Missa Santa Maria, Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
Começo
essa reflexão com uma frase cujo autor desconheço: “Quando entendemos que não é
um dia a mais, mas um dia a menos, começamos a valorizar o essencial”. Um ano
termina e outro começa. 2022 não foi somente um ano a mais que vivemos, mas é
também um ano a menos em nossa existência terrena. Sabemos que o tempo escorre
como água por entre os nossos dedos. A vida passa rapidamente e não se importa
se estamos aproveitando o tempo que ainda nos resta para cuidarmos do essencial,
ou se estamos desperdiçando esse tempo correndo atrás de coisas que nada nos
acrescentam enquanto seres humanos. De qualquer forma, a passagem de ano é um
momento importante para que cada um de nós se pergunte: “Eu já aprendi a
valorizar o essencial?”.
O
ano que termina é como que mais uma página que escrevemos no livro da nossa história
de vida, e aquilo que escrevemos está escrito; não pode ser apagado, mudado ou
corrigido. Precisamos, portanto, aceitar o passado, nos reconciliar com ele e
compreender que o momento mais importante da nossa vida é o presente, onde temos
a oportunidade de revermos os nossos valores e usarmos a nossa liberdade para
fazer escolhas que nos tornem melhores, que estejam de acordo com a nossa
vocação, ajudando a nos tornar a pessoa que fomos chamados a ser, segundo os
desígnios de Deus a nosso respeito.
Enquanto
o nosso mundo, cada vez mais paganizado, nos dá dicas de como atrair a “boa
sorte” para o novo ano – cores de roupas a serem usadas, comidas e bebidas a
serem ingeridas, rituais religiosos carregados de superstição a serem praticados
na passagem de ano – nós nos reunimos para pedir: “Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção, e sua face resplandeça sobre
nós!” (Sl 67,2). Sabemos que, sem o auxílio de Deus, nada podemos. Só a sua
graça nos sustenta e nos mantém em pé diante das contrariedades da vida. Só a
sua bênção torna fecundo o nosso trabalho e nos ajuda a perseverar na prática
do bem. Só a sua face, que é luz, nos oferece direção e nos ajuda a manter os
nossos passos no caminho para a verdadeira vida, como pede o salmista: “Vê, Senhor,
se não ando num caminho fatal, e conduze-me pelo caminho eterno” (Sl 139,24).
Ao iniciarmos o novo ano pedimos que Deus disponha
de cada um dos nossos dias e que possamos vivê-los sob a orientação do Espírito
Santo. Ele nos foi dado como garantia da nossa filiação divina: “Deus enviou
aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá - ó Pai!” (Gl
4,6). A consciência da nossa filiação divina não deve ser entendida como
privilégio ou como garantia de sucesso permanente diante de um mundo onde muitos
são alcançados pela dor e atingidos pelas injustiças, mas com a consciência de
que temos uma missão: se estamos nesse mundo é porque há uma tarefa que nos
cabe realizar; há algo ou alguém que necessita ser cuidado por nós. É essa consciência
que confere sentido à nossa existência.
O apóstolo Paulo deixa claro que o contrário do
filho de Deus é a figura do escravo. Escrava é toda pessoa que permite ser
determinada a partir de fora, tornando-se uma espécie de joguete nas mãos do
consumismo, dos seus afetos desordenados, dos seus pecados, das superstições do
paganismo e da imposição dos contravalores do mundo atual. Quem se deixa
conduzir pelo Espírito de Deus escolhe determinar-se a partir de dentro. Sua
conduta não é determinada pelas cobranças externas, mas orientada pela voz da
sua própria consciência, cujo desejo é viver segundo a vontade de Deus, sendo
fiel à verdade que habita no fundo do seu ser. Sempre que nos aproximamos dessa
verdade, nos sentimos felizes; sempre que nos distanciamos dela, nos entristecemos
interiormente.
Maria é um exemplo concreto de pessoa livre, que
escolhe se determinar a partir de dentro: “Quanto a Maria, guardava todos estes
fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Assim como Maria, nós
não temos todas as respostas para as nossas perguntas, mas procuramos perceber
nos acontecimentos o que Deus está querendo nos dizer. Assim como ela se
colocou disponível a Deus – “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38) –,
assim nós queremos viver cada dia do novo ano orientados pela Palavra de Deus,
confiando que ela se cumprirá na vida de todos aqueles que nela creem e
esperam. Assim como Maria, compreendemos que a nossa existência tem uma palavra
que Deus deseja comunicar à humanidade: palavra de consolo para as pessoas
abatidas; palavra de correção para aqueles que estão no erro; palavra de fé e
de esperança para os que estão desanimados...
Ao
pedirmos a bênção do nosso Pai para o novo ano que se inicia (cf. Nm 6,24-26),
devemos nos recordar dessas palavras do apóstolo Paulo: “A ninguém pagueis o
mal com o mal; seja vossa preocupação fazer o que é bom para todos os homens,
procurando, se possível, viver em paz com todos, por quanto depende de vós” (Rm
12,17-18). Sabemos que o mal cresce e se espalha sempre mais no mundo, e que as
pessoas estão cada vez mais agressivas, intolerantes e indiferentes ao seu
semelhante. Exatamente por isso, precisamos ser uma presença de bênção no meio
de tanta maldição; uma presença de paz no meio de tanto conflito e tanta
agressão. Se realmente desejamos que a bênção de Deus esteja sobre nós, devemos
nos dispor a fazer o bem a todas as pessoas e a viver em paz com elas, naquilo
que depende de nós.
Termino
essa reflexão citando três breves trechos da mensagem do Papa Francisco para o
53º dia mundial da Paz: 1. “A maior lição que a Covid-19 nos deixa em herança é
a consciência de que todos precisamos uns dos outros, que o nosso maior
tesouro, ainda que o mais frágil, é a fraternidade humana, fundada na filiação
divina comum, e que ninguém pode salvar-se sozinho”. 2. “É juntos, na
fraternidade e solidariedade, que construímos a paz, garantimos a justiça,
superamos os acontecimentos mais dolorosos”. 3. “Não podemos continuar a pensar
apenas em salvaguardar o espaço dos nossos interesses pessoais ou nacionais,
mas devemos repensar-nos à luz do bem comum, com um sentido comunitário, como
um ‘nós’ aberto à fraternidade universal”.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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