Missa do 2. dom. advento. Palavra de Deus: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus 3,1-12.
Polarização. Brasil partido. Mundo e
Igreja divididos. Oriente e Ocidente. Norte e Sul. Direita e Esquerda.
Inimizade. Ódio. Pensamento único – eliminar quem pensa diferente de mim.
Incapacidade de dialogar. No lugar de pontes que unem, muros que separam. Todas
essas formas de divisão, de oposição, nos desumanizam, nos adoecem e nos levam
para a morte.
Qual é
a possiblidade de mudança, de transformação, seja do mundo, seja de nós mesmos?
“Convertam-se, porque o Reino dos Céus está próximo”
(Mt 3,2). Tanto João Batista quanto Jesus (cf. Mc 1,15) estavam
convencidos de que nós podemos mudar, ser melhores, modificando nossa maneira
de pensar e de agir. O tempo do Advento sempre nos recorda de que nunca é tarde
para mudar a si mesmo, independentemente da idade que se tenha. Conversão é o
contrário de perversão. Precisamos nos perguntar se, ao longo da nossa
existência, estamos nos convertendo a Deus ou nos pervertendo na direção de
caminhos de perdição e de destruição.
Foi a uma humanidade dividida, fragmentada,
partida, que Deus enviou o seu Filho, para derrubar o muro da separação, para
eliminar a inimizade, para reconciliar o ser humano consigo mesmo, com Deus e
com o seu semelhante (cf. Ef 2,14-16). A imagem dessa humanidade reconciliada,
pacificada, aparece na profecia de Isaías: “O lobo e o
cordeiro viverão juntos”; “o bezerro e o leão comerão juntos” (Is 11,6); “o leão
comerá palha como o boi” (Is 11,7). Em outras palavras, não haverá agressão, nem
derramamento de sangue sobre a terra. Até mesmo os inimigos “naturais” deixarão
de ser inimigos e conviverão juntos. Isso significa que o processo de conversão,
de busca de mudança, precisa descer ao mais profundo de cada um de nós e atingir
os nossos afetos, os nossos instintos, de forma que o nosso “natural” transcenda
e se torne “espiritual”.
Em
cada um de nós existe bondade e maldade, mansidão e agressividade, natural e
espiritual. Não podemos eliminar um e ficar somente com o outro. Nossa
principal tarefa é colocar os dois para dialogar. O cordeiro tem algo a ensinar
ao lobo, assim como o lobo ao cordeiro. Há momentos em que a situação pede que
sejamos cordeiros, assim como há momentos em que precisamos deixar o lobo que
nos habita se manifestar. Mas esse diálogo entre lobo e cordeiro precisa ser
realizado também no âmbito familiar, comunitário e social. Quantos muros
precisam ser derrubados e convertidos em pontes, em nossas famílias, em nossas
igrejas, em nossos ambientes de trabalho e no mundo ao nosso redor? Cada palavra
e cada atitude nossa podem ser um tijolo a mais no muro da separação ou uma
tábua a mais na ponte da reconciliação.
Advento é tempo de deixar brotar algo
novo no tronco da nossa vida; é tempo de permitir que o Espírito do Senhor
repouse sobre nós e oriente nossas atitudes (cf. Is 11,1-2). Se o tempo do Advento
nos prepara para o Natal, precisamos ter consciência de que “o Natal é uma
mentira quando você crê que Deus quis compartilhar a nossa vida para restaurar
o humano e, ao mesmo tempo, você colabora com a desumanização da nossa
sociedade. O Natal é uma mentira quando você crê no Deus que se entregou até à
morte para defender e salvar o ser humano, mas você passa a vida sem fazer nada
por ninguém” (Pe. José A. Pagola). Eis porque o apóstolo Paulo nos recorda da
necessidade de nos acolhermos uns aos outros e de trabalharmos em vista da
harmonia e da concórdia uns com os outros (cf. Rm 14,5.7).
A primeira vinda de Jesus foi
preparada por João Batista. É ele a figura central no Evangelho de hoje.
Diferente de Jesus, cuja pregação era marcada pela misericórdia, João Batista tinha
uma pregação mais agressiva: “Raça de cobras venenosas,
quem ensinou
vocês a fugirem da ira que vai chegar? Produzam frutos que provem a conversão de vocês” (Mt 3,7-8). João
Batista se refere a pessoas religiosas como “raça de cobras venenosas”. Por que
há tanto veneno dentro das nossas igrejas? Quantas das nossas comunidades estão
envenenadas pela fofoca, pela competição, pela busca de poder, pela disputa por
cargos, pela divisão e mesmo pelo ódio? Como é possível que dos mesmos lábios
que recebem o Corpo de Cristo saia o veneno do mal, das palavras que causam
discórdia e divisão?
“Produzam
frutos que provem a conversão de vocês”. Ninguém de nós já concluiu seu
processo de conversão. Ninguém de nós é uma pessoa totalmente convertida. A
conversão é um processo contínuo em nossa vida, com avanços e retrocessos. No
entanto, o mínimo que se espera de nós, pessoas “de Igreja”, é que sejamos
melhores seres humanos do que aqueles que julgamos serem pessoas “do mundo”. É
inaceitável que um cristão seja pior ser humano do que um pagão. Eis porque o Evangelho
nos fala do machado posto junto à raiz da árvore: “O machado já está na raiz
das árvores,
e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10). Um cristão que nada faz
para tornar o mundo um pouco melhor será cortado do mundo.
Não
nos esqueçamos de que Jesus Cristo virá uma segunda vez, e virá como Juiz (cf.
Mt 25,31-33). Julgar, no sentido bíblico, significa separar. Ele terá na sua
mão uma pá: com ela, recolherá o trigo – as pessoas que fazem o bem – no
celeiro de Deus, e também com ela recolherá a palha e a jogará no fogo que não
se apaga, símbolo bíblico do tormento eterno dos que fazem o mal. Revisemos,
portanto, nossas atitudes. Verifiquemos se a nossa presença no seio da
humanidade a tem tornado melhor ou pior.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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