quinta-feira, 22 de agosto de 2024

QUANTO MAIS DURA A ROCHA, MAIS DURO DEVE BATER A MARRETA

 Missa do 21º dom. comum. Palavra de Deus: Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.

 

            Chegamos ao final do cap. 6 do Evangelho de São João. No início, Jesus tinha diante de si uma multidão de cinco mil pessoas, os judeus, um grupo grande de discípulos e os doze apóstolos. A multidão foi embora por não querer se esforçar em vista do alimento que dura para a vida eterna (cf. Jo 6,27). Os judeus foram embora por não aceitarem que Jesus é o pão vivo descido do céu (cf. Jo 6,41). Agora vemos muitos discípulos de Jesus decidindo ir embora, reclamando que a palavra dele é muito dura: “Muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: ‘Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo 6,60).

            “Esta palavra é dura”. No mundo atual, a escuta é seletiva: cada um ouve somente aquilo que gosta de ouvir, aquilo que está de acordo com as suas próprias ideias. Assim, cada um escolhe o seu pregador, o seu orientador, esquecendo-se da pergunta de Jesus: “Pode acaso um cego guiar outro cego? Não cairão ambos num mesmo buraco?” (Lc 6,39).

            Por que às vezes a Palavra de Deus é dura? Porque Ele não fala o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos ouvir. Uma pessoa que está com uma doença grave só tem chance de cura se aceitar se submeter a um tratamento duro, a tomar remédios amargos. A Palavra de Deus não visa o nosso bem estar, mas a nossa conversão e a nossa salvação. O Evangelho de Jesus Cristo não é um anestésico para a nossa consciência, nem muito menos uma droga que nos mantém distantes da realidade que temos que enfrentar. Se a Palavra é dura é porque há algo duro que precisa ser quebrado em nós, em vista da nossa cura, libertação e salvação: “Não é a minha Palavra como uma marreta que despedaça a rocha?” (Jr 23,29). Quanto mais resistimos admitir o que está errado em nós, mais dura sentiremos a Palavra de Deus.

            Só a Palavra de Deus pode nos curar, mas cabe a nós decidir escutá-la ou não, obedecê-la ou não: “Escolhei hoje a quem quereis servir... Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15), disse Josué ao povo de Israel. A escolha é sua: continuar a viver na mentira ou se abrir à verdade; buscar apenas um alívio momentâneo para a sua dor ou aceitar submeter-se a um tratamento doloroso para curar de uma vez por todas sua enfermidade; passar de igreja em igreja, de pregador em pregador, para ouvir apenas o que você gosta de ouvir, ou aceitar permanecer na igreja onde o pregador fala o que você precisa ouvir. A escolha é sua.

Antes que muitos de seus discípulos fossem embora, Jesus os advertiu: “O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,63-64). “O Espírito é que dá a vida, a carne não adianta nada”. Quem escolhe viver no nível carnal, terreno, não aceitando renunciar a nada em vista da sua conversão e salvação, sempre vai rejeitar o Evangelho. O resultado final é um só: apodrecerá junto com a sua carne. Aqui também precisamos fazer uma escolha: viver como pessoas reduzidas à sua carnalidade, fechadas no seu egoísmo e na sua dependência da satisfação das suas necessidades, ou abrir-se à sua dimensão espiritual, transcendente, convictas de que só o Espírito dá a vida; só a dimensão espiritual dá sentido à nossa existência.

“Entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Jesus conhece cada ser humano por dentro (cf. Jo 2,25). Igrejas ou templos cheios não enganam Jesus. Ele sabe que entre nós há alguns cuja fé está reduzida à satisfação de uma necessidade momentânea; uma fé que não suporta ouvir um “não” da parte de Deus; uma fé que não admite ter que lidar com dor, frustração, perda, decepção ou perseguição; uma fé que só busca receber, ganhar, desfrutar, e nunca renunciar, se doar e se sacrificar pelo bem dos outros ou da própria Igreja; uma fé que não admite passar pelo fogo da crise, que constantemente se defende da complexidade da vida...

“A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: ‘Vós também vos quereis ir embora?’” (Jo 6,66-67). Muitas pessoas que ontem decidiram caminhar com Jesus voltaram atrás, e hoje não caminham mais; muitos que hoje estão aqui conosco, voltarão atrás e amanhã não estarão mais, porque cada vez mais as pessoas são inconstantes e incapazes de perseverar: nunca terminam o que começam. Contudo, Jesus não nos pergunta a respeito das pessoas que desistiram de segui-lo, mas a respeito das razões que temos para continuarmos a segui-lo: “Vocês também querem ir embora?” (Jo 6,67). Você também quer ir atrás de respostas mais fáceis, embora enganadoras, para a sua vida? Você também quer trocar o Deus que demora pelo Mal que responde rápido?

“Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus’” (Jo 6,68-69). “A quem iremos?”. Neste mundo confuso e profundamente desorientado, nós necessitamos de orientação. Machucados pelas tantas mentiras do mundo, nós precisamos do remédio da Verdade. “Tu tens palavras de vida eterna”. A palavra de Jesus é muitas vezes dura, sim, mas só ela pode nos fazer transcender o presente e nos abrir ao futuro; só ela pode nos devolver a consciência de que o sentido da vida não está fechado à pessoa que somos agora: ele se encontra na pessoa que somos chamados a nos tornar.

“Nós cremos firmemente”. Cada vez mais a Igreja de Jesus Cristo se tornará minoria. Nós permaneceremos nela, ou deixaremos Jesus para seguir a maioria? Jesus jamais suavizará as palavras do Evangelho e jamais alargará a porta estreita da salvação só para agradar as pessoas e ganhar mais seguidores. Nós permaneceremos fiéis ao Evangelho? Nós nos esforçaremos para entrar pela porta estreita?

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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