Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 16,2-4.12-15; Efésios 4,7.20-24; João 6,24-35
Assim como aconteceu com o povo de
Israel, diversas vezes em nossa vida teremos que atravessar um deserto. Isso é
condição para entrarmos numa nova situação de vida; é a passagem necessária
apontada pelo apóstolo Paulo: nos despojarmos do homem velho e nos revestirmos
do homem novo; rompermos com uma situação que nos adoece e nos deixa prostrados
para iniciarmos uma nova fase em nossa vida, na qual a nossa existência volta a
ter sentido, na qual podemos fazer a experiência de um renascimento.
O grande problema do deserto é a fome.
Enquanto nos encontramos numa situação de deserto, a nossa mão, a nossa força,
se tornam impotentes. Não podemos viver daquilo que somos capazes de produzir,
mas unicamente daquilo que Deus nos concede. E aí surge a grande tentação:
voltar para o Egito; desistir de fazer a travessia para uma vida mais digna;
voltar para uma situação na qual, apesar do adoecimento e da escravidão, não
tínhamos que passar fome: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor
no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com
fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta
gente?” (Ex 16,3).
Deus, que deseja uma vida plena para
cada ser humano, nos convida a enfrentar a travessia do deserto, mantendo
nossos passos firmes em direção ao futuro e não desejando voltar à escravidão
do passado: “Eis que farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá
diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à
prova, para ver se anda ou não na minha lei” (Ex 16,4). Eis o retrato da nossa
fé: viver daquilo que Deus nos dá a cada dia; viver na absoluta dependência
d’Ele, sem nos garantir por nós mesmos, sem acumular para não precisarmos
esperar pelo socorro diário do Senhor.
Aquele pão descido do céu – o maná, tradução da pergunta “o que é
isto?” (man hu?) era apenas uma
figura de Jesus, o pão vivo descido do céu: “É meu Pai que vos dá o verdadeiro
pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”
(Jo 6,32-33). Jesus é a resposta de Deus à pergunta do ser humano por vida, por
sentido e por salvação. Mas o próprio Jesus questiona a nossa fome: “Vocês
estão me procurando não porque viram sinais, mas porque comeram pão e ficaram
satisfeitos. Esforcem-se não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que
permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem lhes dará” (Jo 6,26-27).
Eis a questão principal: pelo quê nos
esforçamos na vida? No quê investimos nosso dinheiro? Pelo quê trabalhamos? Antes
de mais nada, precisamos nos dar conta de que o convite de Jesus –
“Esforcem-se” – está na contramão da cultura do bem estar: o desejo de uma vida
sem esforço, sem luta, sem sacrifício, sem ter que atravessar qualquer tipo de
deserto, uma vida na qual tudo nos é dado de graça, uma vida garantida pelos
bens materiais, de modo que não tenhamos que depender de Deus, no sentido de
esperar pelo Seu socorro.
Segundo Jesus, a fé não é uma atitude
passiva perante a vida, mas ativa. Trata-se de nos esforçar, de nos
desacomodar, de buscarmos diariamente o Senhor na Palavra e na Eucaristia, de
nos colocarmos a cada dia no seu seguimento, atravessando o deserto deste mundo
ilusório e passageiro para alcançarmos a verdadeira vida, a vida eterna. A fome
mais profunda que nos habita não se encontra em nosso estômago, mas em nossa
alma, em nosso coração. Justamente porque não compreendemos essa fome é que
damos respostas erradas a ela, caindo na armadilha do consumismo, correndo
atrás do vazio e nos sentindo sempre mais vazios.
Algumas perguntas que a Palavra de Deus
nos coloca no dia de hoje:
1.
Eu
suporto atravessar uma situação de deserto para me libertar da prisão do
passado e alcançar uma vida que está aberta ao futuro? Eu suporto passar um
tipo específico de fome que é próprio do deserto que estou atravessando? Eu
confio na providência de Deus ou continuo a desperdiçar minhas forças na
tentativa de fazer brotar alimento do chão do meu deserto?
2.
O
velho não responde mais. Contudo, o novo não é um remendo, mas um despir-se
totalmente do velho e um revestir-se por inteiro do novo. Estou disposto a me
tornar novo a partir de dentro, ou busco apenas uma roupa nova, uma
“harmonização facial” incapaz de fazer-me sentir uma pessoa nova a partir de
dentro?
3.
Meu
esforço diário está reduzido a um materialismo rasteiro? O que eu espero de
Jesus: um milagre temporário para uma vida temporária, ou busco nele a
verdadeira Vida? Eu suporto a transitoriedade da vida presente, com suas
perguntas não respondidas e com suas lacunas não preenchidas, sabendo que só na
eternidade terei todas as respostas e minhas lacunas todas preenchidas? Eu
entendo e aceito que, enquanto estiver neste mundo, há uma dor que deve doer em
mim e que só será extinguida quando eu estiver face a face com Deus?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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