quinta-feira, 17 de outubro de 2024

O CÁLICE

 Missa do 29º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 53,10-11; Hebreus 4,14-16; Marcos 10,27-37.

 

            “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir” (Mc 10,35). Essas palavras de Tiago e João nos colocam novamente no contexto do Ano da Oração, proposto pelo Papa Francisco, e nos questionam sobre o que costumamos pedir a Deus, quando rezamos. Eis o pedido desses dois irmãos a Jesus: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” (Mc 10,37). O problema é que esse pedido aconteceu imediatamente após Jesus ter declarado aos discípulos que estava indo para Jerusalém e lá seria condenado à morte, mas depois ressuscitaria (cf. Mc 10,32-34). Ora, por que Tiago e João não pediram para serem crucificados um à direita e outro à esquerda de Jesus? Porque eles eram como nós, cujo instinto de preservação fala sempre mais alto do que o desejo de doar a vida por uma causa.   

            A resposta de Jesus aos dois irmãos se divide em duas partes: primeiro, um alerta; depois uma pergunta. Este é o alerta: “Vós não sabeis o que pedis” (Mc 10,38). Aqui podemos nos recordar das palavras do apóstolo Paulo, a respeito da nossa vida de oração: “Não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós... segundo Deus” (Rm 8,26-27). Quando pedimos algo a Deus na oração, sempre visamos aquilo que pensamos ser necessário para a nossa felicidade, mas o Espírito Santo sabe o que de fato convém à nossa salvação. Por isso, sua intercessão não vai no sentido de que Deus faça por nós o que queremos, mas aquilo que Ele, Deus, sabe ser realmente necessário para a nossa salvação. Portanto, a primeira pergunta a ser feita é: eu realmente sei o que estou pedindo a Deus quando rezo? Será que aquilo que eu estou pedindo corresponde, de fato, aos desígnios de Deus a meu respeito?

            Após este alerta, Jesus lança uma pergunta aos dois irmãos, que queriam estar um à sua direita e outro à sua esquerda, na glória: “Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?” (Mc 10,38). Antes de ressuscitar e de voltar para a glória do Pai, Jesus precisava beber o cálice do sofrimento da cruz, e como todo ser humano, ele sentiu em si uma forte rejeição a esse cálice: “Pai, tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36). Aqui está a diferença entre a nossa oração e a oração de Jesus: a nossa para na primeira parte – afasta de mim este cálice! –; a de Jesus vai até o fim: “contudo, não se faça como eu quero, mas como Tu queres!”. Aqui também entra um princípio inaciano sobre a nossa vida de oração: a oração bem sucedida não é aquela em que você conseguiu dobrar Deus à sua vontade, mas aquela da qual você saiu disposto(a) a abraçar a vontade de Deus para a sua vida.

            Mas, que Pai é esse que deseja que um filho seu beba o cálice do sofrimento? Na verdade, o cálice do sofrimento não foi preparado pelo Pai, mas pelos homens que rejeitaram Jesus e o mataram. O Pai não pediu ao seu Filho para morrer numa cruz; pediu apenas que Ele amasse até o fim. Assim também é conosco: Deus não produz sofrimento em nossa vida; o que Ele pede é que nós não nos desviemos do sofrimento que faz parte da nossa fidelidade à missão que Ele nos confiou. Dentro do cálice da nossa existência a vida não derrama somente o vinho doce da alegria, mas também as lágrimas amargas de uma dor que não escolhemos vivenciar e que cabe a nós beber, não a outra pessoa. Neste sentido, pais que impedem seus filhos de beberem o cálice da frustração os tornam incapazes de enfrentarem a vida de cara limpa.  

            Olhemos agora para os outros dez discípulos. A indignação deles em relação a Tiago e João escondia a inveja de quem não teve a coragem de fazer o mesmo pedido a Jesus. Por conhecer o coração humano, Jesus desafiou os Doze a se desfazerem da pretensão de serem grandes, segundo os padrões do mundo, e escolherem se fazer pequenos, servos; mais do que servos, escravos, imitando o próprio Jesus, que veio para servir e dar sua vida em resgate por muitos. Ora, todo resgate tem um preço, e esse preço está dentro do cálice a ser bebido. A questão, para cada um de nós, é esta: o que eu estou disposto(a) a sacrificar para resgatar aquilo que é precioso para mim? Estou vivendo minha existência a partir do desfrutar – o que a vida tem a me oferecer? –, ou a partir do doar-me – o que eu tenho a oferecer à vida?  

               Para todos aqueles que decidiram seguir Jesus amando até o fim e bebendo do cálice que lhes cabe beber neste momento, a carta aos Hebreus encoraja: “Permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas... Aproximemo-nos, então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,14-16). Recordemos também as palavras do salmista: “O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria” (Sl 33,18-19). Façamos nossa a sua oração: “Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl 33,22).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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