Missa do 10º dom. comum. Palavra de Deus: Oseias 6,3-6; Romanos 4,18-25; Mateus 9,9-13.
Estamos
no Ano Vocacional. Há uma séria crise de vocações masculinas e femininas em
nossa Igreja no mundo todo, mas essa crise não se refere somente à vida
consagrada. Também a vocação ao matrimônio está em crise, e essa crise é perceptível
não somente pelo número cada vez mais reduzido de pessoas que se casam na
Igreja, mas também pelo fracasso em amar até o fim – os casais que se divorciam
são de longe mais numerosos do que os casais que permanecem juntos a vida toda.
Por fim, a grande maioria das pessoas busca, em nome da sobrevivência
financeira, não ser fiel à própria vocação, mas ter um trabalho que lhe garanta
o pão sobre a mesa. Neste sentido, vocação e profissão quase sempre não coincidem:
a pessoa trabalha não naquilo para o qual nasceu, mas naquilo que no momento é
sua única oportunidade de manutenção financeira.
O
Ano Vocacional é uma oportunidade de nos lembrar de que “Eu sou uma missão
nessa terra, por isso estou nesse mundo” (Papa Francisco, EG, 273). Nossa
existência e o lugar que ocupamos no mundo atualmente se devem a uma vocação, a
um chamado: Deus nos chamou a ocupar o nosso lugar na história da salvação,
para o bem da humanidade. Se as pessoas que têm o privilégio de escolher um
curso, uma faculdade, uma profissão, visam quase sempre o sucesso financeiro, a
vocação nos ensina a sermos fiéis ao chamado que recebemos, pois somente nessa
fidelidade seremos felizes, ou seja, nos sentiremos realizados.
As
leituras bíblicas de hoje nos colocam diante da vocação de dois homens: Abraão
e Mateus. Abraão foi chamado por Deus a iniciar a formação do seu povo quando estava
perto da morte – ele tinha quase cem anos (cf. Rm 4,19)! Mateus foi chamado por
Jesus a ser discípulo e apóstolo quando ele trabalhava como cobrador de
impostos, uma profissão odiada pelos judeus, pois os cobradores de impostos estavam
a serviço do Império Romano, que oprimia e explorava os judeus na época de
Jesus.
A vocação desses dois homens vira do avesso os
nossos esquemas de sucesso, de visibilidade, de obtenção de resultados. Enquanto
as empresas apostam na beleza e na força física, na inteligência e na
influência, na oratória e na força do convencimento para venderem o seu
produto, Deus aposta no velho, no fraco, no sujo, no pecador – numa palavra,
naquilo que o mundo despreza –, para fazer acontecer o seu Reino entre nós. Por
que esse modo tão estranho de Deus agir? Para que fique claro que a obra é d’Ele
e não nossa.
Abraão
e Mateus simbolizam nossa imperfeição, nossas feridas ainda não curadas, nossas
falhas ainda não corrigidas, nossos defeitos não removidos; em resumo, a fragilidade
que nós não conseguimos remover de nós mesmos e do nosso meio enquanto Igreja. Deus
escolheu e chamou cada um de nós não porque somos vasos perfeitos, mas
trincados, e é através desses trincos que a água da sua graça escorre, vaza,
caindo na terra árida que precisa receber essa água. A vocação que recebemos de
Deus não nos foi dada porque somos fortes, inteligentes, capazes, santos, mas
exatamente pelo contrário, porque somos fracos, sem uma compreensão clara a
respeito do mistério de Deus, incapazes de muitas coisas e pecadores.
Para
celebrar o chamado que recebeu de Jesus, Mateus fez uma refeição em sua casa para
seus amigos, pecadores como ele. Isso gerou uma reação negativa nos fariseus –
homens religiosos que se consideravam impecáveis em sua conduta: “Por que vosso
mestre come
com os cobradores de impostos e pecadores?” (Mt
9,11), ao que Jesus respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes... eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,12.13). Para nós, que acabamos de celebrar a Festa
do Corpo e Sangue de Cristo, vale recordar as palavras do Papa Francisco, as
quais vêm de encontro com a resposta de Jesus aos fariseus: “A Eucaristia não é
um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os
fracos”. A salvação que Jesus trouxe ao mundo não é para quem se acha merecedor
da mesma, mas para quem tem consciência de que necessita dela.
Todo
vocacionado não é simplesmente alguém chamado a trabalhar pelo Reino de Deus,
pelo anúncio do Evangelho, mas alguém chamado a viver um relacionamento íntimo
com o Pai e o Filho, por meio do Espírito Santo. Foi por isso que Jesus deixou
claro aos fariseus: “Vocês precisam aprender o que significa: ‘Quero
misericórdia e não sacrifício’” (Mt 9,13), citação de Oseias 6,6 (primeira
leitura da missa de hoje). Na época de Jesus, o relacionamento religioso do
povo com Deus era pautado pelo sacrifício de animais. Mas, tanto o profeta
Oseias quanto Jesus buscaram conscientizar as pessoas que Deus não está
interessado em sacrifícios externos, em oferendas materiais, mas em encontrar pessoas
que estejam abertas e dispostas a fazer um caminho com Ele pautado no amor, no
conhecimento íntimo que envolve o próprio coração.
Estamos
no clima da celebração do dia dos namorados. Providencialmente, a Palavra de
Deus nos coloca diante de uma crítica importante: “O amor de vocês é como
nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz” (Os 6,4). Enquanto os
namorados manifestam estar apaixonados e a maioria tem vida sexual ativa, muitos
casais manifestam esfriamento, apatia, desencanto, chegando ao ponto de
abandonarem a vida sexual. A centralidade do namoro na vida sexual atrapalha o
diálogo, o conhecimento mútuo e a capacidade da renúncia, a qual será exigida
na vida conjugal, quando diversos fatores interferirem na vida sexual do casal.
Só quem se casa percebe, com o tempo, que a relação sexual não é o eixo
principal do casamento, mas consequência do diálogo, do companheirismo, do
afeto e do compromisso que o casal abraçou de cuidar um do outro até o fim.
“O amor
de vocês é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz” (Os 6,4). Muitas pessoas que se
consagraram a Deus ou que se casaram o fizeram por encanto, mas o encanto
passa. Durante a nossa existência, sempre passaremos por momentos de desencanto,
seja conosco mesmos, seja com as pessoas, seja com Deus, seja com a vida e a
missão que abraçamos. O verdadeiro amor sobrevive ao desencanto, porque ele não
é encanto, nem paixão. O verdadeiro amor é compromisso. Como afirmou o Papa
Francisco: “Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a
vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a
amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica
intimidade. O amor que nos prometemos supera toda a emoção, sentimento ou estado
de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma
decisão do coração que envolve toda a existência” (AL,163). Só esse amor é
capaz de sustentar a nossa fidelidade à vocação que recebemos.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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