sexta-feira, 2 de agosto de 2024

PELO QUÊ VOCÊ SE ESFORÇA NA VIDA?

 Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 16,2-4.12-15; Efésios 4,7.20-24; João 6,24-35

 

Assim como aconteceu com o povo de Israel, diversas vezes em nossa vida teremos que atravessar um deserto. Isso é condição para entrarmos numa nova situação de vida; é a passagem necessária apontada pelo apóstolo Paulo: nos despojarmos do homem velho e nos revestirmos do homem novo; rompermos com uma situação que nos adoece e nos deixa prostrados para iniciarmos uma nova fase em nossa vida, na qual a nossa existência volta a ter sentido, na qual podemos fazer a experiência de um renascimento.

O grande problema do deserto é a fome. Enquanto nos encontramos numa situação de deserto, a nossa mão, a nossa força, se tornam impotentes. Não podemos viver daquilo que somos capazes de produzir, mas unicamente daquilo que Deus nos concede. E aí surge a grande tentação: voltar para o Egito; desistir de fazer a travessia para uma vida mais digna; voltar para uma situação na qual, apesar do adoecimento e da escravidão, não tínhamos que passar fome: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?” (Ex 16,3).

Deus, que deseja uma vida plena para cada ser humano, nos convida a enfrentar a travessia do deserto, mantendo nossos passos firmes em direção ao futuro e não desejando voltar à escravidão do passado: “Eis que farei chover para vós o pão do céu. O povo sairá diariamente e só recolherá a porção de cada dia a fim de que eu o ponha à prova, para ver se anda ou não na minha lei” (Ex 16,4). Eis o retrato da nossa fé: viver daquilo que Deus nos dá a cada dia; viver na absoluta dependência d’Ele, sem nos garantir por nós mesmos, sem acumular para não precisarmos esperar pelo socorro diário do Senhor.

Aquele pão descido do céu – o maná, tradução da pergunta “o que é isto?” (man hu?) era apenas uma figura de Jesus, o pão vivo descido do céu: “É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,32-33). Jesus é a resposta de Deus à pergunta do ser humano por vida, por sentido e por salvação. Mas o próprio Jesus questiona a nossa fome: “Vocês estão me procurando não porque viram sinais, mas porque comeram pão e ficaram satisfeitos. Esforcem-se não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem lhes dará” (Jo 6,26-27).

Eis a questão principal: pelo quê nos esforçamos na vida? No quê investimos nosso dinheiro? Pelo quê trabalhamos? Antes de mais nada, precisamos nos dar conta de que o convite de Jesus – “Esforcem-se” – está na contramão da cultura do bem estar: o desejo de uma vida sem esforço, sem luta, sem sacrifício, sem ter que atravessar qualquer tipo de deserto, uma vida na qual tudo nos é dado de graça, uma vida garantida pelos bens materiais, de modo que não tenhamos que depender de Deus, no sentido de esperar pelo Seu socorro.

Segundo Jesus, a fé não é uma atitude passiva perante a vida, mas ativa. Trata-se de nos esforçar, de nos desacomodar, de buscarmos diariamente o Senhor na Palavra e na Eucaristia, de nos colocarmos a cada dia no seu seguimento, atravessando o deserto deste mundo ilusório e passageiro para alcançarmos a verdadeira vida, a vida eterna. A fome mais profunda que nos habita não se encontra em nosso estômago, mas em nossa alma, em nosso coração. Justamente porque não compreendemos essa fome é que damos respostas erradas a ela, caindo na armadilha do consumismo, correndo atrás do vazio e nos sentindo sempre mais vazios.

Algumas perguntas que a Palavra de Deus nos coloca no dia de hoje:


1.      Eu suporto atravessar uma situação de deserto para me libertar da prisão do passado e alcançar uma vida que está aberta ao futuro? Eu suporto passar um tipo específico de fome que é próprio do deserto que estou atravessando? Eu confio na providência de Deus ou continuo a desperdiçar minhas forças na tentativa de fazer brotar alimento do chão do meu deserto?

2.      O velho não responde mais. Contudo, o novo não é um remendo, mas um despir-se totalmente do velho e um revestir-se por inteiro do novo. Estou disposto a me tornar novo a partir de dentro, ou busco apenas uma roupa nova, uma “harmonização facial” incapaz de fazer-me sentir uma pessoa nova a partir de dentro?

3.      Meu esforço diário está reduzido a um materialismo rasteiro? O que eu espero de Jesus: um milagre temporário para uma vida temporária, ou busco nele a verdadeira Vida? Eu suporto a transitoriedade da vida presente, com suas perguntas não respondidas e com suas lacunas não preenchidas, sabendo que só na eternidade terei todas as respostas e minhas lacunas todas preenchidas? Eu entendo e aceito que, enquanto estiver neste mundo, há uma dor que deve doer em mim e que só será extinguida quando eu estiver face a face com Deus?

 

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

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