Missa do 21º dom. comum. Palavra de Deus: Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.
Chegamos ao final do cap. 6 do
Evangelho de São João. No início, Jesus tinha diante de si uma multidão de
cinco mil pessoas, os judeus, um grupo grande de discípulos e os doze apóstolos.
A multidão foi embora por não querer se esforçar em vista do alimento que dura
para a vida eterna (cf. Jo 6,27). Os judeus foram embora por não aceitarem que
Jesus é o pão vivo descido do céu (cf. Jo 6,41). Agora vemos muitos discípulos de
Jesus decidindo ir embora, reclamando que a palavra dele é muito dura: “Muitos
dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: ‘Esta palavra é dura. Quem
consegue escutá-la?’” (Jo 6,60).
“Esta palavra é dura”. No mundo
atual, a escuta é seletiva: cada um ouve somente aquilo que gosta de ouvir,
aquilo que está de acordo com as suas próprias ideias. Assim, cada um escolhe o
seu pregador, o seu orientador, esquecendo-se da pergunta de Jesus: “Pode acaso
um cego guiar outro cego? Não cairão ambos num mesmo buraco?” (Lc 6,39).
Por que às vezes a Palavra de Deus é
dura? Porque Ele não fala o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos
ouvir. Uma pessoa que está com uma doença grave só tem chance de cura se
aceitar se submeter a um tratamento duro, a tomar remédios amargos. A Palavra
de Deus não visa o nosso bem estar, mas a nossa conversão e a nossa salvação. O
Evangelho de Jesus Cristo não é um anestésico para a nossa consciência, nem
muito menos uma droga que nos mantém distantes da realidade que temos que
enfrentar. Se a Palavra é dura é porque há algo duro que precisa ser quebrado
em nós, em vista da nossa cura, libertação e salvação: “Não é a minha Palavra
como uma marreta que despedaça a rocha?” (Jr 23,29). Quanto mais resistimos
admitir o que está errado em nós, mais dura sentiremos a Palavra de Deus.
Só a Palavra de Deus pode nos curar,
mas cabe a nós decidir escutá-la ou não, obedecê-la ou não: “Escolhei hoje a
quem quereis servir... Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao
Senhor” (Js 24,15), disse Josué ao povo de Israel. A escolha é sua: continuar a
viver na mentira ou se abrir à verdade; buscar apenas um alívio momentâneo para
a sua dor ou aceitar submeter-se a um tratamento doloroso para curar de uma vez
por todas sua enfermidade; passar de igreja em igreja, de pregador em pregador,
para ouvir apenas o que você gosta de ouvir, ou aceitar permanecer na igreja
onde o pregador fala o que você precisa ouvir. A escolha é sua.
Antes que muitos de seus discípulos
fossem embora, Jesus os advertiu: “O Espírito é que dá vida, a carne não
adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós
há alguns que não creem” (Jo 6,63-64). “O Espírito é que dá a vida, a carne não
adianta nada”. Quem escolhe viver no nível carnal, terreno, não aceitando
renunciar a nada em vista da sua conversão e salvação, sempre vai rejeitar o
Evangelho. O resultado final é um só: apodrecerá junto com a sua carne. Aqui
também precisamos fazer uma escolha: viver como pessoas reduzidas à sua
carnalidade, fechadas no seu egoísmo e na sua dependência da satisfação das
suas necessidades, ou abrir-se à sua dimensão espiritual, transcendente,
convictas de que só o Espírito dá a vida; só a dimensão espiritual dá sentido à
nossa existência.
“Entre vós há alguns que não creem” (Jo
6,64). Jesus conhece cada ser humano por dentro (cf. Jo 2,25). Igrejas ou
templos cheios não enganam Jesus. Ele sabe que entre nós há alguns cuja fé está
reduzida à satisfação de uma necessidade momentânea; uma fé que não suporta
ouvir um “não” da parte de Deus; uma fé que não admite ter que lidar com dor,
frustração, perda, decepção ou perseguição; uma fé que só busca receber,
ganhar, desfrutar, e nunca renunciar, se doar e se sacrificar pelo bem dos
outros ou da própria Igreja; uma fé que não admite passar pelo fogo da crise,
que constantemente se defende da complexidade da vida...
“A partir daquele momento, muitos
discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse
aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,66-67). Muitas pessoas que
ontem decidiram caminhar com Jesus voltaram atrás, e hoje não caminham mais;
muitos que hoje estão aqui conosco, voltarão atrás e amanhã não estarão mais,
porque cada vez mais as pessoas são inconstantes e incapazes de perseverar:
nunca terminam o que começam. Contudo, Jesus não nos pergunta a respeito das
pessoas que desistiram de segui-lo, mas a respeito das razões que temos para
continuarmos a segui-lo: “Vocês também querem ir embora?” (Jo 6,67). Você
também quer ir atrás de respostas mais fáceis, embora enganadoras, para a sua
vida? Você também quer trocar o Deus que demora pelo Mal que responde rápido?
“Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos,
Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e
reconhecemos que tu és o Santo de Deus’” (Jo 6,68-69). “A quem iremos?”. Neste
mundo confuso e profundamente desorientado, nós necessitamos de orientação.
Machucados pelas tantas mentiras do mundo, nós precisamos do remédio da
Verdade. “Tu tens palavras de vida eterna”. A palavra de Jesus é muitas vezes dura,
sim, mas só ela pode nos fazer transcender o presente e nos abrir ao futuro; só
ela pode nos devolver a consciência de que o sentido da vida não está fechado à
pessoa que somos agora: ele se encontra na pessoa que somos chamados a nos
tornar.
“Nós cremos firmemente”. Cada vez mais a
Igreja de Jesus Cristo se tornará minoria. Nós permaneceremos nela, ou
deixaremos Jesus para seguir a maioria? Jesus jamais suavizará as palavras do Evangelho
e jamais alargará a porta estreita da salvação só para agradar as pessoas e
ganhar mais seguidores. Nós permaneceremos fiéis ao Evangelho? Nós nos
esforçaremos para entrar pela porta estreita?
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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