Missa
do 1. dom. quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 9,8-15; 1Pedro 3,18-22; Marcos
1,12-15.
Estamos vivenciando os primeiros
dias do tempo da Quaresma, tempo favorável para a nossa salvação (cf. 2Cor 6,2).
A Quaresma é um tempo forte de conversão, a qual consiste em nos voltar para
Deus de uma maneira mais intensa e profunda: “Voltai para mim com todo o vosso
coração” (Jl 2,12); “Voltai-vos para mim e sereis salvos, homens todos dos
confins de toda a terra” (Is 45,22). A Quaresma é um tempo de revisão de vida
onde podemos viver a experiência do filho pródigo, tomando decisões em vista de
salvar a nossa vida pessoal, comunitária e social: “Vou me levantar, voltar
para o meu pai e dizer-lhe: ‘Pai, pequei’” (Lc 15,18).
Da mesma forma como o Espírito Santo
levou Jesus para o deserto, para que permanecesse ali por quarenta dias, assim
esse mesmo Espírito deseja conduzir cada um de nós para uma experiência de
deserto, em vista de nos desintoxicar de pensamentos, imagens e sentimentos que
adoecem a nossa vida pessoal, comunitária e social. O deserto não é um lugar,
mas uma experiência que coloca em ordem os nossos afetos e nos ensina a rever
os nossos valores, deixando de lado aquilo que é supérfluo e mantendo o foco
naquilo que é essencial. O deserto é uma experiência de privação – daí a
importância do jejum – mas um jejum que de fato agrada a Deus porque nos abre às
necessidades do nosso próximo (cf. Is 58,1-9a).
Quando Jesus iniciou sua Quaresma, o
espírito do mal estava lá, esperando por ele no deserto para tentá-lo, para
confundi-lo (cf. Mt 4,1; Mc 1,13; Lc 4,2). Assim também nós iniciamos o nosso
tempo quaresmal sentindo a força do mal agindo em nossa Igreja para dividi-la
(“diabo” significa “aquele que divide”), colocando-nos uns contra os outros. No
exato momento em que o Espírito Santo, através da Campanha da Fraternidade, nos
convida a construir pontes que possibilitem o diálogo, a comunhão e a paz nas
igrejas e na sociedade, o espírito do mal impulsiona pessoas a fazerem e a
disseminarem discursos de ódio nas redes sociais, construindo muros que nos
separam uns dos outros.
É próprio do espírito do mal
distorcer a verdade, para confundir e causar discórdia. Uma das distorções
feitas por grupos contrários à Campanha da Fraternidade deste ano é acusá-la de
promover a cultura gay, quando, na verdade, o momento em que o texto-base trata
desse tema é simplesmente para constatar que em nosso país a violência e a
política de morte atingem de modo mais grave negros, pobres, índios, mulheres, migrantes
e homossexuais (pp.20-40). Quem tem discernimento sabe que existe diferença entre
defender a vida de uma pessoa homossexual e defender sua prática homossexual. Além
do mais, quem rotula uma pessoa homossexual de ser “pecadora” e “pervertida” está
mais para discípulo dos fariseus do que discípulo de Jesus Cristo.
Precisamos estar atentos às mentiras
e às distorções do espírito do mal. Ele procura nos fazer desistir do diálogo,
nos fecha em nossa visão míope a respeito da realidade e nos torna convencidos
de que somos pessoas do bem e estamos do lado da verdade; os outros é que estão
errados. Não podemos cair na tentação da polarização: de um lado, aqueles que
querem uma Igreja preocupada unicamente com o espiritual; de outro, os que
querem uma Igreja voltada prioritariamente para o social. O nosso modelo sempre
foi e sempre será Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ao se
encarnar, ele não só experimentou em si mesmo a força da tentação, como também
se contrapôs às estruturas de pecado social que produziam injustiças,
sofrimento e morte para inúmeras pessoas. Jesus veio redimir e salvar o ser
humano por inteiro, na sua dimensão corpórea, psíquica e espiritual.
Lembremos
da Aliança que Deus fez com Noé: “Estabeleço convosco a minha aliança: nenhuma
criatura será mais exterminada pelas águas do dilúvio, e não haverá mais
dilúvio para devastar a terra” (Gn 9,11). Não usemos as redes sociais para
disseminar discursos de ódio que afogam o bom senso, destroem pontes e levantam
muros entre as pessoas. “Vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a
opressão. Para construir a vida nova, vamos precisar de muito amor” (Beto
Guedes, O sal da terra). A humanidade está se afogando no dilúvio da violência,
da fome e da pobreza, consequências de uma política de morte que prioriza o
dinheiro e não o ser humano. Ou nos salvamos juntos, ou pereceremos todos
juntos.
Vivamos coerentemente o nosso
batismo. Ele nos inseriu na Igreja, corpo místico de Cristo (cf. 1Cor 12,12-26).
Se um membro do corpo trabalha contra outro membro, o corpo adoece. Se o lado
direito do corpo trabalha contra o esquerdo, e vice-versa, o corpo adoece e
pode morrer. O nosso inimigo não é o irmão que está em nossa própria Igreja ou
numa outra igreja. O nosso inimigo é o espírito do mal, que nos coloca uns
contra os outros para poder reinar sobre todos nós. Supliquemos ao Espírito
Santo para que nos descontamine do ódio e da polarização, e nos torne
instrumentos da comunhão que Ele deseja restaurar em nossa Igreja, entre os
cristãos e entre as diversas religiões, em vista da salvação da humanidade.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário