quinta-feira, 24 de abril de 2025

A VERDADEIRA FÉ NÃO É CERTEZA, MAS CONFIANÇA, APESAR DA DÚVIDA

 Missa do 2º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19,31.

 

São Lucas nos apresenta um retrato da nossa Igreja no século I, por volta dos anos 80, após a ressurreição de Jesus e a vinda do Espírito Santo: “Crescia sempre mais o número dos que aderiam ao Senhor pela fé” (At 5,14). Essa afirmação contrasta com a crescente perda de fé das pessoas no mundo todo, de modo que a “religião” que mais cresce no mundo – também no Brasil, conforme o censo de 2022 – é a dos “sem religião”. Embora durante o pontificado do Papa Francisco o número de católicos que abandonam a nossa Igreja tenha caído pela metade em nosso País (conforme revelou o censo de 2022), continua a aumentar o número das pessoas que escolhem não ter nenhuma religião, e isso não apenas por desencanto com igrejas e religiões, mas, sobretudo por desencanto com o próprio Deus.  

Neste segundo domingo da Páscoa nos deparamos com a falta de fé de Tomé. Primeiro, ele não teve fé na palavra da Igreja, isto é, dos demais apóstolos, que lhe disseram: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,25). Segundo, ele não teve fé na própria ressurreição de Jesus, a ponto de exigir uma experiência particular: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). Essa exigência de Tomé está presente hoje não só na necessidade de ver, mas também se sentir a presença de Deus. O mundo atual só crê no que vê e no que sente, reduzindo a fé a uma sensação, a uma emoção. Pregadores que levam os fiéis à emoção são os que mais têm suas igrejas e redes sociais lotadas de “seguidores”.  

Reduzir a fé a uma emoção tem dois problemas: primeiro, emoções passam, mudam e acabam rapidamente; segundo, nem Deus, nem a religião são uma espécie de droga fabricada para provocar emoção nas pessoas e mantê-las distantes da realidade que são chamadas a enfrentar. Como afirmou Davide Caldirola, “a verdadeira fé é aquela que nos salva nas tempestades e não das tempestades da vida”. Sempre que tentamos transformar Deus numa proteção que nos mantém blindados contra a vida, ou impedindo-nos de sermos feridos, machucados, Ele nos deixa falando sozinhos, até que a nossa fé desista de fabricar um deus à nossa imagem e semelhança e aceite a imagem do verdadeiro Deus: Cristo, o Ressuscitado que traz em seu corpo as marcas do Crucificado.  

Outro grande problema da nossa fé é o imediatismo, a incapacidade de esperar em Deus. Porque plantamos a semente da fé ontem, no chão da nossa vida, queremos colher hoje, nos esquecendo de que “a estação do milagre não é aquela da semeadura, nem a da colheita; é aquela da espera” (Davide Caldirola). Uma fé que não se desdobra em esperança não suporta as demoras de Deus. Uma fé que chora o tempo todo, desejando o leite das consolações de Deus, não é uma fé adulta, mas infantil, uma fé que não se mantém junto do Deus de toda a consolação, mesmo quando Ele não nos dá consolação alguma.   

Um engano muito comum, quando falamos de fé, é pensar que, se temos fé, não podemos duvidar. Na verdade, a fé verdadeira tem espaço para a dúvida. Muitas pessoas, por não suportarem os questionamentos do mundo, trocaram a fé pelo fundamentalismo. “O fundamentalismo é um distúrbio de uma fé que tenta entrincheirar-se no meio das sombras do passado, defendendo-se da perturbadora complexidade da vida” (Pe. Tomás Halík, A noite do confessor, p.35). São exatamente esses católicos fundamentalistas que rejeitaram o magistério do Papa Francisco e que comemoraram a sua morte, postando em suas redes sociais: “Já foi tarde!”.

Totalmente oposta ao fundamentalismo, a fé não é certeza, mas confiança. Eu não vejo, não sinto e não entendo o agir de Deus em minha vida; mesmo assim, eu confio no Seu agir. Neste sentido, devemos nos lembrar das palavras que um grupo de judeus deixou escritas numa pedra, na cidade de Colônia, Alemanha, durante a segunda guerra mundial: “Creio no Sol, mesmo quando não brilha; creio no Amor, mesmo quando não o sinto; creio em Deus, mesmo quando Ele se cala”. Isso é fé!

No momento em que Jerusalém estava sitiada por dois povos aliados contra ela, e o rei e o povo estavam tremendo de medo, Deus mandou Isaías dizer: “Se vocês não tiverem fé, não conseguirão manter-se firmes” (Is 7,9). É como se Deus dissesse: “Se vocês não se atreverem a se apoiar em mim, jamais poderão experimentar que são amparados”. A fé é exatamente isso: apoiar-me no Crucificado Ressuscitado, fundando sobre ele a minha vida e buscando, unicamente nele, estabilidade, segurança e perseverança. Que a nossa oração hoje seja a daquele pai, cuja falta de fé foi criticada por Jesus: “Eu creio, Senhor! Ajuda a minha falta de fé!” (Mc 9,24). Supliquemos, cantando: “Meus Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam!” (Oração do Anjo de Fátima).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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