Missa do 27. dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 2,18-24; Hebreus 2,9-11; Marcos 10,2-16.
Tanto
os fariseus quanto os discípulos perguntaram a Jesus a respeito do divórcio. A
pandemia do coronavírus, obrigando as famílias a ficarem em casa convivendo juntas
24 horas por dia, fez com que a consulta no Google a respeito de “divórcio on
line gratuito” crescesse 9.000%! Não devemos tentar tapar o sol com uma
peneira. A realidade está aí, diante dos olhos de todos nós, mostrando que o
divórcio deixou de ser exceção e passou a ser regra. A exceção são os casamentos
que duram a vida toda, “até que a morte os separe”.
Inúmeras
são as causas do divórcio. “Às vezes, para decidir que tudo acabou, basta uma desilusão,
a ausência num momento em que se precisava do outro, um orgulho ferido” (Papa Francisco,
A alegria do amor, n.237). “A essência de todo o divórcio está na incapacidade
de amar o diferente”. Algumas pessoas se casam na esperança de que, com o
tempo, consigam mudar o outro, atingindo, assim, “uma sintonia total”. Como
isso não acontece, surge a convicção: “não somos mais compatíveis – precisamos
buscar outra pessoa mais compatível para não arrastarmos ao longo da vida um
relacionamento que nos fará infeliz. Aí surge o divórcio” (Carlos Catito, psicólogo
clínico evangélico). No entanto, “é preciso reconhecer que há casos em que a
separação é inevitável..., quando se trata de defender o cônjuge mais frágil,
ou os filhos pequenos, das feridas mais graves causadas pela prepotência e a
violência, pela humilhação e a exploração, pela alienação e a indiferença” (Papa
Francisco, A alegria do amor, n.241).
Por
trás do divórcio há uma geração imatura, despreparada para tolerar frustrações,
para lidar com problemas, para dialogar; numa palavra, para abraçar a cruz.
Além disso, a maioria das pessoas se casam com uma pergunta no coração: “O que
esse casamento tem a me oferecer?” ou então: “O que essa pessoa com quem estou
me casando tem a me oferecer?”, quando a pergunta a ser feita é: “O que eu
tenho a oferecer a esse casamento, a essa pessoa com quem eu me casei?” Em
outras palavras, a grande maioria se casa pensando em usufruir, em desfrutar do
casamento; poucos se casam dispostos a investir no seu casamento, a construir a
casa a partir de um alicerce sólido e profundo, planejado, não improvisado.
Um
dos problemas mais comuns no casamento é a questão sexual. Como lidar com a
diferença de desejo entre o casal: um tem mais necessidade de sexo, enquanto o
outro tem menos? Paulo apóstolo fala da necessidade do cuidado com a vida
sexual do casal: “Não se recusem um ao outro, a não ser de comum acordo, para
se entregarem à oração; depois disso, voltem a se unir, a fim de que Satanás
não tente vocês através da incontinência” (1Cor 7,5). A vida sexual tem um peso
sério a ser considerado no casamento, sobretudo no início. Muitas coisas podem
interferir na saúde sexual do casal: o estresse (trabalho), a ansiedade
(desempenho sexual?), a chegada de um filho ou o esgotamento em relação aos
filhos, os problemas financeiros, a baixa autoestima (o descuido de si), a
pornografia etc.
Ora,
vivemos numa sociedade erotizada, a qual reduz nossa sexualidade ao prazer
genital. Como esse prazer é temporário e finito, buscam-se formas de torná-lo
permanente e cada vez mais intenso. Para isso, escancaramos as portas das nossas
fantasias sexuais e nos entregamos aos nossos instintos, nos permitindo o uso
de droga, de introdução consentida de um terceiro parceiro na relação, de troca
de casais, de sexo grupal etc. Como nosso casamento nos realiza 85% e sentimos a
falta dos outros 15%, nos vemos diante de três opções: 1) nos contentar e
sermos agradecidos pelos 85%; 2) jogar fora os 85% para ir atrás dos 15% que
sentimos que nos falta; 3) fazer um “bem bolado”, levando uma vida dupla, por
meio da qual não só não perdemos os 85% como também obtemos os 15%, sempre que sentimos
falta dele.
A
respeito dessa busca de 100% de satisfação ou felicidade, precisamos levar em
conta duas coisas: segundo o próprio Freud, 90% das nossas fantasias sexuais
nunca serão satisfeitas, justamente por serem fantasias. Além disso, precisamos
ser realistas: ninguém tem tudo e ninguém pode ter tudo. Ainda em relação à
vida sexual, precisamos considerar que nós não somos somente corpo, mas corpo,
alma e espírito. Neste sentido, o sexo por si só não realiza nenhum casamento.
Existem outras realidades pedindo cuidado: afeto, diálogo, companheirismo,
respeito pela individualidade de cada um etc.
No
ano de 2007 o Papa Bento XVI afirmou que o divórcio é uma “dolorosíssima chaga
(ferida)” na vida de um casal cristão. Em nome da sua felicidade individualista,
marido e mulher ferem-se mutuamente com o divórcio e expõem-se mutuamente ao
adultério, pois o que Deus uniu não pode ser separado pelo ser humano. Em nome
da sua felicidade individualista, pais impõem aos filhos a ferida do divórcio, justificando
que eles (pais) têm o direito de serem felizes. Desse modo, nossas famílias,
que poderiam ser lugares onde um cuida das feridas do outro, se tornam lugares
onde um abre feridas no outro, com a sua busca individualista de felicidade.
Mais
do que nunca, precisamos nos voltar para o Senhor, nosso Deus, que disse: “Sim,
incurável é tua ferida, e a tua chaga não tem remédio... Tua chaga é incurável!
(...) Eu te trarei remédio, curarei tuas feridas” (Jr 30,12.15.17).
Oração:
Senhor Deus, Tu és o Pai de toda família na terra. Através da família de
Abraão, Tu prometeste abençoar todas as famílias da terra. Visita nossas casas,
nossas famílias, nossos relacionamentos. Cobre com o sangue de Teu Filho, que
nos amou até o fim, os casais que o Teu amor uniu, para que a ferida do
divórcio não machuque as famílias. Cura nossa sexualidade adoecida e machucada.
Concede aos casais o remédio do perdão, do diálogo, do renascimento do afeto e
do desejo. Derruba o muro de separação que existe entre marido e esposa, entre
pais e filhos. Que nossas famílias abracem o Teu sonho de construir um mundo
onde ninguém se sinta só. Em nome de Teu Filho, na graça do Espírito Santo. Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi