quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

VOCÊ DEDICA SUA VIDA AO QUÊ?

 Festa da Apresentação do Senhor. Palavra de Deus: Malaquias 3,1-4; Hebreus 2,14-18; Lucas 2,22-32.

 

Nossa celebração se iniciou hoje com o acendimento das velas, porque Jesus, ao ser apresentado no Templo, é reconhecido como “luz para iluminar as nações” (Lc 2,32). A vela que cada um de nós carrega consigo nos recorda também a missão que somos: “Eu te estabeleci como luz das nações, a fim de que a minha salvação chegue até as extremidades da terra” (Is 49,6). Onde quer que a vida nos coloque ali se encontra a nossa missão de ser a presença salvífica de Deus para as pessoas que convivem conosco.

A luz da vela também nos recorda que Jesus “é como o fogo da forja” (Ml 3,2), ou seja, fogo que transforma. Mas não só; Ele é também fogo que purifica a prata (cf. Ml 3,3). Quando o ourives expõe a prata ao fogo para ser purificada, ele a mantém exposta ao fogo até que seu rosto seja refletido nela. Do mesmo modo, o fogo das provações tem como objetivo nos tornar semelhantes a Jesus Cristo, cuja vida foi uma oferenda ao Pai pela salvação da humanidade.

De fato, quando os pais de Jesus o “apresentam” ao Senhor, estão “oferecendo-o” para o serviço de Deus, a exemplo de Ana, mãe de Samuel: “Eu o dedico ao Senhor por todos os dias que viver” (1Sm 1,28). Apresentar, oferecer, dedicar o filho a Deus significa ter consciência de que ele pertence a Deus e nasceu para cumprir um desígnio de Deus, e não para satisfazer as expectativas dos próprios pais, muito menos para ser uma mera engrenagem para manter a máquina do mercado funcionando. Neste sentido, cada um de nós precisa se perguntar ao quê tem dedicado a sua vida, a sua existência: se às ilusões deste mundo, se às cobranças do mercado ou se à missão para a qual nasceu.

Embora a “apresentação” de Jesus no Templo não tenha a ver com o sacramento do Batismo, a festa de hoje deve questionar a ausência das crianças na vida da Igreja. É cada vez maior o número de crianças que não são mais trazidas ao Sacramento do Batismo, sobretudo porque a maioria das famílias está em situação irregular perante as normas da Igreja. A ação pastoral da nossa Igreja ainda não teve a coragem de abraçar o convite do Papa Francisco: “Todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale, sobretudo, quando se trata daquele sacramento que é a ‘porta’: o Batismo” (EG, n.47). 

Neste ano do Jubileu, onde a esperança precisa ser renovada no coração de cada um de nós, da Igreja e da humanidade, olhamos para o velho Simeão, descrito no Evangelho de hoje como um homem que “esperava a consolação do povo Israel” (Lc 2,25). Só espera a consolação quem está vivendo uma situação de desolação. Além das desolações externas – guerra, violência, injustiça, dificuldade financeira, doenças etc. – todos nós experimentamos na vida momentos de desolação espiritual, quando Deus parece ter se ausentado da nossa existência. Ora, é na desolação que devemos intensificar a nossa vida de oração e fortalecer a nossa esperança em Deus. “Que o Deus da esperança vos cumule de alegria e paz em vossa fé, a fim de que pela ação do Espírito Santo a vossa esperança transborde” (Rm 15,13).

Esperando pela consolação do povo de Israel, o velho Simeão foi conduzido ao Templo “movido pelo Espírito” (Lc 2,27). Hoje pedimos que o Espírito Santo, nosso Consolador, mova os idosos na direção da fé e da esperança, para que cada um deles, antes de deixar este mundo, possa rezar como Simeão: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2,29-30). Quanto mais a luz da visão biológica se apaga nos olhos das pessoas idosas, que brilhe mais ainda a luz da fé e da esperança em seus corações, na certeza de poderem contemplar face a face o rosto resplandecente do Ressuscitado.

A carta aos Hebreus nos recorda hoje que Jesus foi apresentado no Templo em nosso favor: “Visto que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Jesus participou da mesma condição” (Hb 2,14). Se a nossa condição humana é marcada por inconstância, fragilidade e infidelidade, Jesus abraçou tudo isso em seu corpo, chegando inclusive a sofrer as mesmas tentações que sofremos: “Tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação” (Hb 2,18). Quando o mal nos assedia, tentando enfraquecer a nossa fé e esvaziar as razões da nossa esperança, podemos contar com a intercessão de Jesus diante do Pai em nosso favor e, por isso, dizer como o apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl  4,13).

Uma última palavra a respeito da Festa da Apresentação do Senhor: “Com que me apresentarei ao Senhor?”. O profeta Miquéias responde: “Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom e o que Deus exige de ti: nada mais do que praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com teu Deus!” (Mq 6,8).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

"ESPERO EM TUA PALAVRA" (Sl 119,74)

 Missa do 3º dom. comum. Palavra de Deus: Neemias 8,2-4a.5-6.8-10; 1Coríntios 12,12-14.27; Lucas 1,1-4; 4,16-21.

 

            “Espero em tua palavra” (Sl 119,74). Este é o tema escolhido pelo Papa Francisco para celebrarmos o “Domingo da Palavra de Deus” dentro do Jubileu deste ano: “Peregrinos de Esperança”.

“Espero em tua palavra” (Sl 119,74). Deus é Palavra; Ele se revelou como Palavra que realiza aquilo que diz: “O que sai da minha boca é a verdade, uma palavra que não voltará atrás” (Is 45,23). O Deus que é Palavra entra em diálogo com o ser humano e espera dele a resposta da fé – a obediência. No sentido bíblico, ouvir significa obedecer. Segundo o apóstolo Paulo, “a fé vem da pregação, e a pregação é pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). Quando não obedecemos à Palavra de Deus, nossa fé morre: “Esta é a nação que não escutou a voz do Senhor seu Deus, e não aceitou o ensinamento. Sua fé morreu: foi arrancada de sua boca” (Jr 7,28).

Deus é Palavra; essa Palavra se tornou Livro (Sagrada Escritura). “Estando num lugar mais alto, ele abriu o livro à vista de todo o povo. E, quando o abriu, todo o povo ficou de pé” (Ne 8,5). A Palavra que é Deus nos põe em pé, ou seja, nos levanta do desânimo, nos tira da prostração. Tanto é verdade que o salmista diz: “Se tu não me falas, sou como quem desce à cova” (Sl 28,1). Quando Jesus nos fala no Evangelho, ficamos em pé, pois sua Palavra tem o poder de nos fazer passar da morte para a vida (cf. Jo 5,24).

O Deus que é Palavra, após nos ter falado, aguarda a resposta da nossa fé: “Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todo o povo respondeu, levantando as mãos: ‘Amém! Amém!’” (Ne 8,6). A melhor “tradução” para esse “Amém” se encontra em Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Quando dizemos “Amém” à Palavra que o Senhor nos dirigiu estamos dizendo que confiamos no que Ele nos falou e nos dispomos a viver segundo o ensinamento contido na sua Palavra: “Depois inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor, com o rosto em terra” (Ne 8,6). Inclinar-se diante da Sagrada Escritura é inclinar-se diante do próprio Senhor! Esse “inclinar-se e prostrar-se” significa total adesão e submissão ao que o Senhor nos falou. Desse modo, o nosso coração escancara suas portas para receber tudo o que o Senhor Deus deseja nos dar e/ou realizar em nossa vida por meio da sua Palavra.

“Todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei” (Ne 8,9). Quando nos deixamos alcançar pela verdade da Palavra, choramos diante das mentiras e dos enganos do nosso pecado. De fato, a Palavra de Deus “é mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma e espírito... Ela julga as disposições do coração” (Hb 4,12). Neste sentido, a Palavra de Deus não é um anestésico para a nossa consciência, mas um choque para nos acordar do sono da distração e nos tornar conscientes das mudanças que precisamos fazer em nossa vida, se quisermos ser salvos e/ou salvar aquilo que amamos.   

“Espero em tua palavra” (Sl 119,74). O Deus que é Palavra se fez Pessoa humana em seu Filho Jesus Cristo e veio habitar entre nós: “E a Palavra se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). Desse modo, vemos Jesus centralizar o seu ministério na pregação da Palavra: “Ele ensinava nas suas sinagogas” (Lc 4,15). “Jesus percorria todas as cidades e povoados ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino” (Mt 9,35). Sempre que participamos de uma celebração, estamos ali para aprender; o Senhor deseja nos ensinar por meio da sua Palavra. Daí a importância do nosso silêncio e da nossa atenção: “E todo o povo escutava com atenção a leitura do livro da Lei” (Ne 8,3).

“Conforme seu costume entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura” (Lc 4,17). O lugar da proclamação, da escuta e do ensino da Palavra é a Igreja. E após ler um texto do profeta Isaías que dizia respeito ao próprio Jesus, o Cristo, o Ungido de Deus – “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para...” (Lc 4,18) –, Jesus “começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir’” (Lc 4,21). “Hoje”! Jesus é o hoje de Deus para cada um de nós. O Deus que falou ontem por meio de Moisés e dos Profetas nos fala hoje por meio de seu Filho (cf. Hb 1,1-2). “Todas as promessas de Deus encontraram nele (em Jesus Cristo) o seu sim” (2Cor 1,20), isto é, o seu cumprimento, a sua realização.

“Hoje se cumpriu” (Lc 4,21). Cada palavra que Deus nos dirige contém uma promessa, e cada promessa encontra em Jesus o seu pleno cumprimento. Desse modo, quando dizemos: “Espero em tua palavra” (Sl 119,74), estamos dizendo que esperamos em Jesus Cristo que o Pai cumpra cada palavra sua em vista da nossa redenção, da nossa salvação. Recordemos, enfim, as palavras de Jesus à Igreja de Filadélfia, no livro do Apocalipse: “Eis que coloquei à tua frente uma porta aberta que ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste minha palavra e não renegaste o meu nome” (Ap 3,8). O nome dessa porta que foi aberta por Jesus e que ninguém poderá fechar se chama: ESPERANÇA! Ela está garantida para todos os que guardam, observam, põem em prática a palavra de Jesus.  

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

SITUAÇÕES TRANSFORMADAS PORQUE CONFIADAS A JESUS

 Missa do 2º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 62,1-5; 1Coríntios 12,4-11; João 2,1-11

 

A imagem do casamento sempre foi muito simbólica na Bíblia, seja para falar do amor de Deus (Esposo) por Israel (esposa), seja para falar do amor de Jesus (Esposo) pela Igreja (esposa). Esse amor de Deus por seu povo foi expresso na voz do profeta Isaías: “Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não descansarei” (Is 62,1). Exatamente para uma cidade chamada de “Abandonada” e “Deserta”, Deus promete mudar o seu nome para “Minha Predileta” e para “Bem-Casada” (cf. Is 62,4).  

Quantas pessoas se sentem “abandonadas”, não somente no sentido afetivo, por estarem sozinhas, mas também no sentido espiritual, de desamparo? Quantas pessoas casadas experimentam desencanto e solidão? Não são poucas as pessoas que sofrem de solidão, assim como também não são poucos os que escolhem a solidão, por estarem desencantados com as pessoas. Seja a solidão sofrida, seja a solidão escolhida, essas palavras de Clarice Lispector podem ser muito úteis: “Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Esta terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta... Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?”.

Se é verdade que muitos relacionamentos foram abalados e soterrados por sérios terremotos, Deus afirma: “Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, mas meu amor não mudará, minha aliança de paz não será abalada, diz o Senhor, aquele que se compadece de ti” (Is 54,10). O amor de Deus por nós é incondicional; Ele não nos ama porque somos merecedores, mas porque somos necessitados desse amor. Mesmo nos sentindo feridos, abandonados e desertos, sabemos que “a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

O apóstolo Paulo deixou bem claro que nós sempre teremos que aprender a conviver com a diversidade: o outro é como ele é, e não como eu gostaria que ele fosse. Cada um de nós precisa aprender a amar o real – a pessoa que ela é – e não desperdiçar energia sonhando com o ideal – querer transformar a pessoa em alguém que nós gostaríamos que ela fosse. Ao mesmo tempo em que o apóstolo usa três vezes a palavra “diversidade” ou “diferente”, usa também três vezes a palavra “um”: “Um mesmo é o Espírito”; “Um mesmo é o Senhor”; “Um mesmo Deus”. Nossas diferenças não são impedimento para a convivência, mas necessárias para que um ajude o outro a ser melhor, não nos esquecendo de que “a cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 7,12). Em outras palavras, a questão não é o que convém a mim, nem à outra pessoa, mas o que convém ao nosso relacionamento (o bem comum).

O Evangelho nos apresenta Jesus no início da sua missão. O contexto é uma festa de casamento, na qual, para tristeza e desespero das famílias dos noivos, acabou o vinho! No Antigo Testamento havia um casal simbólico: Deus, o Esposo fiel, e Israel, a Esposa infiel (cf. Os 2,7). No Novo Testamento há um novo casal: Jesus, o Esposo, e Maria, chamada de “Mulher”, imagem da Igreja, Esposa de Cristo. A Igreja, representada por Maria, diz a Jesus: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Nós, Igreja, precisamos ter a sensibilidade de Maria e nos deixarmos afetar pela falta de vinho que existe à nossa volta.

“Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Na Bíblia o vinho simboliza a alegria de Deus no coração humano. Jesus encontra uma religião vazia (as talhas de pedra vazias!), um culto incapaz de levar as pessoas a se sentiram amadas por Deus. Quantas das nossas celebrações são ritos vazios? Além disso, a maioria das famílias não se encaixa no padrão ideal, que é o sacramento do matrimônio, e por isso não podem se aproximar do banquete das núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19,9). Parece que, como Igreja, nos esquecemos de que a Eucaristia deveria ser a expressão concreta do Reino de Deus: “Ide, pois, às encruzilhadas e convidai para as núpcias todos os que encontrardes” (Mt 22,9); “Vai depressa pelas praças e ruas da cidade, e introduz aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos” (Lc 14,21), exatamente as pessoas excluídas de participar das celebrações que ocorriam  no Templo!     

“Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3). Acabou a paixão, o encantamento, o diálogo, o respeito, a fidelidade, a vontade de renunciar e de lutar; acabou a esperança, não só em relação às pessoas, mas também em relação a Deus. Mas não podemos ficar apenas na constatação da falta de vinho. Devemos nos orientar pela palavra de Jesus: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Só Jesus pode transformar água em vinho, mas cabe a nós encher as talhas de água e levá-las até ele! Sem a nossa colaboração, nada em nossa vida pode ser mudado ou transformado.  

“Todo mundo serve primeiro o vinho melhor... mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” (Jo 2,11). Quando nos orientamos pela palavra de Jesus, a crise se torna oportunidade de renovação. O vinho melhor surgiu no fim! Depois da crise, depois da cruz, depois do sofrimento, depois da luta, é possível experimentar uma alegria muito maior, mais profunda do que aquela que experimentávamos antes.

 

Oração: Senhor Jesus, és o Esposo da alma humana, alma que tem sede de sentido, de alegria e de salvação. Olha para a falta de vinho que existe no coração da humanidade, em nossas famílias e em tua Igreja. São muitas as pessoas que se sentem abandonadas e não amadas. Derrama sobre o coração de cada uma delas o dom do teu Espírito, pois somente Ele pode nos fazer experimentar verdadeiramente o amor de Deus e a alegria da Sua salvação.

Senhor, que nenhuma crise, nenhum desencontro, nenhuma ferida ou dificuldade nos faça perder a esperança de que o vinho novo sempre surgirá e sua alegria será abundantemente superior a tudo aquilo que até hoje experimentamos, pois o Teu Espírito continua a renovar a face de terra e nós cremos no Seu poder de reavivar a nossa Igreja, curar nossas feridas e transformar nossas tristezas em verdadeira e profunda alegria. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

O QUE SIGNIFICA DEIXAR-SE CONDUZIR PELO ESPÍRITO DE DEUS?

 Missa do Batismo do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 42,1-4.6-7; Atos dos Apóstolos 10,34-38; Lucas 3,15-16.21-22.

           

            “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). Essas palavras de Jesus revelam a absoluta necessidade do Batismo para a salvação. Outra forma de entendermos essa necessidade é a afirmação de Jesus a Nicodemos: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3,5-6). Sem o Batismo somos apenas carne, pessoas mortais, cujo destino final é a decomposição do nosso corpo. Através do Batismo recebemos o dom do Espírito Santo, o sopro da Vida que vem de Deus e que nos destina para a ressurreição e a Vida eterna (cf. Rm 8,11).

             Apesar da importância do Batismo para a nossa salvação, ele não a garante por si mesma. Isso fica claro nas palavras do apóstolo Paulo: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8,14). Toda pessoa batizada é convidada a se deixar conduzir pelo Espírito Santo e não pelo seu próprio egoísmo (muito menos pelo seu pecado). Jesus é o exemplo mais concreto desse deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus: “Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda a parte, fazendo o bem” (At 10,38). Se o nosso Batismo não foi uma decisão nossa, mas dos nossos pais, cabe a nós decidir como queremos viver: se presos aos apelos da carne (egoísmo), ou se conduzidos na liberdade do Espírito. Além disso, se estamos passando por este mundo sem fazer o bem de que somos capazes, de que está servindo o fato de termos sido batizados? Não nos esqueçamos dessa verdade: “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4,17).

            Ao narrar o Batismo de Jesus, São Lucas nos revela o momento em que Jesus recebeu o Espírito Santo: “Jesus também recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba” (Lc 3,21-22). “Enquanto rezava”. Ao ensinar a oração do Pai nosso Jesus afirma: “O Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem (na oração)” (Lc 11,13). A oração é necessária para que o Espírito Santo seja reavivado em nós! É ela que faz com que o céu se abra sobre nós e Deus nos comunique o seu amor, a sua bênção, o seu Espírito! Sem a oração, nós seguimos pela vida sustentados unicamente pela força da nossa carne, a qual por si mesma é fraca. Sem a oração, o céu se mantém fechado sobre nós e não recebemos a força de Deus para realizar a nossa missão.

            Estando o céu aberto, Jesus não apenas recebeu o Espírito Santo, mas ouviu o Pai falar com ele: “E do céu veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer’” (Lc 3,22). A oração é o momento em que não somente o Filho fala com o Pai, mas também o Pai fala com o Filho. Só o Pai sabe quem o Filho é e para quê ele foi enviado ao mundo. Nós precisamos que o Pai nos diga quem somos e para quê nascemos. Neste mundo massificado, onde nos sentimos anônimos, ignorados, desorientados, precisamos ouvir a voz do Pai a confirmar a nossa filiação divina.

            Através do texto do profeta Isaías tomamos consciência da nossa identidade de cristãos batizados, isto é, de pessoas que receberam o Espírito Santo e se deixam conduzir por ele: “Pus meu espírito sobre ele... Ele não clama nem levanta a voz, nem se faz ouvir pelas ruas” (Is 42,1-2). Quando nos deixamos conduzir pelo Espírito Santo não nos comportamos como uma carroça vazia, que faz barulho por onde passa. O barulho é sempre proporcional ao vazio que a pessoa carrega dentro de si. Quanto mais barulho, quanto mais exposição nas redes sociais, maior é o grito de desespero de quem precisa ser reconhecido.

            No lugar do barulho, que faz a pessoa chamar a atenção sobre si mesma, o Espírito Santo nos capacita a levar palavras de conforto à pessoa abatida (cf. Is 50,4), a dizer palavras que ajudem as pessoas que estão como que cegas a voltarem a enxergar esperança para suas vidas, a encorajar as pessoas a desejarem sair da prisão em que se colocaram ou permitiram serem colocadas, a conduzir para a luz aqueles que se entregaram às trevas do desânimo e da falta de sentido para suas vidas (cf. Is 42,7).

            Outra característica da pessoa que se deixa conduzir pelo Espírito Santo: “Não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega; mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3). Sendo uma pessoa habitada pela esperança, ela não joga ninguém fora e não considera nenhum ser humano um caso perdido, mas consegue enxergar o que ainda pode ser recuperado na pessoa. Desse modo, ela tem paciência com aqueles que ainda tropeçam e caem, e aposta na capacidade que cada um tem de levantar-se e de se recolocar no caminho. Ao mesmo tempo, ela tem como objetivo principal “obter a verdade”, isto é, ajudar cada pessoa a se desfazer das suas desculpas e a abraçarem a própria verdade a respeito de si mesmas e da vida.

            Por fim, uma última característica da pessoa batizada que se deixa conduzir pelo Espírito Santo: “Não esmorecerá nem se deixará abater, enquanto não estabelecer a justiça na terra” (Is 42,4). Sustentada pela “força do Alto” (Lc 24,49), ela não se deixa contaminar pelo pessimismo e pelo derrotismo, mesmo vivendo em um mundo contrário aos valores do Evangelho. Livre da necessidade de agradar as pessoas ou de ser aceita por elas, ela se sabe amada por Deus e se mantém firme na missão recebida: tornar o mundo um lugar mais justo e fraterno, ainda que o preço a pagar seja a crítica ou a perseguição. Convicta de que não recebeu um espírito de medo, mas de força (cf. 2Tm 1,7), ela não se dobra, nem se deixa quebrar, pelos ventos que sopram contrários, mas se mantém firme na vocação recebida, sabendo que Deus está com ela (cf. At 10,38).

            Renovemos as promessas do nosso Batismo e a nossa decisão em nos deixar conduzir pelo Espírito Santo de Deus, nos configurando a Jesus Cristo, que “andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio” (At 10,38).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

NOSSA MISSÃO É MANIFESTAR A PRESENÇA DE DEUS ATRAVÉS DA LUZ DA NOSSA ESPERANÇA

 Missa da Epifania (manifestação) do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12.

 

“Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti” (Is 60,2). Seria muito bom se essas palavras do profeta Isaías, dirigidas à cidade de Jerusalém, pudessem retratar a nossa Igreja ou mesmo a vida de cada um de nós. Seria muito bom se as trevas que envolvem a terra e as nuvens que cobrem os povos não nos alcançassem. Contudo, tanto a nossa Igreja como a vida de cada um de nós são atingidas por trevas e nuvens escuras. Quem de nós tem tudo claro em sua vida? Quem de nós não se sente muitas vezes desorientado, perdido, sem rumo? Até mesmo dentro de cada um de nós há áreas escuras, desconhecidas, em relação às quais sentimos medo de nos aproximar.

“Deus é Luz, e nele não há treva alguma” (1Jo 1,5), mas isso não significa que consigamos enxergá-Lo de maneira clara e evidente. Muito pelo contrário, quantas vezes sentimos, como o salmista, que Deus esconde de nós a sua face? “Eu dizia tranquilo: ‘Nada, jamais, me fará tropeçar!’. Senhor, teu favor me firmara sobre fortes montanhas; mas escondeste tua face e eu fiquei perturbado” (Sl 30,7-8). Quem de nós, diante de uma doença, de uma tragédia, de uma perda, não fica perturbado e não se sente perdido na escuridão? Nesses momentos, precisamos suplicar, como o salmista: “Envia tua luz e tua verdade: elas me guiarão” (Sl 43,3).

A resposta a essa súplica está na pessoa de Jesus Cristo, que declarou: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Jesus não disse que Ele é a luz da Igreja, deste ou daquele grupo de pessoas “iluminadas”, mas que Ele é a luz do mundo. Ele nasceu como “salvador do mundo” (Jo 4,42). A luz da verdade do Evangelho deve chegar a todo lugar e pessoa que ainda se encontram nas trevas do erro ou debaixo das nuvens escuras da desorientação. E aqui entra a responsabilidade de cada um de nós: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). As pessoas que convivem conosco precisam enxergar em nós as atitudes de Jesus. Nossa vida deve ser um Evangelho para os outros, especialmente para aqueles que necessitam ver alguma luz em suas vidas.

Os magos do Oriente, representando os povos pagãos, foram atraídos para Jesus por meio de uma estrela. Do mesmo modo, a nossa presença junto das pessoas deve fazer com que elas se sintam atraídas para Jesus. O grande perigo aqui é nós, cristãos, vivermos nosso dia a dia como pagãos, como pessoas mundanas, adotando práticas e costumes que enfraquecem a luz do Evangelho em nós. Ora, como eu posso atrair pessoas para Jesus se eu mesmo não cultivo diariamente o meu vínculo com Ele? Como eu posso ser um evangelho vivo para os outros se minha forma de lidar com o dinheiro, com os meus afetos, com a minha liberdade e sexualidade, com os problemas, sofrimentos e dificuldades, não se diferencia de uma pessoa pagã, que não crê nem em Deus, nem em seu Filho Jesus Cristo? 

“Levanta-te, acende as luzes... Os povos caminham à tua luz” (Is 60,1.3). Apesar de vivermos numa sociedade que entende que a religião é um assunto privado, particular, precisamos nos levantar, nos posicionar perante as pessoas, os assuntos e os acontecimentos e acender as luzes, ou seja, ajudar com que as pessoas enxerguem a realidade a partir da verdade de Deus e que é Deus. Há pessoas à nossa volta necessitando da nossa luz, para poderem caminhar, para reencontrarem direção, rumo, sentido para a própria vida. Se estamos aonde estamos não é por acaso, mas para que ali sejamos a presença do Evangelho para as pessoas com as quais convivemos.

Hoje nossos joelhos se dobram diante do Pai, agradecendo-O pelo nascimento de Seu Filho, manifestação do Seu amor pelo ser humano e do Seu desejo de salvá-lo. Agradecemos cada estrela que o Pai faz brilhar no céu escuro da humanidade, provocando cada ser humano a sair da escuridão em que se encontra e a fazer um caminho de libertação, de amadurecimento, de cura, deixando-se iluminar, conduzir e curar por Aquele que é o Caminho, a resposta à pergunta mais profunda que o ser humano tem de felicidade, de paz e de sentido para a sua vida.

Diante de Jesus, o verdadeiro presente de Deus para a humanidade, os magos “abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). Todo cristão é convidado a oferecer hoje à Igreja e à sociedade humana o seu ouro, isto é, a preciosidade da sua retidão, da sua honestidade, da sua fé e do seu trabalho voluntário. Todo cristão também é convidado a oferecer o seu incenso, isto é, a sua presença sagrada, a força da sua espiritualidade, o perfume que emana da luta pela sua santificação diária. Enfim, todo cristão é convidado a oferecer a sua mirra, o seu dispor-se a estar junto das pessoas que sofrem, colaborando para aliviá-las e consolá-las.    

 

Oração:

 

Meu Deus, eu procuro a Tua face; procuro a Tua verdade. Concede-me uma fé simples e sincera, pois o Senhor sempre se deixa encontrar por quem O procura de coração sincero. Por mais que a minha busca por Ti seja às vezes sofrida, que eu nunca me esqueça de que o Senhor não apenas existe, mas também nunca deixa sem resposta quem Te busca na oração sincera. 

Quero acolher a luz do Teu Filho, acolher o presente que o Senhor oferece a toda a humanidade: a salvação em Teu Filho Jesus. Diante dele dobro meus joelhos, abro o cofre do meu coração e ofereço-me como ouro, incenso e mirra. Ofereço a preciosidade da retidão do meu caráter e do meu serviço, para o bem da Igreja e da sociedade; ofereço a força da minha espiritualidade e o perfume que emana da minha luta em me santificar; enfim, ofereço ao Teu Filho o meu esforço em me colocar como presença cristã junto daqueles que sofrem, para confortá-los e reanimá-los. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi