quinta-feira, 30 de novembro de 2023

CONSTRUIR A PONTE DA ESPERANÇA SOBRE O ABISMO DAS NOSSAS INCERTEZAS

 Missa do 1º dom. advento. Palavra de Deus: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37.

 

            Nosso tempo de advento, de espera por Aquele que vem, começa com uma súplica: “Ah! Se rompesses o céu e descesses!” (Is 63,19). Depois da volta do exílio na Babilônia (ano 538 aC), a profecia entrou numa profunda crise e Israel experimentou, por cerca de 400 anos, um grande e doloroso silêncio de Deus, como se o céu houvesse se fechado e Deus houvesse decidido não se comunicar mais com o seu povo. Exatamente como Israel, nós também experimentamos muitas vezes o céu fechado, como se Deus não apenas não falasse mais conosco, como também não se interessasse por tudo aquilo que tem acontecido com a humanidade.  

            No entanto, o tempo que iniciamos hoje é um tempo de gestação e, portanto, de esperança: mais do que por um acontecimento, esperamos por uma Pessoa; esperamos por Aquele que vem, Aquele que é justamente a Palavra que se fez carne e veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1,14 – texto do dia de Natal!); esperamos por Aquele que, no momento do seu Batismo, viu o céu se abrir (cf. Mc 1,10), o que significa que, de agora em diante, tudo o que o Pai tem a dizer à humanidade será feito unicamente por meio de seu Filho Jesus (cf. Hb 1,2).

            Se o tempo atual é fortemente marcado pela incerteza, o Advento está aí para nos recordar a grande certeza que nos anima: o Senhor Jesus vem, e devemos esperar por ele com a mesma atitude mencionada na oração de Isaías: “Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam” (Is 64,3). Deus faz pelos que n’Ele e por Ele esperam! Contudo, essa espera não é passiva. O tempo presente não é um tempo morto, estagnado, mas um tempo de gestação: enquanto esperamos, trabalhamos; enquanto esperamos, vigiamos, cuidando da tarefa que nos foi confiada.

            Eis, portanto, a palavra-chave deste início de Advento: “Vigiem!” (cf. Mc 13,35.37). “Minha alma espera pelo Senhor mais que os vigias pela aurora..., pois no Senhor se encontra toda graça e redenção” (Sl 130,6.7). Esperamos pelo nosso Redentor porque precisamos ser resgatados, precisamos ser redimidos do nosso próprio pecado e do mal que existe no mundo. Esperamos pelo nosso Redentor suplicando como o salmista:

“Despertai vosso poder, ó nosso Deus e vinde logo nos trazer a salvação! Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a!” (Sl 80,14-15).

            O grande desafio da espera é o cansaço, o desânimo, o abandono da esperança, porque o Senhor demora a vir. Nós não sabemos se ele virá “à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer” (Mc 13,35). Sua vinda pode se dar, para alguns, na infância; para outros, na adolescência ou na juventude; para outros ainda, na idade adulta ou somente na idade avançada... Não nos cabe forçar ou antecipar a vinda do Senhor; o que nos cabe é cuidar da tarefa que nos foi confiada: “(...) deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa” (Mc 13,34). Eis o grande segredo! Se não queremos que a nossa vida perca o sentido, devemos nos manter fiéis à missão que nos foi confiada. Só essa fidelidade nos ajuda a suportar a demora pela vinda do Senhor e a vencer a tentação de jogar tudo para o alto: “Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida” (Victor Frankl).

            Quando olhamos para a estrada da nossa existência, temos a impressão de que ela vai dar na direção de um abismo: a morte, a destruição, o fim de tudo, a falta de sentido. Pois bem, o Advento é o tempo em que uma ponte começa a ser construída (ou reconstruída!) sobre esse abismo. O nome dessa ponte é “Esperança”: como a noiva espera pela vinda do seu noivo, nós esperamos pela vinda do nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo, sustentados por esta promessa: “Deus é fiel; por ele fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso” (1Cor 1,9). Enquanto aguardamos “a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. 1Cor 1,7), somos consolados e animados pelo Espírito Santo, pois é na sua força que nos apoiamos, clamando: “Vem, Senhor Jesus!”. Como afirma o Apocalipse, “O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’” (Ap 22,17). Jesus, por sua vez, responde: “Sim, venho muito em breve!” (Ap 22,20). E nós, diante dessa promessa, respondemos como Igreja: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

NOSSO JULGAMENTO SERÁ SOBRE A VIVÊNCIA SOCIAL DA NOSSA FÉ

 Missa de Cristo Rei – Palavra de Deus: Ezequiel 34,11-12.15-17; 1Coríntios 15,20-26.28; Mateus 25,31-46.

           

            Duas afirmações bíblicas nos ajudam a compreender o sentido da festa de hoje, na qual celebramos Cristo, Rei do Universo. A primeira é de Deus, no Antigo Testamento, ao afirmar: “Quanto a vós, minhas ovelhas, eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). A segunda é do próprio Cristo, no Novo Testamento, ao afirmar: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros” (Mt 25,31-32). “Fazer justiça” e “separar uns dos outros” significa “julgar”, e quando Deus julga, restabelece a justiça na terra.

            Muitas pessoas desacreditaram da Justiça, e com razão, pois ela se encontra corrompida. Enquanto muitas pessoas tiveram suas vidas prejudicadas pela injustiça e algumas até morreram devido a alguma injustiça, nós conhecemos pessoas cujo dinheiro as coloca acima da Justiça, mantendo-as ilusoriamente seguras na impunidade. Contudo, Jesus nos garantiu que nada ficará impune: “Nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado” (Mt 10,26). Ao final de sua vida, todo ser humano se confrontará com a verdade, conforme está escrito: “Todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante sua vida terrena, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5,10). E ainda: “Todos nós compareceremos perante o tribunal de Deus... Assim, cada um de nós prestará contas a Deus de si próprio” (Rm 14,10.12).

            A Festa de Cristo Rei nos recorda que a função principal do Rei é fazer justiça, como nos mostra o Sl 71: “Dai ao Rei vossos poderes, Senhor Deus, vossa justiça ao descendente da realeza!  Com justiça ele governe o vosso povo, com equidade ele julgue os vossos pobres. Das montanhas venha a paz a todo o povo, e desça das colinas a justiça! Este Rei defenderá os que são pobres, os filhos dos humildes salvará, e por terra abaterá os opressores!” (vv.1-4). Como acabou de nos mostrar o Evangelho, Aquele que hoje proclamamos Rei do Universo virá no fim dos tempos como Juiz de todo ser humano, e nos julgará não segundo as aparências, mas segundo a verdade.

Esperar pelo julgamento de Cristo significa esperar pelo cumprimento da promessa que Deus fez por meio do profeta Ezequiel: “Eu farei justiça entre uma ovelha e outra” (Ez 34,17). Durante sua vida terrena, Jesus conheceu de perto o sofrimento e as injustiças humanas. Além disso, Ele se identifica com os que sofrem e com os que são injustiçados. Por isso, seu julgamento examinará concretamente a maneira como nos posicionamos diante de quem sofre.

            A separação, no julgamento final, entre os justos e os injustos, entre os “benditos” e os “malditos”, deixa claro que só existem duas atitudes possíveis diante das pessoas que sofrem ou passam por alguma necessidade: ou nós nos compadecemos e ajudamos essas pessoas, ou nós nos desinteressamos pelo que se passa com elas e as abandonamos. Não há neutralidade, e a nossa postura agora diante delas vai refletir no momento do nosso encontro definitivo com Deus, sabendo que o critério para entrar no Reino não será o que cada um de nós fez ou deixou de fazer “para Deus”, mas o que um de nós fez ou deixou de fazer “para os nossos semelhantes”, que cruzaram o nosso caminho e clamaram por nossa presença solidária e compassiva.

            São João da Cruz costumava dizer que “no entardecer da vida, seremos julgados a respeito do amor”. Quando nossa vida terrena terminar, Jesus nos perguntará se nós amamos, sabendo que amor é uma atitude: dar de comer, dar de beber, cuidar, visitar, não abandonar, defender, fazer-se próximo de quem precisa.

Diante das ovelhas feridas desse imenso rebanho que é a humanidade, Deus assumiu um compromisso: “Vou cuidar de minhas ovelhas e vou resgatá-las de todos os lugares em que foram dispersadas num dia de nuvens e escuridão. Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente” (Ez 34,14.16). Prestemos atenção aos verbos que traduzem a atitude de Deus para com a dor humana: procurar, reconduzir, enfaixar, fortalecer, vigiar, fazer justiça... Ontem, essas palavras se encarnaram na pessoa de Jesus Cristo. Hoje, nós somos chamados a encarná-las em nossa vida de cristãos, acolhendo este convite de Deus: “Preciso das tuas mãos para continuar a abençoar; preciso dos teus lábios para continuar a falar; preciso do teu corpo para continuar a sofrer; preciso do teu coração para continuar a amar; preciso de ti para continuar a salvar” (Michael Quoist, Oração do sacerdote numa tarde de domingo).

           ORAÇÃO: Senhor Jesus Cristo, hoje venho pedir perdão por toda atitude minha de indiferença para com os necessitados. Quando o Senhor permite que uma pessoa carente cruze o meu caminho, é porque há algo que eu posso fazer por ela.

Hoje teu Evangelho me recorda que, no entardecer da minha vida, eu serei julgado(a) a respeito do amor. O Senhor, como justo Juiz, me perguntará se eu amei, se eu me deixei afetar pelo sofrimento das outras pessoas, se eu dei minha colaboração para tornar esse mundo mais justo e mais humano.

Quero abrir-me àqueles que estão à minha volta. Quero abraçar contigo a missão de procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, cuidar daquela que está ferida e defender aquela que está ameaçada por algum tipo de maldade ou injustiça. Ajuda-me a não me fechar em mim mesmo(a), mas a me fazer próximo(a) de toda pessoa que eu puder ajudar. Amém!

 Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

NÃO SEJA UM COVEIRO, NEM UM SABOTADOR DE SI MESMO

             Missa do 33. dom. comum. Provérbios 31,10-13.19-20.30-31; 1Tessalonicenses 5,1-6; Mateus 25,14-30.

 

            A primeira verdade da qual a parábola dos talentos quer nos tornar conscientes é a de que todo ser humano tem seu próprio potencial. Aos olhos de Deus, nenhuma pessoa é inválida, muito menos inútil. Cada ser humano vem ao mundo com a capacidade de contribuir para o bem da humanidade. Por isso, um primeiro questionamento que podemos nos fazer é esse: eu tenho consciência do meu potencial, da minha capacidade, da minha força?

            A segunda verdade em relação à qual precisamos nos tornar conscientes é a de que há pessoas que são sabotadoras de si mesmas. Pior do que isso, elas se comportam perante a vida como coveiras de si mesmas: enterram seu talento, sua capacidade, sua força, seu dom. Por que elas agem assim? Quando não é por ignorar suas próprias capacidades, é por comodismo e por preguiça. São pessoas que assumem uma postura de parasitas perante a vida: se encostam nos outros para sugá-los, ao invés de gastarem sua própria energia para resolver seus problemas. Portanto, algumas outras perguntas importantes nos são colocadas por Jesus: eu sou um sabotador ou um coveiro de mim mesmo? Minha postura perante a vida é a de um construtor ou de um consumidor?

            Jesus sempre entendeu a sua própria existência como uma “vida para”. Sua pergunta perante cada situação que se lhe apresentava não era: “Como eu posso desfrutar disso ou lucrar com isso?”, mas: “Como eu posso dar a minha contribuição para que essa situação seja resolvida, ou para que a vida se torne melhor, devido às minhas atitudes?”. Com a parábola dos talentos, Jesus está nos dizendo que o sentido da vida não está em desfrutar de coisas e de pessoas, mas em dar a nossa colaboração, usar a capacidade que nos foi dada, para que as coisas e as pessoas se tornem melhores graças à nossa presença junto a elas.  

            A terceira verdade em relação à qual precisamos ter consciência é a de que todos nós seremos julgados após a morte pela forma como vivemos a nossa vida; sobretudo, por aquilo que fizemos com os dons, os talentos, as capacidades que nos foram dados. Portanto, a pergunta que nos será feita não é se as pessoas com as quais convivemos fizeram alguma coisa para tornar a mundo e a Igreja melhores, mas se nós fizemos aquilo de que éramos capazes para que isso acontecesse.

            Quando olhamos para a realidade à nossa volta, tanto social quanto eclesial, constatamos que o número de pessoas que abraçam uma causa é cada vez menor, em comparação com o número de pessoas que decidiram cruzar os braços, abandonar a tarefa que lhes foi confiada e passar a engrossar a fila dos parasitas, dos coveiros de si mesmos. Se não queremos cair nessa tentação, precisamos nos recordar da palavra que diz: “Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos” (Gl 6,9).

            Cada vez que um ser humano desiste de fazer o bem que é capaz, dá espaço para o mal se tornar ainda maior à sua volta. É por isso que o julgamento sobre o servo que decidiu enterrar o seu talento foi muito severo: “Servo mau e preguiçoso!” (...) “Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão” (Mt 25,26.30). Notemos que esse servo não fez diretamente o mal; ele simplesmente decidiu não fazer o bem de que era capaz. Aqui precisamos nos recordar da palavra que diz: “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4,17).  

            A condenação do servo “mau e preguiçoso” é uma boa ocasião para refletirmos sobre um pecado quase nunca recordado: o pecado de omissão. Somos omissos diante de muitas situações, seja porque não queremos nos indispor com as pessoas; seja porque não queremos sofrer críticas, perseguições ou retaliações; seja porque o individualismo anestesiou a nossa consciência a tal ponto que decidimos apertar o botão do “dane-se”. O grande mal em tudo isso é que quando adotamos a postura do “dane-se”, nos esquecemos de que nós estamos implicados na situação que ficará danificada pela nossa omissão. Muitas das situações perante as quais nos omitimos se voltarão contra nós mesmos.

            Uma última questão. A palavra que mais se repetiu na parábola dos talentos foi “servo”. Embora seja uma palavra “pejorativa” para o mundo atual, no sentido bíblico a mesma tem um significado muito profundo: o servo é um eleito, um escolhido por Deus, uma pessoa diferenciada e capacitada para uma tarefa, uma missão importantíssima. Quando você supera todo pessimismo e decide não enterrar o seu talento, mantendo-se fiel à sua consciência de ser um “servo” de Deus, a serviço da salvação da humanidade, sua vida readquire sentido a cada dia, e no dia do seu julgamento, você ouvirá do Senhor Jesus essas palavras: “Muito bem, servo bom e fiel! como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Mt 25,21.23).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

SEM RESERVA DE ESPERANÇA, A NOSSA FÉ NÃO SUPORTARÁ AS DEMORAS DE DEUS

 

Missa do 32º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 6,12-16; 1Tessalonicenses 4,13-18; Mateus 25,1-13.

 

            Imediatismo: tudo deve ser rápido, prático e resolvido de forma instantânea. Não temos tempo a perder; não podemos esperar. Essas são algumas características da geração atual. Independentemente da idade, todos nós desaprendemos a esperar; nossa esperança foi substituída pela ansiedade, pela pressa, pelo nervosismo e pela irritação em ter que esperar.

            Mas, o que nós esperamos? O cristão não espera por algo, mas por Alguém: esperamos pelo Senhor Jesus, “Aquele que é, Aquele que era, Aquele que vem” (Ap 1,8). “De fato, é de perseverança que vocês têm necessidade... Porque ainda um pouco, muito pouco tempo, e aquele que vem, chegará e ele não tardará” (Hb 10,36-37). “Cristo virá uma segunda vez... àqueles que o esperam para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).

            Esperar no Senhor e pelo Senhor é uma atitude que desafia a nossa fé: “O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormindo” (Mt 25,5). A demora nos desafia porque ela carrega consigo a tentação do abandono: chega de esperar! Muitos desistiram de esperar em Deus e por Deus. Outros optaram por trocar Deus pelo Maligno, alegando que “Deus demora; o diabo responde na hora”. A incapacidade de esperar tem levado pessoas à desistência do casamento, ao abandono de sonhos e ideais, a uma atitude de frieza, endurecimento e vazio de esperança e de sentido perante a vida, ao suicídio; são pessoas cuja lâmpada se apagou por falta de óleo.

            A luz da lâmpada é a fé, o sonho, a vontade de viver, o projeto, a tarefa abraçada, o trabalho iniciado, enquanto que o óleo que mantém a chama acesa é a esperança. Essa esperança não se assenta em nós mesmos, mas em Deus, conforme está escrito: “Os que esperam em ti, Senhor, não ficam decepcionados; ficam decepcionados os que, por qualquer motivo, abandonam a sua fé” (citação livre de Sl 25,3). Muitas pessoas estão à nossa volta como lâmpadas apagadas; nelas não há mais brilho, nem alegria; elas não vivem, nem sonham, porque deixaram de esperar; o corpo ainda tem alguma vida, mas a alma decidiu morrer, por deixar de esperar.

Qual a importância da esperança para a nossa vida? “A esperança é a capacidade de perceber a realidade como estando permanentemente em aberto” (Tomás Halík, A noite do confessor, p.185). As jovens imprevidentes, que não levaram reserva de óleo em suas lâmpadas e por isso precisaram ir à cidade comprar mais óleo, ao voltarem para o encontro com o Noivo (Jesus), encontraram a porta fechada. Quando decidimos abandonar a esperança; quando decidimos não mais esperar em Deus e por Deus, a porta da vida se fecha e nos mantém trancados dentro de um quarto escuro. Esperar pelo Senhor que vem significa manter a nossa vida aberta àquilo que Deus pode e deseja realizar em nós: “Existe recompensa para a sua dor – a dor da espera –; há esperança para o seu futuro” (Jr 31,16.17).

            A demora pela volta de Jesus sempre desafiou a Igreja, desde os primeiros cristãos. Se não queremos nos deixar contaminar pelo cansaço, pelo desânimo e pelo abandono da esperança, precisamos recordar que Aquele que esperamos prometeu estar conosco todos os dias, até o fim dos tempos (cf. Mt 28,20). Não esqueçamos o seu nome: “Aquele que é (grifo meu), Aquele que era, Aquele que vem” (Ap 1,8). O Cristo que virá na hora em que menos imaginarmos vem nos visitar todos os dias, através de pessoas e de acontecimentos, como ele mesmo afirma: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). “Eu estou à sua porta”, estou aqui e agora.

 

           

Texto complementar: Oração e esperança (Pe. Henri Nowen)

 

            “Cada oração é uma expressão de esperança. Uma pessoa que não espera nada do futuro não pode orar. Só pode haver vida e movimento quando você não aceita mais as coisas como são e olha para frente rumo ao que ainda não é.

Um homem com esperança não se preocupa em saber como seus desejos serão cumpridos. Assim, sua oração não se dirige à graça, mas Àquele que a proporciona. Um homem com esperança não se preocupa em saber como seus desejos serão cumpridos. Assim, sua oração não se dirige à graça, mas Àquele que a proporciona.

Sempre que orarmos com esperança, poremos nossa vida nas mãos de Deus. Medo e ansiedade desaparecem, tudo que recebemos e tudo de que somos privados não são nada senão um dedo apontando na direção da promessa de Deus de que vamos viver por completo”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

SANTIFICAÇÃO, UM CAMINHO QUE DEVE SER RETOMADO DIARIAMENTE

 Missa de todos os Santos. Palavra de Deus: João 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a

 

            “Santo, Santo, Santo” (Is 6,3). Assim Isaías ouviu os serafins proclamando diante de Deus. “Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,69). Assim Pedro se referiu a Jesus. “O Defensor, o Espírito Santo” (Jo 14,26). Assim Jesus se refere à promessa de nos enviar o Espírito do Pai. A santidade é a essência do Pai, do Filho e do Espírito.

            Biblicamente, a palavra “santo” significa “separado”. O Pai, o Filho e o Espírito são Santos porque separados do mundo, no sentido de não se deixarem corromper, de serem plenos da verdade e de não terem em Si mesmos nenhum espaço para o mal. Nós, filhos do Pai, chamados a ser discípulos do Filho e a nos deixar guiar pelo Espírito de Deus, somos convidados a buscar diariamente a nossa santificação, o que significa estar no mundo mantendo a consciência de que não somos do mundo.

            Antes de entendermos o que é ser santo, precisamos compreender o que a Sagrada Escritura entende por “mundo”. Muitas pregações demonizam o mundo, omitindo a verdade de que o mal também está dentro das igrejas e religiões, além de encontrar espaço no coração de cada ser humano. Quando Jesus ora pelos seus discípulos, expressa-se dessa forma ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno” (Jo 17,15). Nós não podemos ser tirados do mundo porque o mundo é justamente o nosso campo de missão. Assim como fez em relação a Jesus, o Pai nos enviou ao mundo para salvá-lo, não para condená-lo (cf. Jo 3,16). Quando João afirma que “o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo 5,19), está se referindo àqueles que não creem no Filho de Deus, e não à humanidade, à qual Deus ama e deseja salvar.

            Se ser santo significa separar-se do mundo, trata-se de manter a nossa consciência voltada para Deus e não nos tornarmos cristãos mundanos, aprendendo a filtrar, a discernir, a separar o que convém daquilo que não convém à nossa salvação. Além disso, ser santo significa caminhar segundo a verdade, contida na Palavra de Deus: “Santifica-os na verdade; tua palavra é verdade” (Jo 17,17). Somente quem se deixa corrigir e orientar pela Palavra de Deus consegue separar-se das mentiras do mundo, mentiras que visam corromper nossos valores, nos fazendo correr todos os dias atrás de falsas promessas de felicidade enquanto perdermos a nossa alma e nos desviamos do caminho da salvação.

            Além de caminhar segundo a verdade, uma pessoa que busca santificar-se jamais deve esquecer de ser justa e trabalhar por um mundo mais justo, pois Jesus dirá a alguns que acreditam serem bons cristãos: “Afastem-se de mim, todos vocês, que cometem injustiça” (Lc 13,27). Para evitarmos essa falsa segurança religiosa, o Papa Francisco nos adverte: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo” (Papa Francisco, GE, n.101). Não podemos buscar uma santidade individualista tornando-nos indiferente às injustiças que fazem pessoas sofrerem à nossa volta. Não nos esqueçamos de que o próprio Jesus deixou claro que um cristão que busca santificar-se é alguém que tem “fome e sede de justiça” (Mt 5,6).

              O livro do Apocalipse nos torna conscientes de que não existe santificação sem luta, e a primeira luta que temos que travar é conosco mesmos, com a nossa preguiça e o nosso comodismo, com o nosso pecado, que sempre visa aquilo que nos dá algum lucro ou algum prazer, ainda que isso seja mal aos olhos de Deus e prejudique outras pessoas. A veste branca só será dada no céu àqueles que passaram por tribulações, que são exatamente o preço que pagamos para não aderir à mentira, à injustiça e ao Maligno. Na verdade, ninguém de nós chegará diante de Jesus com a veste branca, seja porque somos pecadores, seja porque travamos uma batalha espiritualmente sangrenta contra o mal. Nossa veste só ficará branca quando for lavada no sangue do Cordeiro, isto é, quando, apesar do sofrimento, imitarmos Jesus na busca diária de viver segundo a vontade do Pai.

            A santidade é um caminho que Deus nos convida a percorrer todos os dias. Concretamente, trata-se de seguirmos Jesus, o Caminho que conduz ao Pai. Ninguém percorre esse caminho sem tropeçar e cair algumas vezes. Não devemos ficar parados aonde caímos, nem nos deixarmos enganar pelo tentador que quer nos fazer pensar que o tropeço e a queda anularam tudo o que já caminhamos e nos fizeram voltar à estaca zero. Trata-se de nos deixarmos levantar novamente, pela força do Espírito Santo, e retomarmos o seguimento de Jesus, orientando-nos pelo seu Evangelho: “Esquecendo-me do que fica para trás, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto. Portanto, conservemos o rumo” (citação livre de Fl 3,13.14.16).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi