Missa do 6. dom. comum. Palavra de Deus: Levítico 13,1-2.44-46; 1Coríntios 10,31 – 11,1; Marcos 1,40-45.
Na época de Jesus, a doença mais
temida era a lepra, porque podia contaminar outras pessoas. O medo da
contaminação era tão grande que se estabeleceu uma norma, desde a época de
Moisés: “O homem atingido por este mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos
em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!’ Durante todo o tempo
em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar
fora do acampamento’” (Lv 13,45-46). “Fora do acampamento” pode hoje ser
entendido como fora da família, fora da Igreja, fora da cidade, para se evitar
o convívio com outras pessoas.
Nós
já vimos na semana passada que, na época de Jesus, a pessoa enferma, atingida
por qualquer doença e não só pela lepra, era vista pelos outros como uma pessoa
amaldiçoada por Deus. Se não bastasse estar sofrendo com a doença, a pessoa
enferma se sentia não amada por Deus; até mesmo, esquecida e abandonada por
Ele. Mas, ao curar cada pessoa enferma, Jesus lhe restituía sua confiança em
Deus e a convidava a sair do seu desespero.
Na
época em que estamos vivendo, o grande risco de contaminação não vem mais da
lepra, mas do novo coronavírus. Para evitar a contaminação e ajudar a salvar
vidas, a ciência prudentemente aconselhou o distanciamento social e o uso de
máscaras, até que se tenha uma vacina segura que imunize as pessoas diante
desse vírus. Quando padres e bispos da nossa Igreja, na fase crítica de
contaminação, fecharam suas igrejas por ordem do governo municipal ou estadual,
foram acusados nas redes sociais por alguns católicos de terem uma fé
materialista e de não verem os serviços religiosos como essenciais. Na prática,
esses católicos se distanciam de Jesus e se aproximam dos fariseus, para os
quais as leis religiosas tinham que ser obedecidas ainda que ignorando a
situação da vida das pessoas. Exemplo concreto: a necessidade de uma pessoa ser
curada em dia de sábado.
O
Evangelho de hoje nos coloca diante de dois homens que, para evitarem o risco
de contaminação, não poderiam de maneira alguma se aproximar: Jesus e o
leproso. O primeiro a romper com o distanciamento foi o leproso que, no seu
desespero – e, sobretudo, na sua fé –, “chegou perto de Jesus, e de joelhos
pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me’” (Mc 1,40). Por ser livre em
relação às próprias leis religiosas do seu tempo e por entender que no centro
do coração de Deus não está uma norma religiosa, mas o cuidado para com a vida
de todo ser humano, “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e
disse: ‘Eu quero: fica curado!’” (Mc 1,41).
Aqui
aparece a “marca” principal de Jesus, aquilo que explica cada uma das suas
atitudes para com aqueles que sofrem, sua essência enquanto verdadeiro Deus e
verdadeiro homem: a compaixão. Lembremos mais uma vez o significado de “compaixão”:
deixar-se afetar pelo sofrimento do outro, sentir a dor que o outro sente. Mas
a compaixão nunca foi e não é apenas um sentimento; mais do que isso, ela é uma
atitude perante aquele que está sofrendo. “Ter compaixão é ter um coração que
tem mãos” (Pe. Adroaldo, sj), um coração que se estende e toca na dor dos
outros.
Há
algo muito importante no Evangelho de hoje! Jesus poderia ter curado aquele
leproso apenas com uma palavra, sem tocar nele. No entanto, além de dizer: “Eu
quero: fica curado!”, Jesus “estendeu a mão” e “tocou nele”. Jesus não fez
apenas algo que era expressamente proibido, mas até mesmo desnecessário.
Repito: para curar o leproso, Jesus não precisava tocar nele, mas ele quis. Ao
dizer: “Eu quero”, Jesus não disse apenas que queria curar aquele leproso, mas
queria também tocar na sua pele, no seu corpo, no seu sentimento de solidão e
de ser rejeitado por todas as pessoas por ter lepra.
Diante
dessa atitude de Jesus de estender a mão e tocar no leproso, você pode se perguntar:
A quem Deus está me pedindo neste momento para eu estender a mão e me
reaproximar? Quem Deus está pedindo que eu toque com o meu afeto, com a minha
solidariedade, com o meu perdão, com a minha acolhida, fazendo-me próximo? Esse
“tocar” de Jesus no leproso também pode nos lembrar de que, infelizmente, existem
“toques” que ferem profundamente o outro, como é o caso do abuso sexual,
praticado por alguns médicos em seus consultórios, por alguns homens religiosos
em suas igrejas e por não poucos homens dentro de suas casas ou da casa de seus
parentes. Pessoas que abusam sexualmente de menores estão doentes e precisam
ser tratadas.
O
gesto de Jesus de “tocar” no leproso também nos lembra algo que algumas pessoas
mais velhas afirmam: “os médicos de hoje perderam as mãos”. Alguns médicos, não
todos obviamente, atendem pessoas enfermas “a toque de caixa”, sem olhar nos
olhos delas e sem tocar no local da enfermidade. Mas não só alguns médicos agem
assim! Também alguns líderes religiosos parecem que “perderam as mãos”, porque se
mantêm distantes da dor das pessoas que foram confiadas ao cuidado pastoral de
suas igrejas; alguns pais também parecem que “perderam as mãos”, porque não se
esforçam em diminuir a distância que existe entre eles e seus filhos; alguns netos
também parecem que “perderam as mãos” porque não estão sendo educados por seus
pais a “tocarem” nos seus avós, que sofrem com a solidão.
Oração:
Senhor Jesus, são muitas as lepras que nos contaminam. Podemos estar contaminados
com a lepra do ódio, da intolerância ou da indiferença, lepras que adoecem o
corpo da nossa família, do nosso ambiente de trabalho e da nossa comunidade de
fé. Podemos estar contaminados com a lepra do consumismo, da pornografia, da
depressão, do individualismo. Podemos estar contaminados pela lepra da
polarização política e religiosa em nosso País, lepra que impede o diálogo e a
busca humilde e sincera da verdade. Livra-nos da contaminação! Limpa-nos! Purifica-nos!
Estende tua mão e toca onde precisamos ser libertos e curados. Concede ao nosso
coração a atitude da compaixão. Que nossa mão se estenda para tocar nas pessoas
que necessitam da nossa presença, do nosso afeto, da nossa solidariedade. Assim
como o leproso do Evangelho, nos colocamos diante da tua presença com a nossa
fé: “Se queres, tens o poder de nos curar”. Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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