Missa do 3º. Dom. Quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-3.7-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.
Geralmente,
a imagem que os Evangelhos nos dão de Jesus é a de um homem sereno, pacífico,
manso e humilde. Mas a cena do Evangelho de hoje nos apresenta um Jesus enérgico,
“agressivo”, que, ao ver o Templo, a casa do seu Pai, ser corrompido em casa de
comércio, faz um chicote de cordas e expulsa todos do Templo. Essa atitude
enérgica de Jesus tem uma justificativa: a religião jamais pode estar a serviço
do enriquecimento dos seus dirigentes, sobretudo quando esse enriquecimento é
fruto da exploração da miséria dos que buscam na religião o socorro de Deus. Além
disso, a religião também não pode ser distorcida em autoajuda, em motivação empresarial,
de modo que Deus seja instrumentalizado e colocado a serviço da ambição ou dos
sonhos de enriquecimento dos “fiéis” que a frequentam.
“Tirai isso daqui! Não
façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,16). Quantos de nós
temos uma relação “comercial” com Deus? Temos sonhos, projetos, desejos, e
achamos que Deus é o encarregado de realizá-los. Consciente ou
inconscientemente, muitas pessoas estão nas igrejas não para servirem a Deus,
mas para se servirem d’Ele, em vista dos seus desejos egoístas. Essa maneira
comercial de viver a fé foi chamada por Rodrigo Bibo, autor do livro “O Deus
que destrói sonhos”, de “teologia da Xuxa”, uma vez que a mesma costumava
cantar uma música cuja letra dizia: “Tudo o que eu quiser, o cara lá de cima
vai me dar” (Lua de Cristal).
A verdade é que, num primeiro momento, ninguém
procura Deus gratuitamente, mas sempre movido por uma necessidade. Normalmente
é a dor, e não o amor, que move as pessoas a irem a um templo e a orarem a
Deus. Mas Jesus deseja nos conduzir a um nível mais profundo de fé, onde aquilo
que nos move na direção de Deus não seja uma necessidade, mas simplesmente o
amor, como um filho que procura o pai não porque precisa de algo, mas porque
ama o pai e quer ficar na presença dele.
Ao ser questionado sobre seu “ataque” ao sistema
corrompido do judaísmo do seu tempo, Jesus fez uma revelação surpreendente, que
não foi compreendida de imediato: “Jesus estava falando do Templo do seu corpo”
(Jo 2,21). Existem incontáveis templos na face da terra, mas somente Jesus é o
verdadeiro Templo, porque somente por meio d’Ele podemos ter acesso ao Pai (cf.
Ef 2,18). Numa época em que a descrença e a indiferença religiosa crescem mais
do que a procura por Deus nas diversas religiões, todos precisamos ser “chicoteados”
por essas palavras do apóstolo Paulo: “Os judeus pedem sinais milagrosos... Nós,
porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para
os judeus... Esse Cristo é poder de Deus” (1Cor 1,22.23.24). O Corpo
crucificado de Jesus, presente nos crucificados do nosso tempo, é o lugar do
encontro com o verdadeiro Deus.
Se Jesus entendeu o seu Corpo como Templo de Deus,
nós também devemos recobrar a consciência de que o Espírito de Deus habita em
nós, o que significa que também o nosso corpo é templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17;
6,19). Desse modo, as palavras de Jesus – “Tirai isso daqui!” – também devem
ser entendidas em relação ao nosso corpo. Justamente porque vivemos numa
sociedade erotizada, que reduz o afeto ao prazer e à satisfação dos nossos desejos
instintivos, o corpo é hoje um templo profanado por inúmeros comerciantes. A
pornografia é uma das cinco indústrias mundiais que mais ganha dinheiro. Segundo
a neurociência, o seu poder de viciar é mais forte que o da cocaína. Temos
também a indústria do tráfico de órgãos: pessoas pobres são sequestradas e têm
seus órgãos retirados para a venda no mercado clandestino, “salvando” a vida
dos ricos que podem pagar por órgãos traficados. A série “Coração marcado”
denuncia isso claramente. Temos ainda o problema da pedofilia e da prostituição
infantil, conhecidas, toleradas e praticadas por “gente grande” em muitas partes
do nosso País: políticos, juízes, médicos etc.
“Tirai isso daqui!”. Esta ordem de Jesus precisa
questionar a presunçosa autonomia dos que afirmam: “meu corpo, minhas regras”.
Como alguém sabiamente disse: “Seu corpo tem suas regras? A vida tem seus
direitos!”. Um embrião ou um feto não é um órgão que pertence ao corpo da
mulher e que ela pode decidir extirpar dele, se assim o desejar. Além disso,
devemos considerar o fenômeno atual das tatuagens. Buscando modelos ou ídolos –
destaque para os jogadores de futebol –, as novas gerações mergulham de cabeça
na onda de tatuar-se. Ignorando totalmente o próprio corpo como templo de Deus,
tatuam-se de maneira cada vez mais extravagante, nunca se dando ao trabalho de
perguntar a Deus na sua consciência o que Ele acha daquela tatuagem (Elas
conhecem os dez mandamentos???). São “templos pichados” com toda espécie de imagens,
frases (inclusive bíblicas!) ou símbolos – um comportamento próprio de uma
geração paganizada.
Muito mais do que diante do chicote de Jesus, o Evangelho
de hoje quer nos colocar diante dessa verdade: Jesus “conhecia o homem por
dentro” (Jo 2,25). Diante de uma geração como a nossa, excessivamente
preocupada com o corpo, mas desleixada quanto à consciência, Jesus nos vê no
profundo de nós mesmos; Ele sabe o que se esconde dentro de nós e que ninguém
vê. Ele conhece cada pensamento, sentimento e desejo que se escondem nas
regiões mais profundas e obscuras de nós mesmos. Ele conhece o lixo que se
acumula dentro de nós há muito tempo. Ele enxerga não somente as nossas tatuagens,
mas principalmente os motivos que nos levaram a fazê-las. Deixemos com que Ele
nos diga o que deve ser tirado do nosso corpo, da nossa alma e do nosso
espírito, para que o templo que somos seja reconstruído e volte a ser o lugar
da habitação de Deus e não dos demônios que permitimos que passassem a morar
dentro de nós.
Pe. Paulo Cezar Mazzi