Missa de Nossa Senhora Aparecida. Palavra de Deus: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11.
1. A força
da mulher – Tanto a
sensibilidade de Ester (1ª. leitura) quanto a de Maria (Evangelho) nos falam da
força do feminino que se coloca em diálogo com o masculino para dar um outro
rumo à história humana, até mesmo no sentido de ampliar o horizonte de visão do
masculino e lembrá-lo de que ele não é somente razão, mas também sentimento. Ao
mesmo tempo, as figuras de Ester e de Maria nos remetem a inúmeras mulheres que
hoje lutam por aquilo em que acreditam, mulheres que não entregam os pontos
diante das dificuldades e dos problemas, que mantêm a casa em pé onde a
presença masculina é fraca ou totalmente ausente.
Quando observamos a
presença da mulher na sociedade atual, percebemos uma ambiguidade: enquanto
algumas são agredidas, humilhadas e “usadas” por seus parceiros, mulheres sem
autoestima, que vivem como um elefante amarrado por uma perna a uma pequena
estaca – imagem de quem desconhece a força e o valor que carrega dentro de si,
por outro lado vemos o feminino se travestindo de masculino, medindo forças e
imitando o masculino naquilo que ele tem de pior, de doentio e de perverso;
mulheres que perderam o senso do ridículo, que sentem a estranha necessidade de
marcar sua presença em público de maneira extravagante, bebendo, fumando e
usando palavreado vulgar. São mulheres cujo vinho se corrompeu em vinagre.
2. Da mulher
abandonada para a esposa amada – O Evangelho nos coloca numa cena de casamento, imagem do desejo de
Deus de unir-se a cada ser humano e de lhe conceder a verdadeira alegria,
simbolizada pelo vinho (cf. Os 2,21-22). A imagem do casamento expressa o amor de
Deus (Esposo) por seu povo – a humanidade (Esposa). O livro do Apocalipse se
encerra com a imagem de um casamento: a Igreja (Esposa) casa-se com o Cordeiro
(Esposo). Em toda Eucaristia, nós recebemos esse convite: “Felizes os
convidados para a ceia do Senhor”, inspirado em Ap 19,9.
Todo
ser humano carrega em si o desejo de ser amado. No entanto, é cada vez maior o
número de pessoas em nosso mundo que se sentem não-amadas nem pelos homens, nem
por Deus. O sentimento de solidão é cada vez mais frequente, além do fato de
que nem toda pessoa casada se sente feliz, da mesma forma como nem toda pessoa
não casada se sente infeliz. No caminho da busca por amor há muitos
desencontros, feridas, decepção e até mesmo descrédito em relação ao próprio
amor. Contudo, desde os primeiros profetas, a imagem do casamento sempre foi
utilizada como símbolo da união do ser humano com Deus, símbolo não só do amor
de Deus por todo ser humano, mas também da Sua dedicação incansável em fazer
com que a vida de cada ser humano seja abraçada pela justiça e pela salvação.
Nas
bodas de Caná temos dois casais: o esposo e a esposa do casamento, mas também
Jesus e sua mãe, que Ele propositalmente chama de “Mulher”, não de mãe, porque
ela representa a Igreja. Enquanto o casal das bodas de Caná celebra sua
felicidade, o “casal” Jesus e Maria trabalham no sentido de devolver a
felicidade à humanidade, que “não tem mais vinho”.
A
falta de vinho nas bodas de Caná remete para a falta de Deus no coração de
inúmeras pessoas hoje, a falta de alegria e paz em muitas famílias, a falta de
saúde e proteção para inúmeras crianças e adolescentes, a falta de respeito
para com a vida humana, a falta de fé e de esperança em nosso próprio coração. A
falta do vinho também expressa a falta de compaixão para com quem sofre, a
falta de indignação para com as injustiças, a falta de interesse em defender o
meio ambiente, a falta de um olhar que enxergue a vida para além do próprio
umbigo.
3.
A intercessão de Nossa Senhora – Maria intercede junto a Jesus, mas ele a coloca no seu lugar: “Minha
hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A hora de Jesus derramar o sangue da nova e
eterna aliança entre o Pai e a humanidade será a hora da cruz. Mas Maria, com a
sua intercessão, antecipa esta hora, aconselhando aos servos: “Fazei o que ele
vos disser” (Jo 2,5). Se não há alegria em nós, se o vinho acabou, precisamos
nos perguntar: Estamos vivendo a nossa vida segundo o que Jesus nos diz no
Evangelho? Jesus nos manda encher as talhas de água, isto é, cuidar daquilo que
caiu no descuido, voltar a encher aquilo que se esvaziou, tendo a certeza de
que o vinho melhor, a alegria maior, sempre poderá nascer depois de uma crise
ou de um sério desgaste.
“Fazei
o que ele vos disser” (Jo 2,5). A atitude de Maria nos questiona: nós viemos ao
mundo para servir ou para sermos servidos? Nós nos deixamos afetar pela
realidade que nos cerca, pelo que acontece à nossa volta? Não precisamos fazer
muito esforço para lamentar a falta de vinho novo em nossa vida, mas quantos de
nós nos dispomos a ter uma atitude proativa e encher nossas talhas de água? Além
de lamentarmos a nossa falta de vinho, nós também fazemos algo para modificar
isso? A maioria reclama, a minoria se dispõe a arregaçar as mangas e fazer
alguma coisa para mudar a situação. O vinho novo jamais poderá ser produzido
por nós, mas seu surgimento certamente depende da nossa colaboração: obedecer à
orientação de Jesus e encher nossas talhas de água (cf. Jo 2,7-8).
4.
O vinho melhor surgiu depois da crise – “O mestre-sala experimentou a água, que
se tinha transformado em vinho... ‘Tu guardaste o vinho melhor até agora!’” (Jo
2,10-11). O vinho melhor chegou quando não se esperava mais nada, a não ser o
fim da festa. Muitos de nós estamos convencidos de que a vida é assim mesmo: as
coisas começam bem e terminam mal; com o tempo, nossos sonhos se desgastam,
nossos ideais perdem o sentido; tudo vai aos poucos perdendo a graça e a razão
de ser. É assim com os nossos relacionamentos, com os nossos sonhos e projetos,
com a nossa vida profissional, com a nossa fé e até mesmo com a nossa própria
vocação!
No
entanto, Jesus faz acontecer algo surpreendente: o melhor veio depois! O vinho
que surgiu depois foi infinitamente melhor do que o vinho que havia antes! A
alegria depois da crise foi infinitamente melhor e mais significativa do que a
alegria antes da crise. E é assim porque o vinho novo é símbolo do Espírito
Santo, cuja graça tudo transforma e tudo renova.
Nós
sempre poderemos experimentar a alegria do vinho novo na medida em que formos
como Nossa Senhora, pessoas que enfrentam as situações, que não fogem dos
problemas, que não abandonam seus sonhos porque estão vivendo um momento de
pesadelo, pessoas que se posicionam diante daquilo que as faz sofrer. Nós
poderemos experimentar a alegria do vinho novo sempre que fizermos tudo o que
Jesus nos disser, enchendo nossas talhas de água na certeza de que o milagre da
transformação é e sempre será um trabalho conjunto entre a graça de Deus e as
nossas atitudes.
Confiemos
na força intercessora de Nossa Senhora Aparecida. Acolhamos a sua orientação de
conduzir a nossa vida sempre buscando ouvir o seu Filho, buscando na palavra do
Evangelho uma direção para aqueles momentos onde para nós acabou o vinho.
Façamos a nossa parte, enchamos nossas talhas de água, e confiemos que Jesus
tem o poder de transformar nossas crises em oportunidade de crescimento,
fazendo-nos experimentar uma alegria e um sentido sempre novos e mais
significativos, depois de termos passado por situações difíceis.
Oração: Senhor Jesus, és o Esposo não
somente da Igreja, mas da alma humana, alma que tem sede de sentido, de alegria
e de salvação. Olha para a falta de vinho que existe no coração da humanidade,
em nossas famílias e comunidades, e em tua própria Igreja. São inúmeras as
pessoas que se sentem abandonadas e não-amadas. Derrama sobre o coração de cada
uma delas o dom do teu Espírito, pois somente Ele pode nos fazer experimentar
verdadeiramente o amor de Deus e a alegria da Sua salvação.
Seguindo
o conselho de Tua Mãe, Maria Santíssima, a exemplo dos servos daquele
casamento, queremos aprender a fazer tudo o que o Senhor nos disser. Nos
comprometemos a encher nossas talhas de água, a fazer a nossa parte para que,
onde o vinho antigo acabou, onde quer que exista ausência de alegria e de
esperança, de justiça e de fraternidade, nós possamos colaborar para o
surgimento do vinho novo, da transformação que o próprio Deus quer para o bem e
a salvação de cada ser humano.
Enfim,
Senhor, que nenhuma crise, nenhum desencontro, nenhuma ferida ou dificuldade
nos faça perder a esperança de que o vinho novo sempre surgirá e sua alegria
será abundantemente superior a tudo aquilo que até hoje experimentamos, pois o
Teu Espírito continua a renovar a face de terra e nós cremos no Seu poder de
reavivar a nossa Igreja, curar nossas feridas e transformar nossas tristezas em
verdadeira e profunda alegria. Amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário