quinta-feira, 20 de outubro de 2022

TOME CUIDADO COM A SOBERBA ESPIRITUAL

Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14.

 

            Até que ponto a religião nos torna melhores, enquanto seres humanos? Ter uma religião nos humaniza, nos torna mais capazes de compaixão e de solidariedade para com o próximo, para com quem sofre? Será que o fato de sermos pessoas religiosas nos dá um certo orgulho e nos faz pensar que somos melhores que os demais seres humanos?

            Jesus nasceu dentro da religião judaica. Ao crescer, se deu conta que sua religião havia se fechado em si mesma, afastando-se das pessoas que mais precisavam de salvação. Dentro da religião de Jesus, havia um grupo que se considerava “pessoas de bem”, pessoas não contaminadas pelo pecado do povo “ignorante”: os fariseus. Aliás, o próprio nome “fariseu” significa “separado”. Enquanto os fariseus faziam questão de manter distância das pessoas que eles consideravam pecadoras, Jesus fez questão de se colocar junto a essas pessoas, entendendo que o lugar do Médico é junto aos que estão doentes, assim como o lugar do Salvador é junto daqueles que se reconhecem necessitados de salvação.

            Algo que preocupava muito Jesus era a presunção religiosa dos fariseus (o “fermento dos fariseus” – Mc 8,15): a presunção de se acharem salvos, uma presunção que tinha, como outro lado da moeda, o desprezo pelos outros: “Eu estou salvo; os outros estão perdidos. Eu estou na luz; os outros vivem na escuridão. Eu enxergo; os outros estão cegos”. Até que ponto essa presunção não está em nós, também? Já foi constatado que muitos católicos hoje em dia sofrem de uma doença chamada “soberba espiritual”. Essa soberba faz com que eles se achem mais católicos do que o Papa Francisco e mais fiéis à doutrina do que os nossos Bispos. Essa soberba espiritual faz com que alguns deles postem em suas redes sociais frases do tipo: “O Papa Francisco não me representa”; “O Bispo não me representa”; “A CNBB não me representa”.  

            Jesus mostra no Evangelho de hoje que a nossa soberba espiritual ou a nossa humildade aparecem na hora em que vamos fazer nossa oração. Durante a sua oração, uma pessoa que sofre de soberba espiritual exalta a si mesma perante Deus, enquanto que, ao mesmo tempo, despreza os outros, que não pensam como ela, que não são “boas” como ela se julga ser. O grande problema é que no coração de um fariseu, de uma pessoa cheia de si, não há espaço nem para Deus, nem para os outros. Só cabe ali o seu próprio ego. Pior ainda: uma pessoa que sofre de soberba espiritual não sente a necessidade de ser salva; pelo contrário, ela já se presume salva, e julga os outros como pessoas perdidas, sem salvação, pessoas das quais ela procura se manter distante, chegando até mesmo a sentir ódio delas.  

            O contrário da soberba espiritual é a humildade. O coração da pessoa humilde é como um jarro vazio: ali cabem os outros e ali cabe, sobretudo, Deus. A oração da pessoa humilde jamais expressa a presunção em estar salva, mas a consciência de que ela necessita ser salva. Diferente do cristão fariseu, o cristão humilde nunca olha os outros como pecadores desprezíveis, mas enxerga a si mesmo como pecador e necessitado de salvação, a exemplo do apóstolo Paulo: “Cristo Jesus veio ao mundo salvar os pecadores, e eu sou o primeiro que necessito ser salvo” (citação livre de 1Tm 1,15).

            Após mostrar o contraste da oração da pessoa soberba e da pessoa humilde, Jesus chama a atenção para o efeito que a oração produziu em uma e em outra: o homem que se reconheceu pecador e necessitado de salvação voltou para casa “justificado”, enquanto que o outro não. Voltar para casa “justificado” pode ser compreendido como voltar para casa curado, transformado, liberto, salvo. Assim como a condição para ser curado é ter consciência da própria doença, a condição para ser justificado é ter consciência do próprio pecado.

            Para compreendermos a importância do termo “justificado”, precisamos nos lembrar de três verdades bíblicas: “Diante de ti, nenhum ser humano será declarado justo” (Sl 143,2); “Não existe pessoa justa, não existe uma sequer; todas se transviaram e se corromperam” (Rm 3,10-11); “Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus, mas são justificados gratuitamente, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” (Rm 3,23-24). A justificação não é prêmio que eu recebo pelos meus esforços ou pelos meus méritos, mas unicamente graça; graça que me foi concedida na cruz de Cristo. Eu não sou um homem justo; sou um homem miserável e pecador, mas que foi gratuitamente justificado, isto é, tornado justo, pelos sofrimentos de Cristo na cruz.

            Tomemos cuidado com o fermento dos fariseus, que é a soberba espiritual, a presunção em ser uma pessoa de bem, enquanto julga os outros como se fossem pessoas do mal. Não sejamos escândalo para o mundo. Não permitamos que a religião nos torne arrogantes e cheios de nós mesmos, olhando os outros de cima para baixo; pior ainda, ignorando os demais. Não nos esqueçamos da advertência de Santo Agostinho: “Há pessoas que estão dentro, mas vivem como se estivessem fora. Há pessoas que estão fora, mas vivem como se estivessem dentro”.

Aprendamos com Jesus, com o Papa Francisco e com tantas pessoas que, mesmo fora da Igreja, escolheram descer o degrau da soberba para se colocarem junto daqueles que estão abatidos e humilhados, justamente porque essa continua sendo a escolha de Deus: “Eu habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

 

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