Missa do 28. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 5,14-17; 2Timóteo 2,8-13; Lucas 17,11-19.
Como
é que nós estamos nos relacionando com as pessoas atualmente? O que nos move a
nos aproximar desta ou daquela pessoa: o interesse pelo bem dela ou pelo nosso?
Existe gratuidade nas nossas relações, ou apenas interesse em ganhar algo, em
lucrar algo com a pessoa?
Muitos de nós já fizemos a experiência de sermos “usados”,
de sermos procurados não por aquilo que somos, mas por algo que temos e que
interessa à pessoa. É profundamente desagradável quando uma pessoa fica junto
de nós apenas até conseguir algo que quer, e, depois, desaparece da nossa vida.
Nós nos sentimos usados, não amados pela pessoa.
Os textos bíblicos de hoje (1ª. leitura e Evangelho)
nos falam da importância da gratidão. Só consegue ser grata, só é capaz de
gratidão, uma pessoa que reconhece que recebeu algo que não foi mérito seu: “O
que é que vocês possuem que não tenham recebido? E, se receberam, porque vocês
se enchem de soberba?” (1Cor 4,7). Essas palavras do apóstolo Paulo nos
convidam a tomar consciência de que nada em nossa vida é mérito nosso; tudo o
que temos e somos nós o recebemos de Deus. Por isso, ao invés de sermos soberbos,
deveríamos ser gratos, agradecidos.
Aquilo que mais nos impede de reconhecer tudo o que
já recebemos é a dinâmica do consumismo, que tira os nossos olhos daquilo que somos
e temos e os dirige para aquilo que não somos e ainda não temos. Além disso, as
exigências dos padrões externos de beleza, de sucesso e de felicidade, substituem
em nós o sentimento de gratidão pelo sentimento de frustração. Por que eu vou
agradecer a Deus pelo meu corpo, quando não tenho o corpo exigido pelo padrão
estético do momento? Por que eu vou agradecer a Deus pela casa onde moro e pelo
carro que me conduz para onde preciso ir, se não moro numa casa “melhor” e se
não tenho um carro “melhor”? Por que eu vou agradecer a Deus pelo simples fato
de existir, se a minha existência é “insignificante” aos olhos das pessoas à
minha volta?
Nós só podemos nos tornar capazes de gratidão
quando enxergamos o nosso próprio valor, o qual não depende de circunstâncias
externas, e quando acolhemos a vida como ela é, ao invés de nos tornarmos
amargos por aquilo que achamos que ela deveria ser. Aqui mais uma vez é preciso
lembrar o provérbio chinês que diz: “A felicidade não depende daquilo que você
não tem, mas do bom uso que você faz daquilo que tem”. Quem vive olhando aquilo
que ainda não tem, enche seu coração de amargura. Quem aprende a enxergar e a
valorizar aquilo que tem, torna-se capaz de alegrar-se e de sentir gratidão.
A gratidão não depende de que tudo na sua vida
esteja correndo conforme você planejou. Ela não depende das circunstâncias
externas, mas da sua maneira de ver e de interpretar as circunstâncias à sua
volta. Posso
olhar para a minha história de vida, e agradecer a Deus por ser quem eu sou.
Posso olhar para o meu corpo e agradecer porque, para além dos padrões de
estética do momento, eu tenho a minha própria beleza. Posso olhar para as
minhas cicatrizes, as minhas rugas, os meus cabelos brancos, e agradecer porque
cada uma dessas marcas me diz que eu vivi e não fui apenas vivido pelos acontecimentos.
Posso olhar para a minha alma e para as cicatrizes que estão nela, e agradecer
porque elas são as memórias das lutas que travei comigo para amadurecer como
pessoa. Posso olhar, enfim, para o meu coração e agradecer não só pelas respostas
que a vida já me deu, mas também pelas perguntas que ainda carrego comigo,
porque são elas – as perguntas – que me fazem caminhar, e quem sabe, enquanto
caminho, seja eu também curado e descubra mais motivos ainda para agradecer.
A
atitude do samaritano, que, ao se perceber curado da sua lepra, voltou para
agradecer a Jesus, questiona a nossa relação com Deus. Nós o procuramos por
quem ele é ou por algo que desejamos que ele nos dê ou nos faça? Se pararmos
para olhar a nossa história de vida, nos daremos conta de que Deus já fez muito
por nós, já nos socorreu inúmeras vezes, já nos libertou de inúmeros problemas.
Nós já o agradecemos por isso? Olhando para a nossa história de vida, vamos perceber
também que Deus não nos poupou de situações difíceis, de sofrimentos e de
perdas que, apesar de dolorosos, foram necessários para o nosso crescimento,
amadurecimento e santificação. Nós já nos tornamos capazes de agradecer a Deus
também por aquilo que ele nos tirou, por aquilo que nos negou, por aquilo que
não nos fez? Aqui só é possível ter gratidão a partir da fé, da confiança de
que as coisas ruins que nos aconteceram tiveram um propósito positivo para a
nossa vida, segundo os desígnios de Deus para com cada um de nós.
Exercitemos a gratidão. Ela afasta de nós
sentimentos ruins, como inveja, pessimismo e amargura, e nos enche de alegria,
de confiança e de paz, como um quarto escuro que, tendo a cortina da janela
sido aberta, recebe a luz do sol.
1.
“A
gratidão desbloqueia a abundância da vida. Ela torna o que temos em suficiente,
e mais. Ela torna a negação em aceitação, caos em ordem, confusão em claridade.
Ela pode transformar uma refeição em um banquete, uma casa em um lar, um
estranho em um amigo. A gratidão dá sentido ao nosso passado, traz paz para o
hoje e cria uma visão para o amanhã” (Melody Beattie).
2.
“Ao
que nada espera tudo que vem é grato” (Fernando Pessoa).
3.
“Aprendi
que deveríamos ser gratos a Deus por não nos dar tudo que lhe pedimos” (William
Shakespeare).
4.
“Os
mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a
gratidão” (O Diário de
Anne Frank).
5.
“Todo
o nosso descontentamento por aquilo que nos falta procede da nossa falta de
gratidão por aquilo que temos” (Daniel Defoe).
6.
“Gratidão...
É reconhecer a mão de Deus em todos os detalhes de nossa vida, é Ele quem vai
arrumando tudo em seu lugar, pode doer, mas é melhor. Que sejamos gratos a Deus
pelas alegrias e dores, pois tudo é permissão de Deus para realizar o melhor em
nossas vidas” (Yla Fernandes).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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