Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52.
Estamos diante do último milagre de Jesus no
Evangelho de São Marcos: a cura do cego Bartimeu. Bartimeu não nasceu cego, mas
perdeu a visão em algum momento da sua vida. Ele é o nosso retrato. Nós também
perdemos a visão: deixamos de enxergar um horizonte para a nossa vida; deixamos
de enxergar a beleza e o valor da pessoa pela qual um dia nos apaixonamos;
deixamos de ver sentido na missão que abraçamos; deixamos de enxergar Deus
junto a nós; a rotina e a correria da vida tiraram de nós a capacidade de
enxergar as pessoas com as quais moramos, convivemos e/ou trabalhamos; para agravar
a nossa cegueira, nossos olhos vivem grudados numa tela – grudados porque
viciados –, um vício que nos torna cegos para o que está acontecendo à nossa
volta.
De uma certa forma, a cegueira de Bartimeu é o retrato da nossa fé: nós
não podemos ver Deus. O apóstolo Paulo afirma que nós “caminhamos pela fé, não
pela visão clara” (2Cor 5,7). Num momento de grande aflição na sua vida, quando
não enxergava mais solução para o seu problema, Agar, escrava de Sara, esposa
de Abraão, foi chorar perto de uma fonte no deserto. Ali Deus falou com ela, e
Agar chamou Deus de “El-Roí”, que pode ser traduzido por: “Tu és o Deus que me
vê (que vê a minha aflição) e me faz ver, quando eu não via mais saída para a
minha vida” (cf. Gn 16,7-14). O Deus que não podemos ver nos vê – conhece o que
se passa conosco – e nos faz ver, nos devolve a capacidade de enxergar a vida
para além do problema que estamos enfrentando agora.
Bartimeu não podia ver, mas podia
gritar: “Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a
gritar: ‘Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!’” (Mc 10,47). A fé é
exatamente isso: eu grito Àquele que não vejo, mas que sei que me ouve:
“Naquele dia em que gritei, vós me escutastes e aumentastes o vigor da minha
alma” (Sl 138,3). Mesmo sendo repreendido para que se calasse, Bartimeu gritava
mais ainda, até ser ouvido por Jesus. Talvez muitos hoje desencoragem você a
rezar, a gritar a Deus... A quais pessoas você dá ouvidos: àquelas que lhe
dizem que não adianta gritar, porque Deus não escuta, ou àquelas que lhe dizem:
“Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (Mc 10,49)?
Quando Bartimeu se colocou diante de
Jesus, este lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” (Mc 10,51). Jesus
sabia que Bartimeu era cego, mas sua pergunta era necessária para que tomasse
consciência do que de fato ele queria para a sua vida. O que eu quero que Jesus
me faça: que Ele me dê apenas um anestésico para a minha dor ou que coloque o
dedo na minha ferida mais profunda e a faça sangrar, para poder ser tratada e curada?
Quero que Jesus me carregue no colo ou que fortaleça as minhas pernas para que
eu continue o meu caminho de seguimento d’Ele como verdadeiro discípulo? Quero
que Jesus resolva todos os meus problemas num passe de mágica ou que me dê
força e sabedoria para colocar em ordem a minha vida?
Bartimeu tinha plena consciência do que
queria: “Mestre, que eu possa ver novamente!”. A tradução do texto litúrgico simplificou
a palavra do texto grego (“anablepo”),
língua original em que foi escrito o Evangelho. Bartimeu não pediu apenas para “ver”,
“enxergar”, mas para “ver de novo”, o que comprova que ele não havia nascido
cego. Eis a questão: você quer voltar a enxergar? Diante da sua decisão em não
mais querer ver, para, quem sabe, não se responsabilizar, você quer voltar a
ver e, consequente, se comprometer no processo da cura, da mudança, da
libertação do problema que lhe aflige? Você quer voltar a se responsabilizar
por sua história de vida e pela missão que você é?
Eis a resposta de Jesus ao pedido de
Bartimeu: “Vai, a tua fé te curou” (Mc 10,52). A fé que me cura é a fé que não
desiste de gritar ao Deus que eu não vejo, mas que me vê! A fé que me cura é a
fé que não perde a coragem de gritar, mesmo quando muitos me dizem: “Não
adianta!”. A fé que me cura é aquela que, mesmo quando me sinto numa situação de
exílio, abandonado por Deus, continuo a clamar: “Mudai a nossa sorte, ó Senhor,
como torrentes no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas colherão
com alegria” (Sl 126,4-5). A fé que me cura é aquela que me faz seguir Jesus
continuamente, no cotidiano da minha vida, exatamente como Bartimeu: “ele
recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho” (Mc 10,52); seguia continuamente,
fielmente, permanentemente.
Não nos esqueçamos: “caminhamos pela fé,
não pela visão clara” (2Cor 5,7). O que nos mantém no seguimento de Jesus
Cristo não é o que vemos, mas o que cremos. Não é o fato de vermos tudo
claramente que nos faz caminhar, mas o fato de que cremos, amamos e nos
deixamos conduzir por Aquele que nos vê e nos faz ver além das cegueiras do
nosso tempo.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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