Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14.
Até
que ponto a religião nos torna melhores, enquanto seres humanos? Ter uma religião
nos humaniza, nos torna mais capazes de compaixão e de solidariedade para com o
próximo, para com quem sofre? Será que o fato de sermos pessoas religiosas nos dá
um certo orgulho e nos faz pensar que somos melhores que os demais seres
humanos?
Jesus
nasceu dentro da religião judaica. Ao crescer, se deu conta que sua religião
havia se fechado em si mesma, afastando-se das pessoas que mais precisavam de
salvação. Dentro da religião de Jesus, havia um grupo que se considerava “pessoas
de bem”, pessoas não contaminadas pelo pecado do povo “ignorante”: os fariseus.
Aliás, o próprio nome “fariseu” significa “separado”. Enquanto os fariseus
faziam questão de manter distância das pessoas que eles consideravam pecadoras,
Jesus fez questão de se colocar junto a essas pessoas, entendendo que o lugar
do Médico é junto aos que estão doentes, assim como o lugar do Salvador é junto
daqueles que se reconhecem necessitados de salvação.
Algo
que preocupava muito Jesus era a presunção religiosa dos fariseus (o “fermento dos
fariseus” – Mc 8,15): a presunção de se acharem salvos, uma presunção que tinha,
como outro lado da moeda, o desprezo pelos outros: “Eu estou salvo; os outros
estão perdidos. Eu estou na luz; os outros vivem na escuridão. Eu enxergo; os
outros estão cegos”. Até que ponto essa presunção não está em nós, também? Já
foi constatado que muitos católicos hoje em dia sofrem de uma doença chamada “soberba
espiritual”. Essa soberba faz com que eles se achem mais católicos do que o
Papa Francisco e mais fiéis à doutrina do que os nossos Bispos. Essa soberba
espiritual faz com que alguns deles postem em suas redes sociais frases do tipo:
“O Papa Francisco não me representa”; “O Bispo não me representa”; “A CNBB não
me representa”.
Jesus
mostra no Evangelho de hoje que a nossa soberba espiritual ou a nossa humildade
aparecem na hora em que vamos fazer nossa oração. Durante a sua oração, uma
pessoa que sofre de soberba espiritual exalta a si mesma perante Deus, enquanto
que, ao mesmo tempo, despreza os outros, que não pensam como ela, que não são “boas”
como ela se julga ser. O grande problema é que no coração de um fariseu, de uma
pessoa cheia de si, não há espaço nem para Deus, nem para os outros. Só cabe
ali o seu próprio ego. Pior ainda: uma pessoa que sofre de soberba espiritual
não sente a necessidade de ser salva; pelo contrário, ela já se presume salva,
e julga os outros como pessoas perdidas, sem salvação, pessoas das quais ela
procura se manter distante, chegando até mesmo a sentir ódio delas.
O
contrário da soberba espiritual é a humildade. O coração da pessoa humilde é como
um jarro vazio: ali cabem os outros e ali cabe, sobretudo, Deus. A oração da
pessoa humilde jamais expressa a presunção em estar salva, mas a consciência de
que ela necessita ser salva. Diferente do cristão fariseu, o cristão humilde
nunca olha os outros como pecadores desprezíveis, mas enxerga a si mesmo como
pecador e necessitado de salvação, a exemplo do apóstolo Paulo: “Cristo Jesus
veio ao mundo salvar os pecadores, e eu sou o primeiro que necessito ser salvo”
(citação livre de 1Tm 1,15).
Após
mostrar o contraste da oração da pessoa soberba e da pessoa humilde, Jesus
chama a atenção para o efeito que a oração produziu em uma e em outra: o homem
que se reconheceu pecador e necessitado de salvação voltou para casa “justificado”,
enquanto que o outro não. Voltar para casa “justificado” pode ser compreendido
como voltar para casa curado, transformado, liberto, salvo. Assim como a condição
para ser curado é ter consciência da própria doença, a condição para ser
justificado é ter consciência do próprio pecado.
Para
compreendermos a importância do termo “justificado”, precisamos nos lembrar de três
verdades bíblicas: “Diante de ti, nenhum ser humano será declarado justo” (Sl
143,2); “Não existe pessoa justa, não existe uma sequer; todas se transviaram e
se corromperam” (Rm 3,10-11); “Todos pecaram e todos estão privados da glória
de Deus, mas são justificados gratuitamente, em virtude da redenção realizada
em Cristo Jesus” (Rm 3,23-24). A justificação não é prêmio que eu recebo pelos
meus esforços ou pelos meus méritos, mas unicamente graça; graça que me foi
concedida na cruz de Cristo. Eu não sou um homem justo; sou um homem miserável
e pecador, mas que foi gratuitamente justificado, isto é, tornado justo, pelos
sofrimentos de Cristo na cruz.
Tomemos
cuidado com o fermento dos fariseus, que é a soberba espiritual, a presunção em
ser uma pessoa de bem, enquanto julga os outros como se fossem pessoas do mal.
Não sejamos escândalo para o mundo. Não permitamos que a religião nos torne
arrogantes e cheios de nós mesmos, olhando os outros de cima para baixo; pior
ainda, ignorando os demais. Não nos esqueçamos da advertência de Santo
Agostinho: “Há pessoas que estão dentro, mas vivem como se estivessem fora. Há pessoas
que estão fora, mas vivem como se estivessem dentro”.
Aprendamos com Jesus, com o Papa Francisco e com
tantas pessoas que, mesmo fora da Igreja, escolheram descer o degrau da soberba
para se colocarem junto daqueles que estão abatidos e humilhados, justamente
porque essa continua sendo a escolha de Deus: “Eu habito em lugar alto e santo,
mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados,
a fim de animar os corações humilhados” (Is 57,15).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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