Missa do 27º dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 2,18-24; Hebreus 2,9-11; Marcos 10,2-12 (forma breve).
O ser humano não foi criado para a
solidão, mas para a comunhão: “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma
auxiliar semelhante a ele” (Gn 2,18). Ao mesmo tempo, só pode conviver com o
outro quem aprendeu a conviver primeiro consigo mesmo. Nós não somos pedaços de
pessoas que precisam encontrar outros pedaços de pessoas para nos tornarmos uma
pessoa inteira. A primeira pessoa que precisa ser sua companhia é você
mesmo(a). Só pode amar alguém quem aprendeu a amar a si mesmo(a).
Apesar do desejo de Deus de que o ser
humano não esteja só, a solidão é hoje a realidade da maioria das pessoas, seja
por fatores externos, seja por uma escolha interna. Além disso, se Adão não
encontrou entre os animais um ser humano como ele, hoje é cada vez maior o
número de pessoas que escolhem animais para conviver, pois estes retribuem ao
amor que recebem, além de demonstrarem ser mais “humanos” do que as pessoas.
Estranho mundo esse em que vivemos!!! A incapacidade de conviver com outro ser
humano tem levado pessoas, em alguns países da Europa, a pedirem autorização da
Justiça para se casarem com animais! Progresso ou regressão? Evolução ou
involução? São os animais que estão cada vez mais humanizados, ou somos nós que
estamos cada vez mais desumanizados? Uma coisa é fato: o encanto por animais é
consequência direta do desencanto com as pessoas.
Numa época em que as separações superam
as uniões e a opção por não se casar, mas apenas morar junto, é infinitamente
maior do que a decisão em se casar, a pergunta que os fariseus fizeram a Jesus
a respeito do divórcio é profundamente necessária: tem sentido ainda hoje se
casar? Jesus entende que a lei do divórcio, dada no séc. XII aC por causa da
dureza de coração dos israelitas, não pode, de maneira alguma, ser mais
importante do que o projeto original de Deus para o ser humano: “Desde o começo
da criação, Deus os fez homem e mulher” (Mc 2,6). Homem e mulher são dois seres
humanos, iguais em dignidade, para profundamente diferentes. O divórcio é
justamente a incapacidade de conviver com alguém diferente de mim. Como eu não
consegui transformar a pessoa na minha imagem e semelhança, eu decido me
separar dela.
Obviamente que essa não é a única causa
do divórcio. Além disso, há inúmeros “casais de segunda união” que vivem de
maneira muito mais cristã e respeitosa do que casais vinculados pelo sacramento
do matrimônio. Se Jesus entende que a ação pastoral da Igreja deve ser guardar
as noventa e nove ovelhas num lugar seguro e ir atrás daquela que se extraviou
(cf. Mt 18,12-14), a nossa ação pastoral junto às famílias funciona exatamente
no sentido contrário: enquanto cuidamos de uma família “tradicional”, nos
mantemos quase que totalmente ausentes da realidade das noventa e nove famílias
em situação “irregular”, agindo exatamente na direção contrária de Jesus e do
Evangelho.
A pergunta não pode ser reduzida ao
estado de divórcio ou de casamento, mas à razão pela qual o divórcio aconteceu
e como a atual família está vivendo. “Há também o caso daqueles que fizeram
grandes esforços para salvar o primeiro matrimônio e sofreram um abandono
injusto, ou o caso daqueles que contraíram uma segunda união em vista da
educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de
que o precedente matrimônio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido
válido” (Papa Francisco, AL n.298).
“Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a
confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta
ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo
tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem
possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus
espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que
permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos
verdadeiramente entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos
a força da ternura” (Papa Francisco, AL
n.308).
Jesus deixa claro que todo divórcio
expõe o homem e a mulher ao adultério, ao se contrair uma nova união. No
entanto, o próprio Jesus já havia alertado que o adultério nasce no coração,
quando os nossos desejos estão desordenados (cf. Mt 5,28). A nossa geração
escolheu abrir mão da consciência e entregar à emoção, ao sentimento, à paixão,
a (ir)responsabilidade pelas nossas escolhas e decisões. Deixamos de nos
comportar como adultos perante a vida, sobretudo afetiva, e damos livre curso aos
nossos desejos e afetos desordenados, como é comum acontecer com qualquer
adolescente. Desse modo, machucamos e somos machucados, desencantamos pessoas e
nos desencantamos com pessoas. Somos, na verdade, uma geração adúltera porque
não estamos dispostos a frustrar nenhum dos nossos desejos: entre pagar o alto
preço da fidelidade e desfrutar das inúmeras ofertas baratas e ilusórias de
prazer momentâneo, não é difícil saber qual será a nossa escolha. Enfim, não
nos esqueçamos de que adúlteros são também os pregadores moralistas que
condenam ao inferno casais em segunda união, enquanto eles mesmos não vivem a
vida de castidade que aparentemente ostentam.
O mal do divórcio ganhou um
fortíssimo aliado, no mundo atual. O adultério hoje está na palma da nossa mão:
o celular. A facilidade de acesso a fotos e vídeos é um grande problema, especialmente
para as pessoas casadas. Mas a causa do divórcio nem sempre é a infidelidade
conjugal. Há também o problema da má administração financeira, os baixos
salários, as dívidas, a compulsão em comprar etc. Há ainda a influência de um
dos pais (a dependência infantil de um dos cônjuges em relação à mãe), que
sempre interfere na relação conjugal. Há ainda os maus conselhos dos colegas de
trabalho, cujo casamento fracassou e eles se tornaram ótimos especialistas em “como
destruir seu casamento”.
Sejam quais forem as portas de
entrada que abrimos para o adultério e para o divórcio, só existe um
interessado em destruir o casamento e ferir a família: o Maligno. Ele é o
divisor; sua especialidade é dividir, separar, quebrar, desintegrar, fazer voar
em pedaços aquilo que Deus uniu. Não que ele possa disputar com Deus, mas ele
ataca o ponto fraco do sacramento do matrimônio: o casal, que ao longo do tempo
deixa de trabalhar em sintonia com Deus e começa a ter atitudes que sabotam o
que Deus uniu. Por isso, que os casais olhem para a própria aliança que
carregam na mão esquerda e se perguntem se suas atitudes, representadas pelas
próprias mãos, estão trabalhando para, de fato, manter unido o que Deus uniu.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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