedir o dom do Espírito Santo é tão necessário quanto pedir o pão nosso de cada dia! Só Ele pode transformar em nossa vida aquilo que não podemos por nós mesmos. Como ensina a oração da Igreja, é o Espírito Santo quem dá repouso ao cansado, levanta o que caiu, aquece o que está frio, cura o que está ferido, encoraja o que está paralisado pelo medo, fortalece o que se sente fraco, ressuscita o que está morto, reúne o que está disperso, santifica o que está marcado pelo pecado, lava o que está sujo, endireita o que está torto...

A palavra “Pentecostes” está ligada ao número “cinquenta”, e cinquenta significa “plenitude”. O Espírito Santo sempre parte de onde nós estamos, daquilo que somos, para nos levar aonde Deus quer que estejamos, para nos conduzir à nossa plenitude como pessoas e filhos de Seus. Porém, essa plenitude só é alcançada quando aceitamos que o Espírito de Deus nos exponha a provações, desafios e dificuldades que irão nos conduzir à verdade plena, pois ele é o Espírito da Verdade (cf. Jo 16,13).

O Espírito Santo foi descrito no evento de Pentecostes por meio das imagens do vento e das línguas de fogo (cf. At 2,2-3). Enquanto vento de Deus, o Espírito Santo nos sacode fortemente com o Seu vento para nos despertar, para nos desacomodar, para nos impulsionar a enfrentar os desafios ao invés de fugirmos deles. O nosso grande desafio é acolher o vento do Espírito, que “sopra onde quer” (Jo 3,8) e nos leva para onde devemos ir, não para onde gostaríamos de ir, como disse o apóstolo Paulo: “Agora, acorrentado pelo Espírito, dirijo-me a Jerusalém, sem saber o que lá me sucederá. Senão que, de cidade em cidade, o Espírito Santo me adverte dizendo que me aguardam cadeias e tribulações” (At 20,22-23). Se queremos experimentar a força transformadora do Espírito Santo, precisamos nos deixar “agarrar” por Ele e aceitar que Ele nos conduza para onde Ele quer, da forma como Ele quer.

E as línguas de fogo? As línguas favorecem nossa comunicação. Quando as línguas de fogo desceram sobre os apóstolos, eles começaram a falar de Deus de modo que todas as pessoas, independente da sua nacionalidade, podiam entender (cf. At 2,4.6.8.11). Diante da “Torre de Babel” em que às vezes se transforma a nossa casa, o nosso ambiente de trabalho, a nossa comunidade de fé, o nosso relacionamento com os outros – sabendo que essa confusão nos divide e nos impede de construir qualquer coisa juntos (cf. Gn 11,7.9) – precisamos silenciar, acolher e obedecer à voz do Espírito, que sempre se manifesta a cada um em vista do bem comum, em vista de restaurar a unidade do Corpo, lembrando a oração da Igreja: “Vosso Espírito Santo move os corações, de modo que os inimigos voltem à amizade, os adversários se deem as mãos e os povos procurem reencontrar a paz” (Oração sobre a Reconciliação II). Toda pessoa que age movida pelo Espírito Santo, trabalha pela unidade e pela comunhão, jamais pela divisão ou separação dentro da Igreja (cf. 1Cor 12,4-6.12-13). 

As línguas que desceram sobre os apóstolos eram “línguas como que de fogo”. Esse fogo aponta para a força transformadora do Espírito Santo em nós. O fogo endurece o barro (firmeza), purifica o metal (santidade) e funde o ferro (transformação). Precisamos que o Espírito Santo nos torne firmes, pois não recebemos um espírito de medo, mas de força (cf. 2Tm 1,7); que o Seu fogo queime nossas impurezas e nos torne uma oferenda santa para o Senhor; que Ele realize a grande transformação que Deus prometeu: “Eu darei a vocês um coração novo... Porei no íntimo de vocês o meu espírito... Porei o meu espírito em vocês e vocês viverão” (Ez 36,26.27; 37,6). Todos nós precisamos passar por uma profunda transformação, por uma reforma, por uma modificação. Mas isso só é possível por meio do Espírito Santo: “Não pela força, não pelo poder, mas por meu espírito, diz o Senhor” (Zc 4,6).              

Em muitos de nós há um medo inconsciente a respeito do Espírito Santo. Temos medo do que Ele possa fazer conosco e em nós; temos medo da Sua profundidade e de que Ele nos leve ao profundo de nós mesmos; temos medo de para onde Ele possa nos conduzir; temos medo da Sua liberdade, pois Ele sopra onde quer; temos medo porque não podemos controlar o Espírito... Quando esses medos forem reconhecidos e superados, quando pararmos de resistir ao Espírito Santo, quando tivermos a coragem de nos lançar nos Seus braços e de nos abrir à Sua graça, quando permitirmos que Ele penetre em nossas profundezas e toque nas nossas raízes mais profundas, então começaremos a nos tornar homens e mulheres novos, renovados, transformados...

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 29 de maio de 2025

SER O CÉU NA TERRA E VIVER SOB A PODEROSA MÃO DO SENHOR JESUS

 Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Lucas 24,46-53.

 

            “Vencendo o pecado e a morte, vosso Filho, Jesus, rei da glória, subiu hoje ante os anjos maravilhados ao mais alto dos céus. E tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, juiz do mundo e Senhor do universo. Ele, nossa cabeça e princípio, subiu aos céus, não para afastar-se de nossa humildade, mas para dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade” (Prefácio da Ascensão I).

            Essas palavras a respeito da Ascensão de Jesus nos recordam que, ao subir para o céu e sentar-se à direita de Deus Pai, Cristo Jesus se tornou mediador, juiz e Senhor. Enquanto mediador, ele é a ponte que liga o céu à terra e a terra ao céu, de modo que, “por meio dele, todos nós temos acesso ao Pai” (cf. Ef 2,18). Essa mediação também significa que “Cristo entrou no céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor” (Hb 9,24). Enquanto juiz, Cristo Jesus virá do céu um dia para julgar os vivos e os mortos (cf. Mt 25,31-32): “Eis que ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão” (Ap 1,7). Enquanto Senhor, Jesus recebeu do Pai todo o poder no céu e sobre a terra: “Ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja” (Ef 1,22). Enfim, a presença de Jesus no céu, junto ao Pai, nos dá a certeza de que estamos destinados a participar da sua glória: “Dos céus aguardamos como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21). 

            Crer no céu significa nos lembrar de que “nós não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13,14). Isso significa que qualquer situação que vivamos neste mundo é transitória e não definitiva. Estamos aqui apenas de passagem. Crer no céu também significa crer na recompensa que toda pessoa receberá por ser justa e por ser solidária com quem sofre: “Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (cf. Lc 14,14; 16,9). Pelo contrário, aqueles que não creem no céu não veem sentido em serem bons, justos e solidários: “Sua maldade os cega. Eles não esperam prêmio pela santidade, não creem na recompensa das almas puras” (Sb 2,21-22).

            Uma vez que nós somos “cidadãos do céu” (Fl 3,20), nossa missão é ser o céu na terra. Essa missão foi anunciada por Jesus aos apóstolos antes de ele subir para o céu: “Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas” (At 1,8). Sentado à direita do Pai, Jesus derrama constantemente o Espírito Santo sobre cada discípulo seu, para que este seja a Sua presença junto às pessoas, especialmente as que sofrem. Enquanto estava na terra, Jesus era o “Deus conosco”. Agora que ele está no céu, nos envia o Espírito Santo para ser “Deus em nós”. E a presença do Espírito Santo nos revela duas verdades: 1) “Jesus Cristo é o Senhor” (1Cor 12,3), aquele a quem o Pai concedeu o poder de julgar e salvar todo ser humano; 2) Não somos órfãos, mas recebemos o Espírito do Filho que clama em nós: “Abbá, ó Pai” (Rm 8,15). Nossa vida neste mundo deve ser vivida na consciência de que estamos debaixo do poder salvífico de Jesus e de que somos cuidados pelo Pai.

            O último gesto de Jesus, antes de subir para o céu, foi erguer as mãos e abençoar seus discípulos: “Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc 24,50-51). “Enquanto Moisés mantinha as mãos erguidas, Israel vencia a luta” (Ex 17,11). As mãos erguidas de Jesus sobre nós são a garantia de que venceremos nossas lutas; venceremos principalmente os obstáculos que nos impedem de anunciar o Evangelho e viver a nossa fé com fidelidade. No entanto, precisamos todos os dias nos colocar debaixo das mãos do Senhor Jesus, imitando a atitude do salmista: “Piedade de mim, ó Deus, tem piedade de mim, pois eu me abrigo à sombra de tuas asas, até que passe o perigo. Clamo ao Deus Altíssimo, ao Deus que faz tudo por mim: que do céu ele mande salvar-me, confundindo os que me atormentam. Que Deus envie seu amor e verdade!” (Sl 57,2-4).

            Sigamos confiantes na missão que o Ressuscitado nos confiou, certos de que sua bênção nos acompanha, e nos preparemos para receber a renovação do dom do Espírito Santo em nós, confiando na sua promessa: “Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu” (Lc 24,48).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 22 de maio de 2025

NÃO SE INTIMIDE PERANTE OS DESAFIOS QUE A VIDA LHE APRESENTA

 Missa do 6º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 15,1-2.22-29; Apocalipse 21,10-14.22-23; João 14,23-29.

 

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Onde Deus mora? Normalmente, nós vamos a um templo, a uma igreja, para nos encontrar com Deus. Jesus nos surpreende ao revelar que o Deus que é amor mora num coração que ama – mais do que isso, num coração que não desiste de amar. Se muitas pessoas se relacionam com Deus movidas por alguma necessidade ou por medo de que, sem Ele, tudo desabe, Jesus nos convida a nos relacionar com ele e com o Pai movidos pelo amor. Este é o grande desafio da nossa vida de fé: caminhar com o Pai e com o Filho não porque precisamos de algo que eles nos deem, mas porque eles nos amam e nós queremos viver nesse amor.

Já no Antigo Testamento Deus havia deixado claro: “É amor que eu quero, não sacrifícios” (Os 6,6). Qualquer sacrifício que desejemos oferecer a Deus, se não nos levar a amar, de nada vale. Jesus explica que amá-lo consiste concretamente em guardar a sua palavra, o que significa viver segundo o mandamento do amor: “Como eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Como é o nosso relacionamento com Jesus? Quem ama deseja estar junto do amado. Nós reservamos um tempo diário para estar com Jesus, na oração? Se é verdade que Jesus está presente de modo mais concreto naqueles que não são amados neste mundo, nós procuramos amar essas pessoas?       

Estamos caminhando para o final do tempo da Páscoa, o qual se encerrará com a festa de Pentecostes. Por isso, Jesus nos fala da vinda do Espírito Santo: “O Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26). Do quê nós precisamos ser defendidos? Não só do espírito do mal que age no mundo, mas também do nosso pecado, das nossas infidelidades. Precisamos ser defendidos de nós mesmos, da nossa preguiça espiritual, do comodismo, de uma vida fechada em si mesma e, por isso, indiferente às necessidades do próximo e da nossa própria Igreja. Precisamos ser defendidos do nosso medo e da nossa covardia perante os desafios que a vida nos chama a enfrentar. Sobretudo, precisamos ser defendidos das mentiras e das desinformações que as redes sociais despejam sobre nós todos os dias, recorrendo ao Defensor, que também é chamado por Jesus de “Espírito da Verdade” (Jo 15,26).

Ao anunciar a sua volta para o Pai, Jesus nos deixa a sua paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27). O mundo não tem paz alguma para nos dar; muito pelo contrário. Já a paz que Jesus nos dá nasce da sua absoluta confiança no Pai. Ele quer que vivamos dessa confiança: “O Pai é maior do que eu” (Jo 14,28). O Pai é maior do que tudo o que nos acontece. O Pai é maior inclusive do que o nosso próprio coração, quando nos acusa de alguma falha: “Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1Jo 3,20). Ainda a respeito da paz que Jesus nos dá, devemos recordar das palavras de São Francisco de Assis: “Se algo rouba a paz do teu coração, é porque ocupou o lugar de Deus”.

Por fim, Jesus nos dá um conselho: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14,28). A perturbação nasce da falta de confiança no Pai. Ela também tem como fonte perder-se nas urgências e não cuidar do essencial. Já o coração intimidado é um coração retraído diante da existência; um coração que, ao invés de se deixar conduzir pela força do Espírito Santo, se deixa dominar pela própria covardia frente aos desafios da vida. Se queremos superar essa intimidação diante da realidade, devemos nos recordar do conselho do Papa Francisco: “Importa cuidar do trigo e não perder a paz por causa do joio” (EG n.24). Trata-se de manter o foco e concentrar nossas energias no bem que podemos fazer, e não desperdiçar energia tentando anular o mal que existe no mundo.

Na medida em que nos preparamos para a festa de Pentecostes, recordemos esses quatro pontos do Evangelho: 1. Pautar o nosso relacionamento com o Pai e com o Filho pelo amor, e não pelo medo, muito menos pelo interesse; 2. Obedecer à voz do Defensor em nossa consciência e não cair no erro de, enquanto com uma das mãos pedimos a sua ajuda, com a outra nos mantemos presos ao nosso pecado de estimação; 3. Amar e promover a paz, lembrando de que ela só nos habita quando estamos na vontade de Deus – sempre que nos afastamos dessa vontade, perdemos a paz; 4. Não se perturbar nem se intimidar perante os desafios que a vida nos apresenta, mas aprender a confiar a Deus as nossas preocupações e nos manter firmes em nosso propósito, sabendo que “o vento pode soprar o quanto quiser; a montanha jamais se curva diante dele” (provérbio chinês).  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 15 de maio de 2025

SÓ EXPERIMENTA VIDA QUEM NÃO DESISTE DE AMAR, APESAR DOS FERIMENTOS

 Missa do 5º. Dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 14,21b-27; Apocalipse 21,1-5a; João 13,31-33a.34-35.

 

            “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte” (1Jo 3,14). Estamos no 5º domingo da Páscoa. Só pode experimentar Páscoa, isto é, só pode fazer a passagem da morte para a vida quem decide amar. Sim, amar é uma decisão. Em um mundo onde o mal cresce sempre mais, onde as pessoas se tornam cada vez mais egoístas, individualistas, interesseiras, agressivas e intolerantes, só é possível amar tomando a decisão de perseverar no amor até o fim, recordando o que Jesus disse: “Devido ao crescimento da maldade, o amor de muitos esfriará. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,12).   

            Muitos deixaram de perseverar no amor, por terem sido feridos e traídos. Como não receberam mais amor dos outros, decidiram também deixar de amar, e por deixarem de amar, se permitiram morrer por dentro. “Aquele que não ama, permanece na morte”. Decidir não mais amar é decidir enterrar-se vivo; é decidir espalhar o veneno da raiva, da mágoa e do ressentimento sobre todas as plantas do jardim da sua alma, até que ele se torne um lugar deserto, seco, morto.

“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Antes de Jesus, já existia o mandamento do amor: amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo. O que existe de novidade no mandamento de Jesus é amar como Ele nos amou: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Amar até o fim é decidir continuar a amar depois que surgiu uma doença que impossibilitou a vida sexual no casamento; depois que a novidade deu lugar à rotina; depois que o corpo jovem e cheio de vigor entrou na fase do declínio e do envelhecimento; depois que a convivência com os defeitos da outra pessoa desmanchou a imagem idealizada que tínhamos dela.  

            O grande teste pelo qual o amor passa é a dor. Amar é expor-se à dor, é correr o risco de ferir-se, de não receber na mesma medida em que se dá. Amar como Jesus nos amou é aceitar ser crucificado para salvar aqueles que nós amamos. Em outras palavras, só é verdadeiro o amor que aceita sacrificar-se por aquele que ama. É aqui que a maioria fracassa. Nós não admitimos morrer em nosso egoísmo para que o amor não morra em nosso relacionamento com determinada pessoa. Nós não admitimos que, de fato, "é preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus" (At 14,22). Queremos experimentar o amor de Deus por nós, manifestado na cruz de seu Filho, sem com que tenhamos que ser crucificados em nosso egoísmo, em nossos caprichos, em nossa exigência de uma vida sem dor e de um amor que não precise sacrificar-se, que não precise sofrer para continuar a amar.

            Essa é a grande diferença entre nós e Jesus. Enquanto Jesus decide nos amar até o fim, aceitando morrer por nós numa cruz, nós tomamos a decisão de deixar de amar exatamente porque a cruz entrou em nossa vida. Queremos entrar no Reino de Deus desde que isso não nos custe sofrimento algum. Queremos colher flores no jardim da nossa existência sem que a semente que somos precise ser enterrada e morrer, para somente assim germinar e florescer. Nosso amor morre de fome, de desnutrição, porque somos grãos de trigo que não aceitam ser triturados para se tornarem a farinha da qual nascerá o pão que alimentará o amor que tanto desejamos que esteja presente em nossa vida.  

            Jesus afirmou: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35). As pessoas que não frequentam nossa Igreja, ou que não são cristãs, ou que não creem em Deus, veem amor em nós e entre nós? As pessoas que chegam em nossas celebrações são acolhidas com amor ou tratadas com indiferença? A forma como tratamos as pessoas no ambiente de trabalho e no dia a dia manifesta o amor de Deus por todo ser humano? Nós amamos somente aqueles que o mundo “ama”: os belos, os fortes, os “importantes”, ou escolhemos amar preferencialmente aqueles que são ignorados e tratados com indiferença pelo mundo: os doentes, os fracos, os idosos, os “sem importância”, os deficientes, os esquecidos?

            São João da Cruz dizia que “no entardecer da vida, seremos julgados a respeito do amor”. Quando a nossa vida terrena terminar e formos colocados diante do tribunal de Cristo (cf. 2Cor 5,10), Ele nos perguntará se nós amamos até o fim, se amamos os que ninguém quis amar, se nós perseveramos em nossa decisão de amar mesmo sendo crucificados por aqueles que a vida confiou ao nosso amor. Enfim, parafraseando Santa Teresa de Calcutá, tenhamos consciência de que “a maior doença hoje em dia não é o câncer, mas sim a solidão e a sensação de não ser amado”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A QUAIS MÃOS EU TENHO ME CONFIADO DIARIAMENTE?

 Missa do 4º dom. páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 13,14.43-52; Apocalipse 7,9.14b-17; João 10,27-30

 

            “Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada qual o seu próprio caminho” (Is 53,6). Essas palavras do profeta Isaías retratam o mundo atual: uma humanidade que anda errante, que não sabe para onde vai. Além disso, o individualismo faz com que cada um siga seu próprio caminho, ou seja, sua própria desorientação, perdendo-se, machucando-se, e às vezes, destruindo-se com suas próprias mãos.

            A resposta que o Pai deu à necessidade que todo ser humano tem de orientação, ou seja, que cada ovelha tem de encontrar o seu Pastor, foi enviar seu Filho. De fato, Jesus, “ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). Jesus não apenas nos convidou a pedir ao Pai que envie pastores para cuidar do Seu rebanho (cf. Mt 9,38), mas ele mesmo abraçou a missão de ser um pastor segundo o coração de Deus (cf. Jr 3,15). Neste sentido, São Pedro afirma: “estáveis desgarrados como ovelhas, mas agora retornastes ao Pastor e guarda de vossas almas” (1Pd 2,25).

Na sua mensagem para este domingo, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, escrevendo enquanto estava internado no Hospital Gemelli, em Roma, o Papa Francisco nos lembrou de que a desorientação do mundo atual se traduz numa “crise de identidade que é uma crise de sentido e de valores, que a confusão digital torna ainda mais difícil de atravessar”. Infelizmente, é dentro dessa “confusão digital” que as novas gerações têm buscado respostas, afastando-se da voz de Jesus, cuja verdade do Evangelho nos salva da desorientação, e acolhendo como “verdade” a voz de “Tick Tokers”, “Youtubers” e “Influencers” digitais, os quais são apenas “cegos conduzindo cegos” (cf. Mt 15,14).

Ao revelar-se como único e verdadeiro Pastor, Jesus afirma: “As minhas ovelhas escutam a minha voz” (Jo 10,27). “Escutar”, no sentido bíblico, significa “obedecer”. Muitas pessoas se recusam a escutar a voz de Jesus que ressoa através da Igreja, para obedecer cegamente a voz dos “pastores” da mídia, ainda que sejam líderes religiosos católicos. Muitas dessas ovelhas se recusaram a ouvir a voz do Papa Francisco, porque suas palavras questionavam a ideologia política delas. Além disso, essas ovelhas escolheram viver sua fé separadas do rebanho de Cristo; se consideram católicas, mas não frequentam e não querem pertencer a nenhuma Paróquia. Não são apenas ovelhas sem pastor, mas também sem rebanho.

            Sendo rejeitado por muitos líderes religiosos, assim como o Papa Francisco foi rejeitado por católicos conservadores e tradicionalistas, Jesus sempre permaneceu sereno e confiante na sua missão, entendendo que todo ser humano é livre para escolher a quem seguir, por quem se orientar, e aqueles que rejeitaram sua Palavra não eram, verdadeiramente, “suas” ovelhas. Essa rejeição à palavra do Evangelho foi testemunhada por Paulo e Barnabé, no texto dos Atos que agora a pouco ouvimos: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos. Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra’” (At 13,46-47).

            Qualquer pessoa tem o direito de recusar-se a obedecer à palavra de Jesus, anunciada pela Igreja através da pregação do Evangelho. O grande perigo, porém, é esta recusa torná-la indigna da vida eterna! Não podemos nos esquecer de que o próprio apóstolo Pedro afirmou a Jesus: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Recusar a pregação do Evangelho alegando ser esta uma palavra muito dura, questionadora e exigente, que denuncia o quanto o nosso modo de viver não está de acordo com a vontade de Deus, pode até nos deixar mais livres para seguirmos nossos próprios caminhos, nossas próprias desorientações, mas nos distanciará sempre mais da vida eterna.

Contrapondo-se à desorientação do mundo atual, Jesus afirma: “As minhas ovelhas escutam a minha voz... Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão” (Jo 10,27-28). A única forma de não nos perdemos na desorientação do mundo moderno é nos guiar pela voz de Jesus no Evangelho, voz que precisa não apenas ser ouvida por nossos ouvidos, mas, sobretudo, pelo nosso coração. Aqui são oportunas as palavras do Papa Francisco, na sua Mensagem para o dia de hoje: “O mundo, queridos jovens, vos induz a fazer escolhas precipitadas e a encher os dias de barulho, impedindo a experiência de um silêncio aberto a Deus, que fala ao coração. Tende a coragem de parar, de escutar dentro de vós e de perguntar a Deus o que Ele sonha para vós. O silêncio da oração é indispensável para ‘interpretar’ o chamado de Deus na própria história e para dar uma resposta livre e consciente”.

Depende unicamente de cada um de nós afastar-se do barulho, entrar no quarto do seu silêncio interior, para podermos ouvir a voz do nosso Pastor, cuja orientação nos tira da confusão e nos mostra o caminho para a vida eterna. Sem essa atitude nós seguimos pela vida como uma folha seca que o vento da desorientação empurra para onde quer. É na oração diária que voltamos a nos colocar nas mãos do Pai e do Filho: “Ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (Jo 10,29-30). Aqui é preciso ter consciência que somos nós que escolhemos em quais mãos nos colocar, a quais mãos nos confiar. Por mais que o ser humano moderno pense ser autônomo, ele sempre acaba por se confiar às mãos de algo ou de alguém. Nenhuma ovelha consegue sobreviver sem vincular-se a algo ou a alguém que se torne para ela seu pastor, seu segurança, seu protetor, sua orientação.

Em quais mãos eu me sinto neste momento? A quais mãos eu tenho me confiado? Às mãos do mercado? Às mãos de algum influenciador digital? Às mãos de algum lobo vestido com pele de pastor? Às mãos do meu próprio vício e do meu próprio pecado? Só experimenta proteção e só encontra vida quem escolhe permanecer nas mãos do Pai e do Filho, como revela o livro do Apocalipse: “Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos” (Ap 7,16-17).

           

Oração: Senhor Jesus, todos nós estamos vivendo num mundo profundamente desorientado, onde cegos estão guiando cegos, sobretudo nas redes sociais. Concede-nos escutar e obedecer à tua voz, pois só tu tens palavras de vida eterna! Retira-nos das mãos dos falsos pastores, das mãos da nossa própria desorientação e, sobretudo, das mãos do nosso vício e do nosso pecado. Que a nossa oração diária seja o momento em que nos confiamos às tuas mãos e às mãos do Pai, mãos que nos resgatam, nos curam, nos protegem e nos orientam no caminho para a vida eterna. Vós que com o Pai viveis reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 1 de maio de 2025

DA DECISÃO DO ABANDONO PARA A DECISÃO EM VOLTAR PARA A MISSÃO QUE NOS FOI CONFIADA

 Missa do 3º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 20,1-14.

 

            Quando Jesus chamou seus dois primeiros discípulos, Simão Pedro e André, disse-lhes: “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mt 4,19). “Pescar homens” significa resgatar pessoas de toda situação de morte, pois o mar, na Sagrada Escritura, representa as forças do mal que investem contra os seres humanos. Mas há algo estranho acontecendo no coração de Simão Pedro: “Eu vou pescar” (Jo 21,3). Ao que tudo indica, Pedro decidiu voltar à sua antiga vida de pescador de peixes. Por qual motivo? Apesar de já ter visto Cristo ressuscitado duas vezes (cf. Jo 20,19.26), Simão Pedro não sente a presença do Ressuscitado junto dele e da Igreja, representada aqui pelos sete discípulos. Portanto, a decisão de ir pescar peixes aponta para o abandono da missão de pescar homens.

            Essa decisão – “Eu vou pescar” (Jo 21,3) – tem sido tomada por muitos cristãos que, apesar de ouvirem a Igreja proclamar que Cristo ressuscitou, não o sentem junto a si, na luta cotidiana da vida. “Eu vou pescar” é o abandono do casamento e da família, é o dizer “pra mim, já deu!”, é o retorno à vida antiga, é a desistência de continuar a buscar a meta para a qual fomos chamados, é o voltar ao vício, ao pecado, a uma vida mundana, a uma vida segundo a carne (nosso egoísmo) e não mais segundo o Espírito (a vontade de Deus). Todos nós corremos esse risco de nos tornar pessimistas e desanimar da missão que nos foi confiada. O pior é que a nossa decisão de abandonar tudo acaba por arrastar outras pessoas conosco: “Também vamos contigo” (Jo 21,3).

            Qual foi o resultado da desistência dos discípulos em deixar de pescar homens e tentar pescar peixes novamente? O fracasso: “Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3). Quando abandonamos a missão que somos e nos distanciamos da verdade de Deus, a única coisa que conseguir colher é o fracasso. Por isso, quando não estamos pescando mais nada, precisamos nos perguntar se estamos fazendo aquilo que, de fato, fomos chamados a fazer; se, por acaso, não estamos no lugar errado, fazendo coisas erradas, desperdiçando nossas energias com coisas que nada têm a ver com a nossa verdadeira vocação. Neste sentido, o fracasso é a coisa mais importante que precisa surgir em nossa vida.

            A boa notícia é que a noite do fracasso termina com o amanhecer de um novo dia, e esse amanhecer nos remete para o momento em que foi anunciado à Igreja, por meio de Maria Madalena, que o Senhor Jesus ressuscitou (Jo 20,1.11ss)! “Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem” (Jo 21,4). Jesus é a “Estrela da manhã” (Ap 2,28). O brilho do sol que nasce aponta para a luz da ressurreição que venceu as trevas da morte. Jesus está “de pé”, justamente porque ele é o Ressuscitado. “Mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (Jo 21,4), seja porque estavam um pouco distantes da praia, seja porque o corpo de Jesus está agora glorificado, seja ainda porque, quando nossos olhos se fixam no resultado dos nossos fracassos, não conseguimos enxergar o Ressuscitado próximo de nós, quando é nele que os nossos olhos precisam se manter fixos (cf. Hb 12,2)!

            Mas finalmente chega o momento em que o Ressuscitado é reconhecido! Quando Jesus disse aos sete discípulos da barca: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”, eles obedeceram, lançaram a rede “e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: ‘É o Senhor!’” (Jo 21,6-7). Notemos que o discípulo amado não diz a Pedro: “É Jesus!”, mas “É o Senhor!”. O título “Senhor” só foi dado a Jesus após a ressurreição (cf. Fl 2,9-11). Quando o discípulo amado reconhece o Ressuscitado, Pedro tem a estranha atitude de vestir sua roupa (pois estava nu) e atirar-se ao mar (cf. Jo 21,7). A nudez de Pedro simboliza o abandono da sua identidade de discípulo. Sentindo a ausência do Ressuscitado, ele havia abandonado a sua “veste de discípulo”. Agora que volta a enxergar o Ressuscitado, retoma a sua veste e mergulha no mar, porque deseja chegar ao Ressuscitado o mais rápido possível.

            Muitos cristãos decidiram ficar nus, para não serem reconhecidos como discípulos de Jesus, num mundo contrário ao Evangelho. Este terceiro domingo da Páscoa nos convida a retomar a nossa identidade de discípulos, a voltar para a missão que nos foi confiada, a não nos deixar levar pela correnteza, mas a nadar na direção do Cristo ressuscitado, aquele que nos chamou a abraçar a missão de pescar homens, de ajudar a resgatar pessoas do mar da destruição e da morte.  

“Logo que pisaram a terra, (os discípulos) viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão... Jesus disse-lhes: ‘Vinde comer’” (Jo 21,10.12). Na última Ceia, Jesus tinha predito a traição de Judas e a negação de Pedro. Agora, nesta ceia improvisada na praia, o Ressuscitado oferece a Pedro a chance de rever suas atitudes anteriores e abraçar com mais convicção a sua missão de apascentar as ovelhas do Seu rebanho (vv.15-19), deixando-se orientar a cada dia por Sua palavra.   

            Retomando alguns pontos deste Evangelho... “Eu vou pescar” – Estou mantendo minha fidelidade à missão de “pescar pessoas” para Deus ou passei a fazer parte daqueles que abandonaram a missão? “Também vamos contigo” – Mesmo vendo tantos que abandonaram seu trabalho na Igreja, eu continuo perseverando, ou deixei me contaminar pelo pessimismo dos outros? “Não pescaram nada” – O que o fracasso que estou enfrentando está me dizendo? Estou onde deveria estar, fazendo o que me foi confiado, ou me distanciei da minha vocação original? “Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem” – Eu confio que não existe noite que impeça o sol de surgir no amanhecer? Eu creio que Cristo está vivo e me oferece a sua Palavra no amanhecer de cada dia, para me orientar na missão? “Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar” – Eu também estou nu? Eu também prefiro não ser reconhecido como discípulo de Jesus, para não ser criticado ou agredido por um mundo contrário ao Evangelho? “Vinde comer” – Eu me deixo alimentar pela Eucaristia que o Ressuscitado me prepara e abraço esse momento como uma oportunidade de confirmar a minha vocação e missão de cuidar daquilo que Ele confiou aos meus cuidados?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 24 de abril de 2025

A VERDADEIRA FÉ NÃO É CERTEZA, MAS CONFIANÇA, APESAR DA DÚVIDA

 Missa do 2º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19,31.

 

São Lucas nos apresenta um retrato da nossa Igreja no século I, por volta dos anos 80, após a ressurreição de Jesus e a vinda do Espírito Santo: “Crescia sempre mais o número dos que aderiam ao Senhor pela fé” (At 5,14). Essa afirmação contrasta com a crescente perda de fé das pessoas no mundo todo, de modo que a “religião” que mais cresce no mundo – também no Brasil, conforme o censo de 2022 – é a dos “sem religião”. Embora durante o pontificado do Papa Francisco o número de católicos que abandonam a nossa Igreja tenha caído pela metade em nosso País (conforme revelou o censo de 2022), continua a aumentar o número das pessoas que escolhem não ter nenhuma religião, e isso não apenas por desencanto com igrejas e religiões, mas, sobretudo por desencanto com o próprio Deus.  

Neste segundo domingo da Páscoa nos deparamos com a falta de fé de Tomé. Primeiro, ele não teve fé na palavra da Igreja, isto é, dos demais apóstolos, que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,25). Segundo, ele não teve fé na própria ressurreição de Jesus, a ponto de exigir uma experiência particular: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Essa exigência de Tomé está presente hoje não só na necessidade de ver, mas também se sentir a presença de Deus. O mundo atual só crê no que vê e no que sente, reduzindo a fé a uma sensação, a uma emoção. Pregadores que levam os fiéis à emoção são os que mais têm suas igrejas e redes sociais lotadas de “seguidores”.  

Reduzir a fé a uma emoção tem dois problemas: primeiro, emoções passam, mudam e acabam rapidamente; segundo, nem Deus, nem a religião são uma espécie de droga fabricada para provocar emoção nas pessoas e mantê-las distantes da realidade que são chamadas a enfrentar. Como afirmou Davide Caldirola, “a verdadeira fé é aquela que nos salva nas tempestades e não das tempestades da vida”. Sempre que tentamos transformar Deus numa proteção que nos mantém blindados contra a vida, ou impedindo-nos de sermos feridos, machucados, Ele nos deixa falando sozinhos, até que a nossa fé desista de fabricar um deus à nossa imagem e semelhança e aceite a imagem do verdadeiro Deus: Cristo, o Ressuscitado que traz em seu corpo as marcas do Crucificado.  

Outro grande problema da nossa fé é o imediatismo, a incapacidade de esperar em Deus. Porque plantamos a semente da fé ontem, no chão da nossa vida, queremos colher hoje, nos esquecendo de que “a estação do milagre não é aquela da semeadura, nem a da colheita; é aquela da espera” (Davide Caldirola). Uma fé que não se desdobra em esperança não suporta as demoras de Deus. Uma fé que chora o tempo todo, desejando o leite das consolações de Deus, não é uma fé adulta, mas infantil, uma fé que não se mantém junto do Deus de toda a consolação, mesmo quando Ele não nos dá consolação alguma.   

Um engano muito comum, quando falamos de fé, é pensar que, se temos fé, não podemos duvidar. Na verdade, a fé verdadeira tem espaço para a dúvida. Muitas pessoas, por não suportarem os questionamentos do mundo, trocaram a fé pelo fundamentalismo. “O fundamentalismo é um distúrbio de uma fé que tenta entrincheirar-se no meio das sombras do passado, defendendo-se da perturbadora complexidade da vida” (Pe. Tomás Halík, A noite do confessor, p.35). São exatamente esses católicos fundamentalistas que rejeitaram o magistério do Papa Francisco e que comemoraram a sua morte, postando em suas redes sociais: “Já foi tarde!”.

Totalmente oposta ao fundamentalismo, a fé não é certeza, mas confiança. Eu não vejo, não sinto e não entendo o agir de Deus em minha vida; mesmo assim, eu confio no Seu agir. Neste sentido, devemos nos lembrar das palavras que um grupo de judeus deixou escritas numa pedra, na cidade de Colônia, Alemanha, durante a segunda guerra mundial: “Creio no Sol, mesmo quando não brilha; creio no Amor, mesmo quando não o sinto; creio em Deus, mesmo quando Ele se cala”. Isso é fé!

No momento em que Jerusalém estava sitiada por dois povos aliados contra ela, e o rei e o povo estavam tremendo de medo, Deus mandou Isaías dizer: “Se vocês não tiverem fé, não conseguirão manter-se firmes” (Is 7,9). É como se Deus dissesse: “Se vocês não se atreverem a se apoiar em mim, jamais poderão experimentar que são amparados”. A fé é exatamente isso: apoiar-me no Crucificado Ressuscitado, fundando sobre ele a minha vida e buscando, unicamente nele, estabilidade, segurança e perseverança. Que a nossa oração hoje seja a daquele pai, cuja falta de fé foi criticada por Jesus: “Eu creio, Senhor! Ajuda a minha falta de fé!” (Mc 9,24). Supliquemos, cantando: “Meus Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam!” (Oração do Anjo de Fátima).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 19 de abril de 2025

A RESSURREIÇÃO NOS HABITA COMO A VIDA DE UMA ÁRVORE ESCONDIDA DENTRO DE UMA SEMENTE

 Missa da Páscoa do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 34a.37-43; Colossenses 3,1-4; João 20,1-9.

          “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa fé” (1Cor 15,14). Dizendo de outra forma, se Cristo não tivesse ressuscitado, nós não teríamos razão alguma para crer em Deus; nossas perguntas não teriam resposta, nossas feridas não teriam cura, nossa fome e sede de justiça jamais seriam saciadas e nós nunca mais nos encontraríamos com os nossos entes queridos que já partiram desta vida terrena. Toda a nossa fé se sustenta unicamente no fato de que Cristo ressuscitou. Essa fé, por sua vez, tem como fundamento o testemunho dos apóstolos: “Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos” (At 10,40-41).

Mas Jesus ressuscitou para que? “Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos mortos e dos vivos” (Rm 14,9). Isso significa que Cristo é o Senhor de tudo o que em nós ainda está vivo e também de tudo o que já morreu em nós. Além disso, devemos saber que, “quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Não pertencemos à morte; não pertencemos a este mundo, no qual sofremos muitas tribulações, mas pertencemos àquele que venceu este mundo!  

Eis a razão pela qual nós hoje cantamos com o salmista: “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!” (Sl 118,24). Jesus ressuscitou para que, não obstante as dificuldades que temos que enfrentar nesta vida terrena, nos alegremos e exultemos porque Ele, o Ressuscitado, está agora diante da face do Pai, dia e noite, intercedendo por nós (cf. Hb 9,24). “Este é o dia que o Senhor fez para nós” (Sl 118,24), dia que durará cinquenta dias, porque inaugura na Igreja o Tempo Pascal, o qual se encerrará com a festa de Pentecostes, Tempo no qual o Ressuscitado aparecerá aos seus discípulos, comprovando a sua ressurreição, e os preparará para receber o dom do Espírito Santo, garantia da nossa futura ressurreição (cf. Ef 1,13-14; 4,30; Rm 8,11).

Como somos chamados a viver neste Tempo Pascal? “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3,1-2). Sempre precisamos estar cientes de que vivemos num mundo que não olha para o alto, que reduz a fé em Deus a uma busca de felicidade somente aqui e agora, um mundo que não crê na recompensa por uma vida justa (cf. Sb 2,22). Mergulhados na luta pela sobrevivência e afastados da realidade social por meio da indústria da distração (canais de streaming, mundo digital e realidade virtual), nós facilmente perdemos o foco e esquecemos a meta a qual fomos chamados: aspirar às coisas celestes, desejar o céu, viver como cidadãos do céu e não como pessoas mundanas e terrenas.

Se é verdade que cada vez mais pessoas deixam de crer em Deus, em seu Filho ressuscitado e na Igreja, é porque muitos de nós, cristãos, vivemos como pagãos, buscando somente o que é terreno. E se nós mesmos não sentimos a presença do Ressuscitado junto a nós, esquecendo a sua promessa: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20), é porque também nos esquecemos de que a nossa vida de homens e mulheres destinados à ressurreição “está escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,3). O Espírito Santo, garantia da nossa ressurreição, habita em nós como a vida de uma árvore habita escondida dentro de uma semente. Não é apenas o mundo que não enxerga a ressurreição em nós; nós mesmos não a vemos, e muitas vezes não a sentimos pulsar dentro de nós. E isso acontece porque ainda não aceitamos esta verdade: “Não olhamos para as coisas que se veem, mas para as que não se veem; pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,18). Só pode sentir a promessa da ressurreição em sua vida quem sabe que “caminhamos pela fé e não pela visão” (2Cor 5,7).

            O Evangelho nos indica o primeiro sinal da ressurreição de Jesus: o túmulo vazio. Ele está vazio porque Jesus derrotou a morte. Na verdade, a morte de Jesus esvaziou todos os túmulos, como ele mesmo afirma: “Eu sou o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho comigo as chaves da morte e da região dos mortos” (citação livre de Ap 1,18). Neste Tempo Pascal, somos chamados a deixar Jesus esvaziar os nossos túmulos, a devolver vida ao que deixamos que morresse em nós, a amar a nossa vida escondida ao invés de sofrermos a angústia de não sermos reconhecidos pelo mundo, a deixar a Palavra do Ressuscitado aquecer o nosso coração (cf. Lc 24,32) devolvendo-lhe a chama da fé, e a comungar a sua presença real na Eucaristia, para que nossos olhos se abram (cf. Lc 24,31) e possamos dizer, como os apóstolos: “Verdadeiramente o Senhor ressuscitou!” (Lc 24,34).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A DESCRENÇA DOS DISCÍPULOS NA RESSURREIÇÃO DE JESUS É IMPORTANTE PARA A NOSSA FÉ

 Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,26-31; Êxodo 14,15 – 15,1; Isaías 54,5-14; Romanos 6,3-11; Lucas 24,1-12.

              

Onde está o Deus do êxodo, o Deus que libertou Israel dos egípcios? Acabamos de ouvir: “O Senhor livrou Israel da mão dos egípcios, e Israel viu os egípcios mortos nas praias do mar, e a mão poderosa do Senhor agir contra eles” (Ex 14,30-31). Onde está a poderosa mão do Senhor? Não somos somente nós que nos perguntamos por que nem sempre vemos Deus agir na história humana como agiu antigamente. Há muitos séculos antes de Cristo vir ao mundo, o salmista já perguntava: “Será que Deus vai rejeitar-nos para sempre? E nunca mais nos há de dar o seu favor? Por acaso, seu amor foi esgotado? Será que Deus se esqueceu de ter piedade? Eu confesso que é esta a minha dor: ‘A mão de Deus não é a mesma: está mudada!’” (Sl 76,8-11).

Esta é também a nossa dor: a mão de Deus parece não agir mais! No entanto, o profeta Isaías afirma: “Não, a mão do Senhor não é muito curta para salvar, nem seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram as vossas maldades que criaram um abismo entre vós e vosso Deus. Por causa dos vossos pecados ele escondeu de vós o seu rosto, para não vos ouvir” (Is 59,1-2). A Campanha da Fraternidade nos lembrou de que “Deus viu tudo quanto havia feito, e eis que tudo era muito bom” (Gn 1,31). As secas severas e as chuvas excessivas e destrutivas não são produzidas pela mão de Deus, como se Ele tivesse resolvido destruir o que criou, mas consequências do aquecimento global, “fabricado” pela mão humana. A nós foi confiado o cuidado com a criação, mas a ganância pelo dinheiro nos faz olhar para a natureza como fonte inesgotável de lucro. 

Se nós, às vezes, perguntamos como o salmista: “Por acaso, seu amor foi esgotado?”, eis a resposta do nosso Deus: “Podem os montes recuar e as colinas abalar-se, mas minha misericórdia não se apartará de ti, nada fará mudar a aliança de minha paz, diz o teu misericordioso Senhor” (Is 54,10). Nossa época passa por mudanças intensas e rápidas, as quais nos deixam inseguros e desorientados. No entanto, uma única certeza deve nos manter firmes em nossa fé: o amor de Deus por nós não mudará! Mesmo que tenhamos que vivenciar as angústias do tempo presente, fazemos nossas as palavras do salmista: “Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes! Vós tirastes minha alma dos abismos e me salvastes, quando estava já morrendo! Vossa bondade permanece a vida inteira; se à tarde vem o pranto visitar-nos, de manhã vem saudar-nos a alegria” (citação livre do Sl 30,2.4.6).

Esta imagem do pranto que se converte em alegria aparece no Evangelho desta noite. Enquanto os discípulos estão mergulhados na tristeza pela sua morte de cruz, “as mulheres foram ao túmulo de Jesus, levando os perfumes que haviam preparado” (Lc 24,2). Esses perfumes são um contraste com o mau cheiro da morte. Se há muita coisa cheirando mau nas pessoas, como egoísmo, individualismo, maldade, intolerância, agressividade, infidelidade, precisamos espalhar o perfume da bondade, da paciência, da tolerância, do respeito, da honestidade, da fé, da esperança da caridade, do serviço voluntário, do cuidado com o meio ambiente etc.

São Lucas nos apresenta os primeiros sinais da ressurreição de Jesus: 1) A grande pedra que fechava o túmulo foi removida, o que indica que o Pai ressuscitou o Filho através do Espírito Santo. 2) Enquanto as mulheres ficam chocadas ao entrarem no túmulo e vê-lo vazio, aparecem dois homens, vestidos com roupas brilhantes. São dois porque são necessárias duas testemunhas para comprovar que um fato é verdadeiro (cf. Dt 19,15). Além disso, suas roupas brilhantes nos recordam o momento da transfiguração de Jesus (cf. Lc 9,29), o qual foi uma “antecipação” da sua ressurreição.

Eis, então, o grande anúncio desta noite de Páscoa: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou!” (Lc 24,5-6). Jesus é descrito como “aquele que está vivo”, está no tempo presente, no hoje da nossa história. Por que Ele não está entre os mortos? Porque o próprio Jesus disse que o nosso Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois, para Ele, todos vivem! (cf. Lc 20,38). Onde você procura por seu filho, sua mãe, seu irmão, que faleceu? No túmulo? “Ele não está aqui!”. A pessoa que faleceu não está no túmulo (nosso passado), mas na ressurreição (nosso futuro)! A morte de Jesus esvaziou todos os túmulos, de modo que cada um de nós pode proclamar com o salmista: “Não morrerei, mas ao contrário, viverei para cantar as grandes obras do Senhor!” (Sl 118,17).

A narrativa do anúncio da ressurreição de Jesus termina com a descrença dos apóstolos! Ao ouvirem as mulheres, eles consideram que elas tiveram um delírio. O não acreditar dos apóstolos é importante para a nossa fé! A ressurreição de Jesus não foi inventada pelos apóstolos. Pelo contrário, eles resistiram muito em crer nela! Só o próprio Ressuscitado poderá abrir os olhos deles para essa verdade, como veremos nos próximos domingos do tempo pascal.  

Enfim, o apóstolo Paulo nos recorda, nesta noite pascal, que cada um de nós está associado tanto à morte quanto à ressurreição de Jesus, através do batismo: “Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova. Pois, se fomos de certo modo identificados a Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, seremos semelhantes a ele também pela ressurreição” (Rm 6,4-5). A nossa vida de pessoas destinadas à ressurreição exige de nós a atitude diária de decidir morrer para o pecado e escolher viver para Deus: “considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo” (Rm 6,11). Com essa consciência, entremos agora na liturgia batismal. 

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 16 de abril de 2025

SOMENTE UM DEUS FERIDO PODE SALVAR UMA HUMANIDADE FERIDA

Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.

      Qual a causa do sofrimento em nossa vida? Ele pode ser consequência de atitudes erradas que tomamos, consequência não daquilo que nos acontece, mas da maneira como lidamos com isso, ou ainda, consequência da nossa fidelidade a Deus, quando procuramos levar uma vida coerente, pautada na retidão e na justiça. Por isso, quando estamos vivenciando uma experiência de dor, precisamos nos perguntar o quanto aquela dor é responsabilidade nossa, o quanto é consequência de injustiças que existem em nossa sociedade e o quanto ela é consequência da nossa fidelidade a Deus.

A atitude mais comum de qualquer ser humano é buscar uma situação de bem-estar e afastar-se de toda situação de dor. Mas hoje a Palavra do Senhor nos confronta com a realidade da dor, presente de alguma forma na vida de todo ser humano. O salmista afirma que, algumas vezes, a dor e o sofrimento nos despedaçam como um vaso – “tornei-me como um vaso espedaçado” (Sl 31,13) – quebrando não somente a nós, mas também a imagem que até então tínhamos de Deus. Por isso, hoje precisamos trazer para a cruz de Cristo esses pedaços: os nossos próprios pedaços e também os pedaços que sobraram da nossa fé, da imagem que tínhamos de Deus e que agora não conseguimos mais reconstruir.

A verdadeira imagem de Deus está na cruz de seu Filho: “não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2). É aqui que a nossa imagem de Deus começa a se quebrar. Nós gostaríamos que Ele sempre se manifestasse em nossa vida como beleza, saúde, força, vitória, sucesso, prosperidade... Mas, às vezes, Deus vem a nós por meio de uma experiência que não nos agrada: a doença, a dificuldade financeira, a perda, o fracasso, o conflito, a crise, a dor. É a hora do confronto com uma verdade que precisamos encarar.

“A verdade é que ele tomava sobre si as nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores... Ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes” (Is 53,4.5). A verdade é que, apesar de sermos filhos de Deus, não nascemos blindados contra a dor, nem vamos passar por este mundo sendo constantemente poupados de sofrimento. A verdade é que nós cometemos pecados, e esses pecados produzem dor e sofrimento na sociedade. A verdade é que a religião existe não para nos manter o mais distante possível da dor, mas para nos capacitar a enfrentar a dor e também a estar junto de quem se encontra hoje crucificado, seja pelos seus próprios erros, seja pelos erros de outros.            

Jesus nos dá o exemplo de como podemos nos posicionar diante de uma dor que não é escolha nossa, mas que nos cabe enfrentar. Quando Pedro tentou evitar a sua prisão, Jesus o questionou: “Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11). Jesus nos ensina que a cruz nem sempre é uma opção; opção é a nossa liberdade de escolher como queremos lidar com a cruz que atravessou o caminho da nossa vida. Não é prudente ter tanta pressa em passar adiante o cálice que o Pai nos dá para beber. Apesar de amargo, esse cálice pode conter o único e verdadeiro remédio para nos curar da ferida do egoísmo, do vício, do pecado, de atitudes nossas que estão destruindo a nossa vida pessoal, familiar, profissional ou espiritual.

A carta aos Hebreus nos ensina que Jesus não “tirou de letra” a experiência terrível de ser crucificado! Ele “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa da sua entrega a Deus. Mesmo sento Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu” (Hb 5,7-8). Jesus jamais negou sua repulsa humana diante da dor, do sofrimento e da morte, mas ele transformou essa repulsa em oração, uma oração tão profunda e sincera que foi atendida pelo Pai; não atendida livrando-o de passar pela cruz, mas atendida enquanto ressuscitando-o após a morte de cruz. Deus tem outra forma de responder à nossa oração, e só a fé no Seu amor por nós pode nos livrar de enlouquecermos ou de perdermos o sentido da vida por causa da cruz que atravessou o nosso caminho. Aquilo que sofremos pode ser vivido como uma redescoberta da presença do Pai em nossa vida, se estivermos abertos a aprender o que Ele está querendo nos ensinar.

Se é verdade que o nosso mundo está infectado pelo mau cheiro da morte, somos chamados a fazer como Nicodemos: espalhar perfume onde existe mau cheiro; espalhar o perfume da esperança onde há o mau cheiro do desespero; espalhar o perfume da consolação onde há o mau cheiro da desolação; espalhar o perfume da solidariedade onde há o mau cheiro da indiferença; espalhar o perfume da palavra de conforto onde há o mau cheiro do abatimento; espalhar o perfume do diálogo e da reconciliação, onde há o mau cheiro da inimizade.

Especialmente neste dia, meditemos sobre este alerta tão significativo: “Eu sei que um dia alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo mesma” (Cora Coralina).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

terça-feira, 15 de abril de 2025

NÃO BASTA COMER O CORDEIRO; É PRECISO CONFIGURAR-SE A ELE!

 Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.

                         

            Ao ouvirmos nesta noite os preparativos para a páscoa do Antigo Testamento, a pergunta que cada um de nós precisa se fazer é: De qual situação de escravidão eu preciso que o Senhor me liberte? De algum vício? De algum pecado? De alguma pessoa? Mais do que tudo, do próprio espírito do mal?

            O personagem central da páscoa dos hebreus no Egito foi o cordeiro: cada família devia sacrificá-lo, passar seu sangue na porta da casa e comer a sua carne assada ao fogo, com pães sem fermento e ervas amargas. Aqui outra pergunta é necessária: que tipo de espírito exterminador ameaça a minha família hoje? Doença? Drogas? Violência? Separação? Traição? Brigas? Dívidas? Celular? Jogos de apostas?

            Os pães sem fermento representam a pressa em sair do Egito. Somos pessoas apressadas, mas no sentido de viver correndo de um lado para outro, muitas vezes movidos pelas pressões externas e não por convicções internas. Nós também somos rápidos em agir para defender a nossa família ou os nossos valores espirituais? O pão sem fermento nos remete para Jesus, homem sem maldade, sem orgulho, humilde (o fermento incha a massa). A hóstia é pão sem fermento. Nós, que comungamos o Corpo de Cristo, somos pessoas sem maldade e simples de coração? Enfim, as ervas amargas eram necessárias para os hebreus não se esquecerem da vida amarga que tiveram no Egito. Ninguém gosta de recordações amargas, mas elas são necessárias para não voltarmos a nos tornar escravos de situações que nos fazem mal. Só remédios amargos curam doenças graves. Estamos dispostos a tomá-los, em vista da nossa cura e da nossa libertação?

            Os textos da carta de São Paulo e do Evangelho nos remetem para a páscoa do Novo Testamento. Nela o cordeiro não é mais um animal que é sacrificado sem ter consciência da razão do próprio sacrifício. Jesus é o Cordeiro de Deus que, livre e conscientemente, abraça o sacrifício da cruz em favor da salvação da humanidade. Seu sangue será derramado para perdoar nossos pecados e nos libertar definitivamente das mãos do espírito do mal. Comer o Corpo e beber o Sangue do Senhor Jesus implica em viver como Ele viveu: corpo doado e sangue derramado, isto é, não viver unicamente em função de nós mesmos, mas fazer da nossa existência uma doação para a salvação da humanidade. O próprio Jesus nos convida a imitá-lo: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).

            A atitude de Jesus escandalizou os próprios discípulos, pois lavar os pés das visitas durante uma refeição era um serviço próprio de escravos. Na última Ceia, Jesus quer ser lembrado por seus discípulos como aquele que serve. O escândalo de Pedro é o nosso escândalo, justamente porque não pensamos como Deus, mas como os homens: não queremos estar com os últimos, mas com os primeiros; não queremos nos sacrificar, mas usufruir, aproveitar, desfrutar das coisas boas da vida. Só mais tarde Pedro compreenderá a atitude de Jesus, quando estiver disposto a doar a sua vida pelo bem das ovelhas e dos cordeiros do rebanho de Jesus, que é a Igreja (cf. Jo 21,15-17).

            Na última Ceia alguém está comendo o Corpo e bebendo o Sangue de Jesus, mas o faz com o diabo em seu coração: Judas. O diabo é o divisor, o separador. Judas decidiu se separar de Jesus porque o queria forte e agressivo como um leão, e não fraco e manso como um Cordeiro. Judas se encontra hoje em todo cristão que acredita na força do dinheiro e das armas para resolver os problemas do mundo. As igrejas estão cheias de Judas, de fiéis que não se identificam com o Cordeiro, mas com o Leão, que exerce o domínio sobre todos e mata suas presas sem piedade. Justamente por conhecer cada ser humano por dentro (cf. Jo 2,25), Jesus hoje declara: “Nem todos estais limpos” (Jo 13,11). ‘Nem todos vocês querem se configurar a mim’.

            Nesta noite se inicia a nossa Páscoa. Cada um de nós é convidado a sair do Egito, isto é, da sua situação de escravidão, e a seguir os passos do Cordeiro de Deus, enfrentando o ódio do mundo, expresso na Cruz, na certeza de que aquele que perseverar até o fim no amor que nos torna “corpo doado e sangue derramado” será salvo. Se na hora da cruz todos os discípulos abandonaram Jesus, permaneçamos com Ele como fez o discípulo amado, mantendo no coração esta certeza: “Se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos” (2Tm 2,11).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 10 de abril de 2025

OS SEIS ENSINAMENTOS DA PAIXÃO DE JESUS, SEGUNDO LUCAS

           Domingo de Ramos da Paixão do Senhor. Palavra de Deus: Lucas 19,28-40; Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 23,1-49.

Hoje fazemos memória da entrada de Jesus em Jerusalém. Ele entra na cidade montado num jumentinho (cf. Lc 19,35) e não num cavalo, porque ele é manso e humilde, e não agressivo e violento. Como gostamos de nos sentir: Fortes ou fracos? Perdedores ou vencedores? Como quem sobe ou como quem desce? Com quem nos identificamos: com o Cordeiro ou com o leão? Enquanto nossas escolhas vão numa direção, Jesus escolhe a direção oposta: “esvaziou-se a si mesmo”, “assumiu a condição de escravo”, “humilhou-se a si mesmo”, “fez-se obediente até a morte” (Fl 2,7-8). Por qual motivo? Por causa da fidelidade à sua missão: salvar. Ele veio responder à nossa súplica: “Hosana!”, que significa “Dai-nos salvação!”. Eis a grande verdade: somente um Desgraçado pode salvar os desgraçados; somente um Condenado pode salvar os condenados; somente um Deus ferido pode salvar uma humanidade ferida.

Outra grande verdade que o dia de hoje nos revela: não existe salvação sem sacrifício. Não existe salvação para um relacionamento, quando um dos dois ou ambos não estão dispostos a sacrificar-se pelo mesmo. Não existe salvação para os filhos quando os pais não estão dispostos a se sacrificarem por eles, e vice-versa. E assim é também com o ambiente de trabalho, com a comunidade de fé, com a cidade; enfim, com o mundo no qual nos encontramos. Não nos esqueçamos disso: onde não há sacrifício, não há salvação.   

Na oração inicial da missa de hoje nós pedimos que o Pai nos conceda aprender o ensinamento da paixão (sofrimento) de seu Filho, para podermos ressuscitar com ele em sua glória. O primeiro ensinamento da paixão de Jesus é a constatação da sua inocência: “Não encontro neste homem nenhum crime” (Lc 23,4); “Ele nada fez para merecer a morte” (Lc 23,15); “Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte” (Lc 23,22). O que ainda existe de inocência em nós? Como eu lido com o fato de sofrer algum tipo de acusação injusta, como Jesus sofreu? Eu confio na justiça de Deus?

O segundo ensinamento da paixão de Jesus é a constatação de que nós estamos cada vez mais nos identificando com o mal: “A gritaria deles aumentava sempre mais. Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. Soltou o homem que eles queriam — aquele que fora preso por revolta e homicídio — e entregou Jesus à vontade deles” (Lc 23,23-25). Nosso modelo não é o Cordeiro que dá a vida, mas o leão que destrói a vida. Exemplo concreto: Andrew Tate, incitador de violência contra mulheres, tem 10 milhões de seguidores nas suas redes sociais. A rede social mais acessada no mundo, sobretudo por crianças e adolescentes, se chama Tik Tok, a qual propaga milhões de vídeos de violência que banalizam a vida de seres humanos e de animais.   

O terceiro ensinamento da paixão de Jesus é uma lamentação dele para com a nossa geração: “Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?” (Lc 23,28.31). Chorem por vocês mesmos, pais, que dão celulares para seus filhos pequenos para que eles os deixem em paz, enquanto eles começam desde cedo a se viciarem nas telas. Chorem por vocês mesmos, pais, que acreditam ingenuamente que o fato de seus filhos estarem no quarto navegando na Internet significa que eles estão seguros. Chorem por vocês mesmos, crianças e adolescentes, que têm preguiça de ler um livro, que estão viciadas em jogos e vídeos, que se fecham para seus pais, mas se abrem para estranhos nas redes sociais. Chore por você mesmo(a), árvore seca, pessoa que não cria raiz em Deus, mas vive como folha seca que o vento das redes sociais empurra para onde quer.

O quarto ensinamento da paixão de Jesus é a libertação de todo tipo de condenação. Um homem, condenado por seus crimes, suplica: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,42-43). Lembra-te de nós, Senhor, humanidade adoecida, desorientada, exposta ao mal ao mesmo tempo em que propaga o mal com suas atitudes. Lembra-te de nós, Senhor, consumidores que exploram os recursos naturais como se eles fossem inesgotáveis, que não nos dispomos a fazer algo de concreto pela preservação do meio ambiente. Lembra-te de nós, que não nos dispomos a mudar os nossos hábitos, mesmo sabendo que eles continuam a favorecer a destruição e a morte, para nós mesmos e para as gerações futuras.

O quinto ensinamento de Jesus é a sua entrega às mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Nós vivemos todos os dias nas mãos da ansiedade, do medo, da insegurança com relação a algo de ruim que possa nos acontecer. Jesus nos convida a substituir a ansiedade e o medo pela confiança, através de uma entrega incondicional ao Pai: “Meu Pai, que me deu essas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatar coisa alguma das mãos do Pai” (Jo 10,29). “Humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que no momento oportuno Ele exalte vocês; lancem n’Ele todas as suas preocupações, porque é Ele quem cuida de vocês” (1P 5,6-7).

O sexto ensinamento da paixão de Jesus é a nossa atitude de olhar o sofrimento dos outros como quem assiste a um espetáculo: “As multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido e voltaram para casa, batendo no peito” (Lc 23,48). A tradução mais fiel ao texto bíblico é: “E toda a multidão que havia acorrido para ver o espetáculo...” (Lc 23,48), tradução da Bíblia de Jerusalém. As redes sociais nos presenteiam com fotos e vídeos de tragédias, de violência e, inclusive de suicídio de adolescentes e jovens, e nós assistimos a tudo isso como quem assiste a um espetáculo. Precisamos “bater no peito”, atitude bíblica de arrependimento, de quem se pergunta: Por que o nosso nível de humanidade está tão baixo? Por que a dor do outro não provoca indignação em mim? Como é que eu me tornei um doente no meio de uma sociedade doente, um cínico no meio de uma sociedade cínica, um indiferente no meio de uma sociedade indiferente à dor do outro?

Hosana! Dai-nos salvação, Senhor Jesus!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi