Missa do 19º dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,4-8; Efésios 4,30 – 5,2; João 6,41-51.
Este é o terceiro domingo em que
lemos um trecho do capítulo 6 do Evangelho segundo são João. Jesus, primeiro,
alimentou uma multidão de cinco mil pessoas. Quando essa multidão voltou a procurá-lo
no dia seguinte, Ele a convidou a se esforçar não pelo alimento que se perde,
mas pelo alimento que permanece até a vida eterna (Evangelho de domingo
passado). Já o Evangelho de hoje nos deixa entrever que a multidão foi embora;
por enquanto, ainda estão com Jesus três grupos de pessoas: os judeus, um grupo
de discípulos e os Doze. Por sua vez, o texto que acabamos de ouvir nos fala da
resistência dos judeus em crer nas palavras de Jesus – concretamente, em crer
na sua Pessoa como Pão que desceu do céu. Na sequência de Jo 6, os judeus irão
embora, seguido pelo grupo dos discípulos, permanecendo com Jesus somente os
Doze.
Como Jesus entendeu esse aparente “fracasso”
na sua vida: das cinco mil pessoas que estavam com Ele, permaneceram somente
doze? Serenamente, Ele concluiu: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou
não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,44). Crer em Jesus é
levantar-se e colocar-se em movimento, na direção da sua Pessoa – “vir a mim”.
É justamente esse movimento que faz com que aquele que crê passe de uma
situação de morte para uma situação de vida. Mas esse movimento não depende
somente da vontade humana; há uma força misteriosa que age dentro da pessoa que
a faz sentir-se atraída para Jesus: só o Pai pode atrair alguém para o Filho.
Portanto, a fé não é obra humana, não é resultado da vontade humana, mas da
ação de Deus no interior da pessoa.
Muitas pessoas de fé sofrem por não
conseguirem “levar” seus familiares e amigos a Jesus. Elas precisam acalmar seu
coração, procurar viver sua vida cotidiana segundo o Evangelho e orar ao Pai,
pois só Ele pode atrair alguém para o seu Filho. Ninguém penetra na consciência
de outra pessoa, assim como ninguém consegue chegar ao fundo do abismo que é o
coração de cada ser humano, a não ser o Pai. Ainda assim, o Pai respeita a
liberdade de cada ser humano. A atração que Ele possa porventura despertar na
pessoa não atropela a liberdade da mesma. Por isso, a verdadeira fé em Jesus
não é fanatismo, não é droga que anestesia a consciência da pessoa, mas um “convencer”
a partir de dentro, de modo que a pessoa sinta no mais profundo de si mesma: “Eu
preciso ser salvo(a)”.
Esse “convencer a partir de dentro”
é descrito por Jesus como um escutar o Pai: “Todo aquele que escutou o Pai e
por ele foi instruído, vem a mim” (Jo 6,45). Aqui entra um grande desafio:
somos uma geração do barulho, uma geração que se incomoda com o silêncio. Deus
é Palavra, e a Palavra só pode ser escutada no silêncio do coração humano. Deus
fala no profundo de cada pessoa, mas a maioria vive na superfície de si mesma,
porque tem medo de descer ao profundo de si, tem medo de se deparar com aquilo
que vai encontrar no profundo de si. Quanto mais nos mantemos distantes do
nosso profundo, mais se torna difícil ouvir Deus.
Vejamos o exemplo do profeta Elias.
Depois de ter experimentado um intenso momento de sucesso em sua vida – ele derrotou
os 450 sacerdotes de Baal – Elias experimenta um grande vazio dentro de si, um
vazio tão insuportável que ele chega a pedir a Deus a morte: “Agora basta, Senhor!
Tira a minha vida” (1Rs 19,4). Quantos de nós já pedimos ou estamos pedindo a
Deus para “desligar o botão” da nossa existência? Para quê continuar vivo(a) se
o filho morreu de câncer, de acidente ou se se suicidou? Para quê continuar
vivo(a) se o relacionamento afetivo acabou, se a vida financeira desmoronou, se
os motivos que mantinham a pessoa viva foram todos retirados dela?
“Elias entrou deserto adentro” (1Rs
19,4) – eis o retrato de uma pessoa afundada na depressão. Ela não experimenta
apenas uma situação de deserto, mas se encontra no mais profundo do seu deserto.
Não há forças para sair de dentro desse poço escuro; não há vontade de voltar a
viver. Ali, a pessoa não consegue escutar Deus; ela só escuta a sua dor, o seu
vazio, a sua raiva, a sua revolta, a sua tristeza. Quando nos encontramos
assim, precisamos ter a coragem de ir mais ainda para o profundo de nós mesmos
porque, mais profunda que a voz da nossa raiva, da nossa dor ou da nossa
tristeza, está a voz de Deus nos dizendo: “Levanta-te e come!” (1Rs 19,5).
Elias se levantou, “comeu, bebeu e
tornou a dormir” (1Rs 19,6). O processo da retomada do sentido da vida é lento
e exige perseverança. Uma única conversa não basta para ajudar a pessoa
deprimida a voltar a enxergar horizonte na sua vida. Por isso, Deus volta a
falar com Elias: “‘Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer’.
Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta
dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,7-8). Eis
a chave para reagir ao luto, à dor, ao fracasso, à tristeza, à perda do sentido
da vida: a consciência de que temos um caminho a percorrer, temos uma meta a
alcançar. Por mais que estejamos afundados no deserto, nosso lugar não é ali;
não é ali que morreremos; ali não é o final da nossa existência. O Pai não
chamou à vida nenhum ser humano para deixá-lo morrer abandonado no deserto. A
meta de cada um de nós é chegar ao Horeb, o monte de Deus, e dizer: “Com a tua
graça, Pai, consegui atravessar o deserto, consegui me levantar do meu desânimo
e chegar à tua presença com a minha missão cumprida, com a minha tarefa
realizada!”.
Hoje pedimos ao Pai por todo pai/mãe
que está atravessando um período de deserto em sua vida, especialmente por todo
pai/mãe que perdeu o sentido da vida e tem desejado todos os dias morrer. Hoje
o mesmo Deus que enviou um anjo para animar o profeta Elias nos envia para
junto do pai, da mãe, da pessoa que decidiu jogar a toalha, abandonar a missão
e desistir da vida, para dizer-lhe: “Levante-se! Alimente-se do ‘pão vivo
descido do céu’ (Jo 6,51). Recobre as suas forças e retome o caminho que você
foi chamado(a) a percorrer. Volte seus olhos para o Horeb, o monte de Deus, e
lembre-se: ‘Aquele que começou em você a boa obra há de levá-la à perfeição’
(cf. Fl 1,6), há de completá-la”.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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