sexta-feira, 9 de junho de 2023

NENHUMA VOCAÇÃO VIVE DE ENCANTO E DE PAIXÃO, MAS UNICAMENTE DA DECISÃO DE AMAR ATÉ O FIM

 Missa do 10º dom. comum. Palavra de Deus: Oseias 6,3-6; Romanos 4,18-25; Mateus 9,9-13.

 

            Estamos no Ano Vocacional. Há uma séria crise de vocações masculinas e femininas em nossa Igreja no mundo todo, mas essa crise não se refere somente à vida consagrada. Também a vocação ao matrimônio está em crise, e essa crise é perceptível não somente pelo número cada vez mais reduzido de pessoas que se casam na Igreja, mas também pelo fracasso em amar até o fim – os casais que se divorciam são de longe mais numerosos do que os casais que permanecem juntos a vida toda. Por fim, a grande maioria das pessoas busca, em nome da sobrevivência financeira, não ser fiel à própria vocação, mas ter um trabalho que lhe garanta o pão sobre a mesa. Neste sentido, vocação e profissão quase sempre não coincidem: a pessoa trabalha não naquilo para o qual nasceu, mas naquilo que no momento é sua única oportunidade de manutenção financeira.

            O Ano Vocacional é uma oportunidade de nos lembrar de que “Eu sou uma missão nessa terra, por isso estou nesse mundo” (Papa Francisco, EG, 273). Nossa existência e o lugar que ocupamos no mundo atualmente se devem a uma vocação, a um chamado: Deus nos chamou a ocupar o nosso lugar na história da salvação, para o bem da humanidade. Se as pessoas que têm o privilégio de escolher um curso, uma faculdade, uma profissão, visam quase sempre o sucesso financeiro, a vocação nos ensina a sermos fiéis ao chamado que recebemos, pois somente nessa fidelidade seremos felizes, ou seja, nos sentiremos realizados.

            As leituras bíblicas de hoje nos colocam diante da vocação de dois homens: Abraão e Mateus. Abraão foi chamado por Deus a iniciar a formação do seu povo quando estava perto da morte – ele tinha quase cem anos (cf. Rm 4,19)! Mateus foi chamado por Jesus a ser discípulo e apóstolo quando ele trabalhava como cobrador de impostos, uma profissão odiada pelos judeus, pois os cobradores de impostos estavam a serviço do Império Romano, que oprimia e explorava os judeus na época de Jesus.

A vocação desses dois homens vira do avesso os nossos esquemas de sucesso, de visibilidade, de obtenção de resultados. Enquanto as empresas apostam na beleza e na força física, na inteligência e na influência, na oratória e na força do convencimento para venderem o seu produto, Deus aposta no velho, no fraco, no sujo, no pecador – numa palavra, naquilo que o mundo despreza –, para fazer acontecer o seu Reino entre nós. Por que esse modo tão estranho de Deus agir? Para que fique claro que a obra é d’Ele e não nossa.

            Abraão e Mateus simbolizam nossa imperfeição, nossas feridas ainda não curadas, nossas falhas ainda não corrigidas, nossos defeitos não removidos; em resumo, a fragilidade que nós não conseguimos remover de nós mesmos e do nosso meio enquanto Igreja. Deus escolheu e chamou cada um de nós não porque somos vasos perfeitos, mas trincados, e é através desses trincos que a água da sua graça escorre, vaza, caindo na terra árida que precisa receber essa água. A vocação que recebemos de Deus não nos foi dada porque somos fortes, inteligentes, capazes, santos, mas exatamente pelo contrário, porque somos fracos, sem uma compreensão clara a respeito do mistério de Deus, incapazes de muitas coisas e pecadores.

            Para celebrar o chamado que recebeu de Jesus, Mateus fez uma refeição em sua casa para seus amigos, pecadores como ele. Isso gerou uma reação negativa nos fariseus – homens religiosos que se consideravam impecáveis em sua conduta: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” (Mt 9,11), ao que Jesus respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes... eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,12.13). Para nós, que acabamos de celebrar a Festa do Corpo e Sangue de Cristo, vale recordar as palavras do Papa Francisco, as quais vêm de encontro com a resposta de Jesus aos fariseus: “A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos”. A salvação que Jesus trouxe ao mundo não é para quem se acha merecedor da mesma, mas para quem tem consciência de que necessita dela.

            Todo vocacionado não é simplesmente alguém chamado a trabalhar pelo Reino de Deus, pelo anúncio do Evangelho, mas alguém chamado a viver um relacionamento íntimo com o Pai e o Filho, por meio do Espírito Santo. Foi por isso que Jesus deixou claro aos fariseus: “Vocês precisam aprender o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’” (Mt 9,13), citação de Oseias 6,6 (primeira leitura da missa de hoje). Na época de Jesus, o relacionamento religioso do povo com Deus era pautado pelo sacrifício de animais. Mas, tanto o profeta Oseias quanto Jesus buscaram conscientizar as pessoas que Deus não está interessado em sacrifícios externos, em oferendas materiais, mas em encontrar pessoas que estejam abertas e dispostas a fazer um caminho com Ele pautado no amor, no conhecimento íntimo que envolve o próprio coração.

            Estamos no clima da celebração do dia dos namorados. Providencialmente, a Palavra de Deus nos coloca diante de uma crítica importante: “O amor de vocês é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz” (Os 6,4). Enquanto os namorados manifestam estar apaixonados e a maioria tem vida sexual ativa, muitos casais manifestam esfriamento, apatia, desencanto, chegando ao ponto de abandonarem a vida sexual. A centralidade do namoro na vida sexual atrapalha o diálogo, o conhecimento mútuo e a capacidade da renúncia, a qual será exigida na vida conjugal, quando diversos fatores interferirem na vida sexual do casal. Só quem se casa percebe, com o tempo, que a relação sexual não é o eixo principal do casamento, mas consequência do diálogo, do companheirismo, do afeto e do compromisso que o casal abraçou de cuidar um do outro até o fim.  

“O amor de vocês é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz” (Os 6,4). Muitas pessoas que se consagraram a Deus ou que se casaram o fizeram por encanto, mas o encanto passa. Durante a nossa existência, sempre passaremos por momentos de desencanto, seja conosco mesmos, seja com as pessoas, seja com Deus, seja com a vida e a missão que abraçamos. O verdadeiro amor sobrevive ao desencanto, porque ele não é encanto, nem paixão. O verdadeiro amor é compromisso. Como afirmou o Papa Francisco: “Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade. O amor que nos prometemos supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência” (AL,163). Só esse amor é capaz de sustentar a nossa fidelidade à vocação que recebemos.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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