quinta-feira, 27 de outubro de 2022

O JESUS SEGUNDO O EVANGELHO TE REPRESENTA?

 Missa do 31. dom. comum.  Sabedoria 11,22 – 12,2; 2Tessalonicenses 1,11 – 2,2; Lucas 19,1-10.

 

            “Rezo para que Nossa Senhora Aparecida proteja e cuide do povo brasileiro; que o liberte do ódio, da intolerância e da violência” (Papa Francisco). Quem foi que conseguiu implantar no coração do nosso País tanto ódio, tanta intolerância e tanta violência? Nunca como nos tempos atuais o ódio esteve tão presente no meio de nós. Nós o percebemos dentro das famílias, nos ambientes de trabalho, nas escolas, nas ruas e até mesmo dentro das igrejas. O ódio nada mais é do que o veneno do maligno em nós. O diabo é o divisor: ele implanta ódio no coração das pessoas para dividir um país, uma cidade, um ambiente de trabalho, uma família, uma igreja. Uma vez divididos, somos mais fáceis de sermos dominados pelo maligno.

            Contrapondo-se ao ódio, que nos torna intolerantes e violentos em relação às pessoas que não pensam como nós, o livro da Sabedoria nos fala do coração de Deus; um coração que tem compaixão de todos, que não se vinga dos pecados dos homens com agressividade, porque tem esperança de que eles se arrependam; um coração que ama tudo o que existe; um coração que não odeia ninguém. Deus não odeia ninguém! A todos ele trata com bondade; quando precisa corrigir alguém, o faz com carinho, com paciência, na esperança de que a pessoa se afaste do mal.

            Quem foi que nos afastou do Deus bíblico, do Deus que ama a todos e a ninguém odeia? Quem foi que nos ensinou a projetar em Deus o nosso ódio, a nossa intolerância e a nossa violência, achando que ele compactua com o nosso desejo diabólico de destruir pessoas que não pensam como nós? Quem foi que nos perverteu em cristãos cheios de ódio, vivendo de costas para o Evangelho? Quem foi que nos incentivou a postar frases do tipo “O Papa Francisco não me representa” ou “A CNBB não me representa”? O Deus descrito no livro da Sabedoria, o Deus que ama a todos e a ninguém odeia, te representa???

            A imagem do Deus bíblico, que quer salvar a todos porque ama a todos e a ninguém odeia, está profundamente impressa nas palavras e nas atitudes de Jesus, conforme acabamos de ver no Evangelho de hoje. Para entendermos o escândalo que foi o fato de Jesus entrar na casa de Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos e muito rico, temos que levar em conta duas coisas. Primeiro, os cobradores de impostos eram odiados pelos judeus, porque estavam a serviço da dominação romana. Além de serem odiados, eram vistos como corruptos. Se Zaqueu era muito rico, podemos supor que também era muito corrupto. Em segundo lugar, a riqueza sempre aparece nas palavras de Jesus como o maior inimigo que pode nos impedir de entrar no Reino de Deus (cf. Lc 6,24-25; 16,13-15; 18,24-25). Isso nos ajuda a entender o escândalo do povo, quando diz: “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador” (Lc 19,7).

            Que um padre ou um bispo hospede-se na casa de uma pessoa rica, isso não tem nada de escandaloso nos dias atuais. Muito pelo contrário. Afinal, não são as pessoas ricas que fazem doações importantes para a manutenção da paróquia ou da Diocese? Por isso, se quisermos nos deixar afetar pelo escândalo do povo, ao ver Jesus ir hospedar-se na casa de Zaqueu, precisamos imaginar a nossa reação vendo o padre da paróquia ou o bispo da Diocese hospedar-se na casa de um traficante, de um homossexual, de um casal em segunda união, de uma mãe solteira, de um ex-presidiário, de uma senhora que mora na periferia da cidade... 

            O Jesus bíblico, o Jesus do Evangelho, não é o Jesus que defende os nossos valores de “pessoas de bem”, mas que questiona a nossa hipocrisia, o nosso farisaísmo, o nosso manter-nos afastados das pessoas que precisam ser salvas, exatamente aquelas das quais queremos nos manter distantes porque “não comungam dos nossos valores”. Ao dizer a Zaqueu: “Hoje eu devo ficar na tua casa”, Jesus está nos dizendo que é nosso dever, enquanto cristãos, nos fazer presente na casa das pessoas que nós consideramos perdidas. Daqui a um mês praticamente, iniciaremos a Novena de Natal. Onde nós a rezaremos? Também nas casas dos inúmeros Zaqueus da nossa cidade, ou somente nas casas dos católicos praticantes, daqueles que pensam como nós?

            A atitude de Jesus, que também surpreendeu o próprio Zaqueu, fez com que ele mudasse sua forma de lidar com o dinheiro: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8). Quantos de nós estamos na Igreja há anos, mas nunca permitimos que o Evangelho questionasse a nossa relação com o dinheiro? Quantos de nós acusam o Papa Francisco ou a CNBB de serem “de esquerda” quando denunciam as injustiças sociais que causam inúmeros sofrimentos aos pobres? O verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo, que chama todos à conversão e que sempre se coloca na defesa dos pobres, representa você, ou você vai se defender dele, acusando o pregador de ser marxista?   

            Jesus justifica a sua hospedagem na casa de Zaqueu afirmando que veio “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Uma Igreja que permanece fechada em si mesma, defendendo-se do mundo, não entendeu o Evangelho. Um cristão que decidiu trocar o Deus que ama a todos e a ninguém odeia por um Deus que autoriza o ódio ao diferente, virou as costas para a Sagrada Escritura. Um cristão que reduz o Evangelho a preceitos espirituais e morais e não opõe às injustiças sociais, nem se preocupa com a ruína dos pobres, já virou as costas para Jesus Cristo há muito tempo, mas ainda não se deu conta disso. 

            Na vida cristã não cabe neutralidade. É impossível ser fiel ao Evangelho e “representar” cristãos que não se deixam questionar por suas exigências. Quando ouvir desses cristãos que você não os representa, agradeça a Deus e alegre-se! Isso é sinal de que você está no caminho que o Papa Francisco e a CNBB escolheram percorrer: o caminho da fidelidade ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, ainda que isso lhes custe o ódio dos cristãos que se julgam “pessoas de bem”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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