sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

"EU SOU O SENHOR, AQUELE QUE TE CURA" (Êxodo 15,26)

 Missa do 5. dom. comum. Palavra de Deus: Jó 7,1-4.6-7; 1Coríntios 9,16-19.22-23; Marcos 1,29-39.

 

Ninguém duvida que o nosso mundo é doente. Apesar de todo avanço científico e tecnológico, nunca como em nosso tempo as pessoas estiveram tão doentes. Além da proliferação do câncer nas suas inúmeras e diversas manifestações, e da grande batalha contra o novo coronavírus, vemos cada vez mais pessoas adoecerem psiquicamente: síndrome do pânico, ansiedade, depressão, esquizofrenia e outros tantos transtornos.

É inegável que muitas das doenças do nosso tempo são fruto da pobreza, da fome, da desnutrição e da má alimentação; outras, são consequência de ambientes marcados por violência e agressão. Algumas doenças são provocadas pelo vício da bebida alcoólica, do cigarro e de outras drogas, enquanto outras são consequência do estresse no mundo do trabalho, marcado por conflitos e por uma constante exigência de “resultados”. Por fim, temos “doenças novas” devido ao vício do celular. Como já cantava Legião Urbana, na música “Índios”, “nos deram espelhos e vimos um mundo doente”. O tempo excessivo que algumas pessoas passam diante do celular ou do computador, seja nas redes sociais, seja na infinidade de jogos que a Internet oferece, adoece tanto o corpo (sedentarismo) quanto a alma (transtornos emocionais e mentais).

Ora, as doenças estão aí não simplesmente para serem combatidas e curadas, mas para nos dizerem que precisamos mudar nossas atitudes, mudar nossa maneira de entender a vida, de lidar com os conflitos e com as adversidades normais da existência. As doenças estão aí para nos lembrar de que estamos dando prioridade ao que não é prioritário, desrespeitando nossos limites e nos desumanizando; estamos nos alimentando de leituras, de ideologias (de direita e de esquerda), de comida, de bebida e de pessoas tóxicas. Enfim, as doenças estão aí para nos lembrar que comemos alimentos industrializados e processados, ao invés de comida caseira; bebemos refrigerante ou cerveja, no lugar de água ou suco natural, tudo isso somado à falta de disposição e de disciplina em fazermos exercícios físicos ao menos três vezes por semana.

Quando esteve entre nós, Jesus tornou-se uma espécie de ímã que atraía para si muitas pessoas enfermas. Inúmeros doentes procuravam por ele ou eram levados por outros até ele, na esperança de serem curados. Na época de Jesus, toda doença era entendida como castigo de Deus. “A exclusão do templo, lugar santo onde Deus habita, lembra de maneira implacável aos enfermos aquilo que eles já percebem no fundo de sua enfermidade: ‘Deus não os ama como ama os outros’” (José A. Pagola, Jesus, aproximação histórica, p.195). Não bastasse estar sofrendo com a doença, a pessoa enferma se sentia não amada por Deus; até mesmo, esquecida e abandonada por Ele!

Mas Jesus vem e nos revela algo extraordinário: o Deus em que nós cremos não é o “Deus dos justos”, das pessoas corretas, boas e saudáveis, mas o “Deus dos que sofrem”! Cada cura que Jesus realizou, foi para deixar claro que “Deus é, antes de mais nada, o Deus dos que sofrem o desamparo e a exclusão” (José A. Pagola, Jesus, aproximação histórica, p.196). Ao curar um enfermo, Jesus o liberta da imagem deformada e doentia que tinha de Deus, e lhe dá uma imagem correta e saudável, suscitando no doente sua confiança em Deus e convidando-o a sair do seu isolamento e desespero.

Jesus sempre deixou claro, a cada pessoa enferma, que o grande remédio para as doenças é a fé. “Jesus não cura para despertar a fé, mas pede fé para que seja possível a cura” (José A. Pagola, Jesus, aproximação histórica, p.205). A cada doente, Jesus pedia fé na bondade de Deus. “Jesus trabalha o ‘coração’ do enfermo para que confie em Deus, libertando-se desses sentimentos obscuros de culpabilidade e abandono por parte de Deus, que a enfermidade produz” (José A. Pagola, Jesus, aproximação histórica, p.205). Nossa Igreja é chamada por Jesus a se tornar uma presença de cura, um lugar onde as pessoas podem se libertar de imagens erradas de si mesmas e de Deus e construírem imagens verdadeiras e saudáveis, ganhando uma nova compreensão a respeito de si mesmas, da vida e do próprio Deus.

Mas há um detalhe importante no Evangelho de hoje que não pode passar despercebido. Após curar inúmeras pessoas, Jesus se retirou para se colocar na presença do Pai, em oração: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1,35). Quem cuida dos outros precisa cuidar de si também. Ninguém de nós é uma fonte inesgotável de ajuda para os demais. Assim como Jesus, precisamos ter nosso momento diário de reflexão e de encontro com Deus em nossa consciência. A oração é aquele momento em que permitimos que Deus cuide de nós, que Ele corrija nossas ideias erradas e nos liberte de pesos desnecessários que não nos cabem carregar, porque permitimos que os outros os colocassem sobre nós. Sempre que estamos diante de Deus na oração, à semelhança de Jesus, podemos nos lembrar da maneira como Ele se revelou a Israel: “Eu sou o Senhor, aquele que te cura” (Ex 15,26).

Outro detalhe importante, com o qual o Evangelho de hoje termina. Diante da incessante procura do povo por Jesus – “Todos estão te procurando” (Mc 1,37) – ele teve a liberdade de deixar aquele lugar, consciente da sua missão: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim” (Mc 1,38). Jesus nos ensina a estar atentos à armadilha do “messianismo”, segundo a qual nós nos achamos “salvadores do mundo”. Não somos o centro do mundo e não nos cabe fazer tudo para todas as pessoas. Não é prudente nem sensato permitir que as pessoas nos elejam como seus salvadores particulares, esperando – e muitas vezes, exigindo – que façamos por elas aquilo que é obrigação delas fazerem por si mesmas. Saibamos nos manter livres e nos desinstalar. Sempre haverá lugares para ir e pessoas para alcançar com o Evangelho no qual cremos. Não nos tornemos propriedade privada de nenhuma pessoa, família, comunidade, paróquia ou Diocese. Quem se acomoda nessa situação esquece “para que veio”; esquece para que se tornou seguidor de Jesus Cristo.   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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