quinta-feira, 1 de junho de 2023

A ÁGUA DO OCEANO NÃO CABE EM NENHUM RECIPIENTE

 Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Êxodo 34,4b-6.8-9; 2Coríntios 13,11-13; João 3,16-18.

 

            Imagine que você esteja numa praia, diante do mar. Se você encher uma xícara, um copo ou um balde com a água do mar, eles ficarão cheios, mas, ainda assim, haverá muito mais água no mar do que dentro da xícara, do copo ou do balde. A imensidão de água que existe no mar ou no oceano simboliza Deus. A xícara, o copo ou o balde simbolizam a nossa capacidade de compreender Deus. Tudo o que podemos pensar, falar e experimentar a respeito de Deus é infinitamente menos do que aquilo que Ele realmente é. Em outras palavras, Deus transcende a nossa capacidade de entendê-Lo, de falar a respeito d’Ele e de experimentá-Lo.

            Como nós, seres humanos, não tínhamos como “subir” até Deus para conhecê-Lo, Ele “desceu” até nós, e essa descida se deu de três maneiras: primeiro, pela Palavra (Ele se revelou a nós na Sagrada Escritura – Antigo Testamento); segundo, pelo Filho Jesus (a Palavra que se fez pessoa humana e veio morar entre nós – cf. Jo 1,14 – Novo Testamento); terceiro, pelo Espírito Santo (presença do Pai e do Filho dentro de nós). A razão principal pela qual Deus se revelou a nós como Pai (Criador), como Filho (Redentor) e como Espírito Santo (Amor do Pai e do Filho em nós) é esta: Ele deseja estabelecer conosco um relacionamento.     

            No Antigo Testamento, o relacionamento dos homens com Deus era pautado pelo medo: “Moisés curvou-se até o chão e, prostrado por terra, disse: ‘Senhor, se é verdade que gozo de teu favor, peço-te, caminha conosco; embora este seja um povo de cabeça dura, perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos como propriedade tua’” (Ex 34,8-9). Por muitos séculos, não somente no Antigo Testamento, mas também na pregação da Igreja, prevaleceu a imagem de um Deus ameaçador, castigador, o que fez com que as pessoas que acreditavam em Deus procurassem caminhar segundo a vontade d’Ele não pela convicção de que eram amadas, mas, sim, ameaçadas por Ele.

            Como Deus não é uma criação nossa, não é fruto da nossa imaginação, foi preciso que Ele mesmo tomasse a iniciativa de Se revelar a nós de uma maneira mais clara e profunda. Para isso, Ele enviou o seu Filho: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18). Deus é Jesus. Em outras palavras, toda e qualquer ideia, imagem ou entendimento que eu possa ter a respeito de Deus Pai, preciso confrontar com aquilo que Jesus nos revelou a respeito da Pessoa do Pai.

            Ao nos revelar o Pai, Jesus deseja nos introduzir no mesmo relacionamento que ele, Filho, tem com o Pai. O Pai é o Deus que ama a humanidade a ponto de entregar a ela o que Ele tem de mais precioso: seu Filho único (cf. Jo 3,16). O Pai não deseja que nenhum ser humano se perca (cf. Mt 18,14). Por isso, enviou seu Filho para procurar e salvar todo ser humano que está perdido ou em risco de se perder (cf. Lc 19,10). O Pai é amor que tudo desculpa, tudo acredita, tudo espera e tudo suporta (cf. 1Cor 13,7). O Pai não tem pessoas a destruir e a eliminar da face da terra, mas filhos a resgatar e salvar. O Pai concede o seu sol e derrama a sua chuva sobre todos, indistintamente, porque é amor gratuito: Ele não nos ama porque merecemos ser amados, mas porque precisamos do seu amor para sermos curados e voltarmos a viver (cf. Mt 5,45).

Por que a maioria dos seres humanos não se deixa amar e cuidar pelo Pai? Porque Ele nos criou livres. O escravo não tem liberdade de sair de perto do seu senhor, mas o filho tem a liberdade de sair e de se afastar da casa do Pai quando quiser, ainda que isso o coloque num caminho de autodestruição (cf. Lc 15,11-24). O Pai nos concedeu duas coisas sagradas: liberdade e responsabilidade. Sua Palavra é seu amor oferecido como orientação para o nosso caminho de vida. Nós temos liberdade de acolher ou rejeitar a Palavra de Deus. Toda escolha que fazemos tem consequências, o que significa que temos responsabilidade sobre o rumo que escolhemos dar à nossa vida. O Pai não interfere nas nossas escolhas, porque respeita a nossa liberdade, mas apela à nossa consciência, para revermos as nossas atitudes.   

Como o Pai fala à nossa consciência? Através do Espírito Santo. Ele é o “Espírito da Verdade” (Jo 14,17; 15,26; 16,13). Interessa ao Espírito Santo (Espírito do Pai e do Filho em nós) falar não o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos ouvir, assim como Ele procura nos conduzir não para onde queremos, mas para onde devemos ir, em nome da coerência com a verdade da nossa vocação de filhos de Deus. Porque o Pai e o Filho nos querem adultos em nossa fé, e não infantis, o Espírito Santo não nos poupa de confrontos, mas nos encoraja a enfrentar aquilo que nos cabe enfrentar em vista do nosso amadurecimento, do nosso crescimento e da nossa santificação.  

Eis como o apóstolo Paulo saúda a Igreja que está em Corinto: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Cada cristão é convidado a estabelecer um relacionamento com a Pessoa do Pai, com a Pessoa do Filho e com a Pessoa do Espírito Santo. Em relação ao Pai, nos deixando amar e cuidar por Ele; em relação ao Filho, seguindo seus passos (Evangelho) e vivendo na intimidade com o Pai e na obediência à sua vontade, como o Filho sempre fez; em relação ao Espírito Santo, aceitando a orientação da sua voz em nossa consciência e nos deixando conduzir por Ele no caminho da vida de cada dia.

Resumindo, a palavra-chave para nos aproximarmos do mistério da Santíssima Trindade é uma só: relacionamento. O Deus único e verdadeiro não Se revelou na Sagrada Escritura na Pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo para ser entendido, ou seja, para caber dentro da nossa compreensão mental, mas para vivermos dentro de um relacionamento com as três Pessoas da Santíssima Trindade, um relacionamento pautado não no medo, mas unicamente no amor.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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