Domingo de Ramos da Paixão do Senhor. Palavra de Deus: Lucas 19,28-40; Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 23,1-49.
Hoje fazemos memória da entrada de Jesus
em Jerusalém. Ele entra na cidade montado num jumentinho (cf. Lc 19,35) e não
num cavalo, porque ele é manso e humilde, e não agressivo e violento. Como gostamos
de nos sentir: Fortes ou fracos? Perdedores ou vencedores? Como quem sobe ou como
quem desce? Com quem nos identificamos: com o Cordeiro ou com o leão? Enquanto
nossas escolhas vão numa direção, Jesus escolhe a direção oposta: “esvaziou-se a si mesmo”, “assumiu
a condição de escravo”, “humilhou-se a si mesmo”, “fez-se obediente até a
morte” (Fl 2,7-8). Por qual motivo? Por causa da fidelidade à sua missão:
salvar. Ele veio responder à nossa súplica: “Hosana!”, que significa “Dai-nos
salvação!”. Eis a grande verdade: somente um Desgraçado pode salvar os desgraçados; somente
um Condenado
pode salvar os condenados; somente um Deus ferido pode salvar uma humanidade
ferida.
Outra grande verdade que o dia de hoje
nos revela: não existe salvação sem sacrifício. Não existe salvação para um
relacionamento, quando um dos dois ou ambos não estão dispostos a sacrificar-se
pelo mesmo. Não existe salvação para os filhos quando os pais não estão
dispostos a se sacrificarem por eles, e vice-versa. E assim é também com o
ambiente de trabalho, com a comunidade de fé, com a cidade; enfim, com o mundo
no qual nos encontramos. Não nos esqueçamos disso: onde não há sacrifício, não
há salvação.
Na oração inicial da missa de hoje nós
pedimos que o Pai nos conceda aprender o ensinamento da paixão (sofrimento) de
seu Filho, para podermos ressuscitar com ele em sua glória. O primeiro ensinamento
da paixão de Jesus é a constatação da sua inocência: “Não encontro neste homem
nenhum crime” (Lc 23,4); “Ele nada fez para merecer a morte” (Lc 23,15); “Não
encontrei nele nenhum crime que mereça a morte” (Lc 23,22). O que ainda existe
de inocência em nós? Como eu lido com o fato de sofrer algum tipo de acusação
injusta, como Jesus sofreu? Eu confio na justiça de Deus?
O segundo ensinamento da paixão de Jesus
é a constatação de que nós estamos cada vez mais nos identificando com o mal: “A gritaria deles aumentava sempre
mais. Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. Soltou
o homem que eles queriam — aquele que fora preso por revolta e homicídio — e
entregou Jesus à vontade deles” (Lc 23,23-25). Nosso modelo não é o Cordeiro
que dá a vida, mas o leão que destrói a vida. Exemplo concreto: Andrew Tate,
incitador de violência contra mulheres, tem 10 milhões de seguidores nas suas
redes sociais. A rede social mais acessada no mundo, sobretudo por crianças e
adolescentes, se chama Tik Tok, a
qual propaga milhões de vídeos de violência que banalizam a vida de seres
humanos e de animais.
O terceiro ensinamento da paixão de
Jesus é uma lamentação dele para com a nossa geração: “Chorai por vós mesmas e por
vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não
farão com a árvore seca?” (Lc 23,28.31). Chorem por vocês mesmos, pais, que dão
celulares para seus filhos pequenos para que eles os deixem em paz, enquanto
eles começam desde cedo a se viciarem nas telas. Chorem por vocês mesmos, pais,
que acreditam ingenuamente que o fato de seus filhos estarem no quarto
navegando na Internet significa que eles estão seguros. Chorem por vocês mesmos,
crianças e adolescentes, que têm preguiça de ler um livro, que estão viciadas
em jogos e vídeos, que se fecham para seus pais, mas se abrem para estranhos
nas redes sociais. Chore por você mesmo(a), árvore seca, pessoa que não cria
raiz em Deus, mas vive como folha seca que o vento das redes sociais empurra
para onde quer.
O quarto ensinamento da paixão de Jesus é a libertação
de todo tipo de condenação. Um homem, condenado por seus crimes, suplica: “Jesus,
lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu: “Em
verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,42-43).
Lembra-te de nós, Senhor, humanidade adoecida, desorientada, exposta ao mal ao
mesmo tempo em que propaga o mal com suas atitudes. Lembra-te de nós, Senhor, consumidores
que exploram os recursos naturais como se eles fossem inesgotáveis, que não nos
dispomos a fazer algo de concreto pela preservação do meio ambiente. Lembra-te
de nós, que não nos dispomos a mudar os nossos hábitos, mesmo sabendo que eles
continuam a favorecer a destruição e a morte, para nós mesmos e para as
gerações futuras.
O quinto ensinamento de Jesus é a sua entrega às
mãos do Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Nós vivemos
todos os dias nas mãos da ansiedade, do medo, da insegurança com relação a algo
de ruim que possa nos acontecer. Jesus nos convida a substituir a ansiedade e o
medo pela confiança, através de uma entrega incondicional ao Pai: “Meu Pai, que me
deu essas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatar coisa alguma das
mãos do Pai” (Jo 10,29). “Humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que
no momento oportuno Ele exalte vocês; lancem n’Ele todas as suas preocupações,
porque é Ele quem cuida de vocês” (1P 5,6-7).
O sexto ensinamento da paixão de Jesus é
a nossa atitude de olhar o sofrimento dos outros como quem assiste a um
espetáculo: “As
multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido e
voltaram para casa, batendo no peito” (Lc 23,48). A tradução mais fiel ao texto
bíblico é: “E toda a multidão que havia acorrido para ver o espetáculo...” (Lc
23,48), tradução da Bíblia de Jerusalém. As redes sociais nos presenteiam com
fotos e vídeos de tragédias, de violência e, inclusive de suicídio de adolescentes
e jovens, e nós assistimos a tudo isso como quem assiste a um espetáculo.
Precisamos “bater no peito”, atitude bíblica de arrependimento, de quem se
pergunta: Por que o nosso nível de humanidade está tão baixo? Por que a dor do
outro não provoca indignação em mim? Como é que eu me tornei um doente no meio
de uma sociedade doente, um cínico no meio de uma sociedade cínica, um
indiferente no meio de uma sociedade indiferente à dor do outro?
Hosana! Dai-nos salvação, Senhor Jesus!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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