quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A FALTA DE CUIDADO COM O MEIO AMBIENTE NOS DESTRUIRÁ

 Missa do 27. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 5,1-7; Filipenses 4,6-9; Mateus 21,33-43

 

            “Não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela” (Is 5,6). Este ano estamos sentindo de maneira mais agressiva os efeitos do aquecimento global: uma estiagem mais severa, a ausência de chuvas, as temperaturas mais altas; até mesmo o Pantanal – a região mais úmida do Planeta! – está queimando, o que antes era impossível; uma situação agravada pela desmatamento da Amazônia, o qual aumentou gravemente a partir das ações do Governo de enfraquecer o Ibama na sua função de fiscalizar e punir os que desmatam e provocam incêndios; tudo isso em nome do lucro de pessoas gananciosas.

“Não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela” (Is 5,6). Por que Deus tomou essa decisão tão drástica para com a sua vinha? Por que ela não aceitou mais ser cuidada por Ele. Ora, se você perguntar a uma pessoa se ela gostaria de ser cuidada por Deus, certamente lhe dirá que sim, mas quem é que hoje aceita ser orientado pela Palavra de Deus? Quem aceita ouvir os profetas que falam em nome de Deus? Quem aceita sofrer as podas, as correções, a colocação de limites imposta por Deus, para o próprio bem do ser humano?

Quando a humanidade decide livrar-se da dependência em relação a Deus para viver uma vida livre de poda, de cerca, de muro, de torre de vigia, o resultado só pode ser este: “Vou desmanchar a cerca, e ela será devastada; vou derrubar o muro, e ela será pisoteada. Vou deixá-la inculta e selvagem: ela não terá poda nem lavra, espinhos e sarças tomarão conta dela; não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela” (Is 5,5-6). Quantas pessoas você conhece que se parecem com uma vinha devastada, pisoteada, tomada por espinhos e mato, secando e morrendo, por falta de chuva? Essa situação não é provocada por Deus, mas escolhida pela própria pessoa. Ela é consequência da nossa decisão em seguir pela vida movidos pelos nossos interesses egoístas, mesmo sabendo que tais interesses produzem destruição para nós mesmos, para os outros e para o Planeta.

Nossa Igreja sempre levantou a voz para defender a Amazônia e o meio ambiente. Essa mesma Igreja tem levantado a sua voz para denunciar o abuso de uma economia de mercado que destrói o ser humano e o Planeta, mas essa voz tem sido atacada até mesmo por católicos de dentro da nossa Igreja, católicos que agem exatamente como os sumos sacerdotes e os anciãos agiam na época de Jesus, atacando os profetas. Esse ataque não é físico; é o ataque da não escuta, da rejeição aos nossos bispos, tachados que “comunistas” quando levantam a sua voz profética para denunciar as injustiças sociais e a destruição do meio ambiente. As redes sociais são o campo preferido desses católicos que querem os profetas “fora da Igreja”.

“Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram” (Mt 21,39). Que o mundo rejeite Deus e sua palavra profética é compreensível e esperado, mas que pessoas cristãs combatam a profecia dentro da Igreja, isso revela a grave inversão de valores que estamos permitindo que corrompa a nossa consciência e nos faça defender aqueles que provocam a morte e atacar aqueles que defendem a vida. Não é de admirar que Deus esteja decepcionado com muitos cristãos do nosso tempo: “Esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens... Eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade” (Is 5,2.7).

            Os frutos são a imagem bíblica do nosso comportamento, das nossas atitudes. Que atitudes podemos ter diante do desmatamento? Quem de nós se dedica ao cultivo de uma árvore, à preservação do meio ambiente à nossa volta? Quem de nós expressa o seu protesto diante das políticas de desproteção do meio ambiente do atual Governo? O nosso egoísmo e o nosso individualismo enquanto povo brasileiro está nos matando como filhos e como irmãos, e nós não estamos nos dando conta de que a destruição do outro – incluindo o meio ambiente – produz destruição para nós mesmos. Portanto, as mesmas mãos que se levantam em oração para suplicar chuva também precisam agir em favor do Planeta, também precisam lutar pela defesa da Amazônia, do Pantanal, do meio ambiente.

            Algumas palavras do Papa Francisco* sobre o cuidado com a nossa “casa comum”:

 

1. Explorar a criação: isso é pecado. Acreditamos que estamos no centro, fingindo ocupar o lugar de Deus e, assim, arruinamos a harmonia da criação, a harmonia do desígnio de Deus. Tornamo-nos predadores, esquecendo a nossa vocação de guardiões da vida. É claro, podemos e devemos trabalhar a terra para viver e nos desenvolver. Mas o trabalho não é sinônimo de exploração e vem sempre acompanhado do cuidado: arar e proteger, trabalhar e cuidar... Essa é a nossa missão (cf. Gn 2,15).

 

2. Não podemos esperar continuar crescendo em nível material, sem cuidarmos da casa comum que nos acolhe. Os nossos irmãos mais pobres e a nossa mãe terra gemem pelos danos e injustiças que provocamos e exigem outra rota. Exigem de nós uma conversão, uma mudança de rumo: cuidar também da terra, da criação. Portanto, é importante recuperar a dimensão contemplativa, ou seja, olhar a terra, a criação como um dom, não como algo a ser explorado pelo lucro. Quando contemplamos, descobrimos nos outros e na natureza algo muito maior do que a sua utilidade.

 

3. Muitas vezes, a nossa relação com a criação parece uma relação entre inimigos: destruir a criação em meu benefício; explorar a criação em minha vantagem. Não nos esqueçamos de que se paga caro por isso. Não esqueçamos daquele ditado: “Deus perdoa sempre; nós perdoamos às vezes; a natureza não perdoa nunca”. Cada um de nós pode e deve se tornar um “guardião da casa comum”, capaz de louvar a Deus pelas suas criaturas, de contemplar as criaturas e de protegê-las.

 

* “Cuidado da casa comum e atitude contemplativa”, a partir da leitura de Gênesis 2.8-9.15.

 

Eis, portanto, a nossa súplica: “Voltai-vos para nós, Deus do universo! Olhai dos altos céus e observai. Visitai a vossa vinha e protegei-a! Foi a vossa mão direita que a plantou; protegei-a, e ao rebento que firmastes! E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus! Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! Convertei-nos, ó Senhor Deus do universo, e sobre nós iluminai a vossa face! Se voltardes para nós, seremos salvos!” (Sl 80).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

ACEITAR SER PROVOCADO POR DEUS

 

Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 18,25-28; Filipenses 2,1-11; Mateus 21,28-32.

 

Aos olhos da fé, a existência de cada ser humano é um chamado, uma vocação: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha!” (Mt 21,28). Diariamente o Pai chama, convida, “provoca” cada ser humano ao crescimento, à abertura, à saída de si mesmo. Entre o chamado de Deus e a resposta humana está a liberdade, a vontade da pessoa: “Não quero” (Mt 21,29), respondeu o filho ao chamado, à provocação que o Pai lhe fez em crescer. Nós nem sempre estamos abertos a Deus; nem sempre estamos dispostos a crescer, a sair do nosso comodismo e dos nossos interesses pessoais, para abrir a nossa vida a um projeto maior, chamado “vontade de Deus”.

Contudo, existe em nós um espaço sagrado chamado “consciência”. Ali nós podemos rever nossas atitudes, rever nossa resposta às provocações de Deus e reconsiderar a sua proposta. Desse modo, o filho que havia dito ao Pai: “não quero”, repensou sua atitude, “mudou de opinião e foi”. Isso significa que, no início, nós até podemos estar fechados a Deus e à sua vontade, por não estarmos convencidos de que aquilo que Ele deseja para nós é verdadeiramente o nosso bem. Mas depois, refletindo, percebemos que o melhor que temos a fazer é nos abrir às provocações de Deus, aceitar o desafio de caminhar com Ele e permitir que nossa vida se transforme.

O filho que a princípio disse “não quero”, mas “depois mudou de opinião e foi” Mt 21,29), representa todo pecador que se arrepende das suas atitudes erradas e decide converter-se, abrir-se para Deus e esforçar-se em caminhar segundo a sua vontade, salvando, desse modo, sua vida, como afirma o profeta Ezequiel: “Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá” (Ez 18,27-28).

Jesus enxerga nesse filho, que repensa suas atitudes e se abre à vontade do Pai, tantas pessoas que no seu tempo eram consideradas perdidas e sem salvação, mas que, diante da pregação de João Batista, se converteram. Jesus se alegra por essa atitude e louva o Pai pela liberdade que Ele deu às pessoas de reverem suas escolhas e modificarem seu comportamento! No entanto, não são todas as pessoas que têm abertura para Deus; não são todas as pessoas que aceitam ser provocadas a crescer e a modificar suas atitudes. Por incrível que pareça, Jesus constatou que as pessoas mais fechadas a Deus e à sua vontade são justamente aquelas que estão dentro das igrejas e se consideram boas, justas, não necessitadas de conversão.  

Nós, que seguimos uma religião e participamos de uma igreja, dificilmente admitimos que haja uma preocupante distância entre a nossa conduta diária e a vontade de Deus a nosso respeito. Para nos tornar conscientes disso, Jesus usa a imagem de um outro filho: “O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi” (Mt 21,30). Eis, portanto, alguns questionamentos do Evangelho: Qual é a distância que existe entre aquilo que dizemos e aquilo que fazemos? Qual é a distância que existe entre a fé que professamos no final de semana, numa celebração na Igreja, e a nossa conduta durante a semana? Por que o “sim” que damos à vontade de Deus, manifestada na Palavra que ouvimos na celebração dominical, às vezes converte-se em “não” pela forma como vivemos nossa vida afetiva, sexual, profissional e social ao longo da semana?

            Dentro de cada um de nós há um diálogo constante entre a vontade de Deus e a vontade do nosso ego: ora estamos abertos ao que Deus quer, ora estamos fechados; ora aceitamos ser provocados por Deus a crescer e a nos transformar, ora nos fechamos a essa provocação e seguimos pela vida movidos pelos interesses mesquinhos do nosso ego, interesses contrários ao que Deus quer de nós.  Por isso, Jesus quer nos tornar conscientes de que, se a nossa vivencia religiosa não nos ajuda a viver segundo a vontade de Deus, algo está errado com ela. Aquilo que nos define como filhos de Deus não é a pertença a uma igreja ou a uma religião, mas a conformação da nossa vida à vontade do Pai.

            Fazer a vontade de Deus, viver segundo a vontade do Pai, é algo exigente, que nos custa muito; às vezes, custa até mesmo nossas lágrimas! Basta lembrarmos do exemplo do próprio Jesus, no horto das Oliveiras: “Minha alma está triste até a morte... Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice: contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26,38.39). Para uma geração como a nossa, habituada a fazer somente aquilo que tem vontade, uma geração de “vontade fraca”, que facilmente abandona qualquer ideal que exija um pouco de sacrifício e de luta, é compreensível que desista facilmente de Deus assim que constate que sua vontade não é a vontade do próprio ego.

            Diante do Evangelho de hoje, vale a pena retomar um dos princípios inacianos que nos ajuda a verificar se nossa vida de oração está produzindo transformações em nós. Segundo a espiritualidade inaciana, você sabe quando sua vida de oração está sendo fecunda quando ela o abre à vontade de Deus. Em outras palavras, você sabe quando sua oração “funciona” quando sai dela disposto a fazer a vontade de Deus. Esse é um princípio “revolucionário” para uma época como a nossa, em que a maioria das pessoas entende que a oração dá “resultado” quando dobramos Deus à nossa vontade.

            Peçamos a Jesus, o Filho que nunca foi “não” ao Pai, mas somente “sim”, que nos ajude a viver a nossa existência numa constante abertura às provocações do Pai, e que tenhamos como critério de comportamento não o “eu quero”, mas sim o “eu devo”: devo manter-me aberto ao que o Pai me diz, em vista do meu crescimento, da minha libertação e da minha transformação.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

NEM MÉRITO, NEM RECOMPENSA, MAS O DESEJO DE SALVAR A TODOS

 Missa do 25. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,6-9; Filipenses 1,20c-24.27; Mateus 20,1-16a

 

            Desde crianças, aprendemos que existe uma recompensa para o fato de uma pessoa esforçar-se em ser boa, correta e justa. Para nós, é mais do que natural e justo entender que a pessoa que se esforça mais merece alcançar a vitória, enquanto que aquela que se esforça menos ou não se esforça merece somente a derrota. Eis, portanto, duas palavras, dois conceitos, duas ideias muito comuns em nossa maneira de entender a vida e que nos distanciam da maneira de Deus entendê-la: o mérito e a recompensa.

            A ideia de mérito e recompensa pode funcionar muito bem nas empresas, sobretudo quando se pensa em melhorar a produção e em “incentivar” os funcionários a apresentarem resultados mais eficientes, mas é uma ideia perigosa no campo da fé, uma ideia que distorce completamente a imagem de Deus em nós. Quem compreende a vida somente a partir da lógica do mérito e da recompensa não compreende e não aceita o fato de que Deus queira salvar todas as pessoas (cf. 2Tm 2,4); não compreende e não aceita que Jesus tenha vindo para salvar as pessoas consideradas pecadoras e perdidas, e não as pessoas que se consideravam justas (cf. Mc 2,17).  

            A verdadeira imagem de Deus nos é revelada por Jesus na parábola do Evangelho que acabamos de ouvir. Deus Pai sai continuamente, a toda hora, para nos chamar. A história de cada ser humano e de todos nós é exatamente isto: um chamado à salvação. Ao chamar pessoas de manhã bem cedo, às nove horas, ao meio dia, às três e às cinco da tarde, Deus revela seu desejo de que todos sejam salvos. Ele encontra cada ser humano num momento específico da sua vida, ou seja, Deus compreende e acolhe cada ser humano na sua situação particular. Portanto, precisamos estar cientes de que em cada momento da vida pessoal, assim como em cada época da história da humanidade, existe um chamado do Senhor à salvação.

            Até aqui não há problema algum. Saber que Deus deseja que todos sejam salvos nos parece até uma ideia simpática. O problema é quando chega a hora do “pagamento”, a hora em que a nossa simpatia pela salvação de todos se transforma em sentimento de injustiça pelo fato de que nos darmos conta de que a bondade de Deus vai além da sua justiça, não se importando com a nossa medida estreita do mérito e da recompensa. Para surpresa nossa e de quem está lendo ou ouvindo o Evangelho, todos recebem o mesmo salário! Aqui começa o desmonte da nossa imagem de Deus: Ele não é apenas justiça, mas também bondade, misericórdia, gratuidade!

Ao nos contar essa parábola, Jesus quer nos ajudar a conhecer melhor como é o coração do Pai e a despertar em nós a confiança, a alegria e a gratidão pela salvação que Ele oferece a todo ser humano, indistintamente. A justiça de Deus não está presa na ideia de mérito e recompensa. Ela consiste em nos tratar não segundo os nossos méritos, mas o segundo o Seu amor gratuito para conosco, levando em conta principalmente a nossa necessidade de sermos salvos. É como se Jesus dissesse: ‘Meu Pai não olha quem merece; Ele olha quem precisa. Meu Pai não quer salvar apenas aqueles que merecem; Ele quer salvar a todos, porque todos precisam ser salvos’.  

Esse misterioso e surpreendente espaço de gratuidade que existe no coração de Deus aparece descrito no Salmo 127, com essas palavras: “É inútil levantar de madrugada e retardar o vosso repouso para ganhar o pão sofrido do trabalho; esse mesmo pão Deus concede aos seus amados enquanto eles dormem” (v.2). Por mais que isso nos escandalize, precisamos entender que a salvação não é um pão obtido com suor do nosso rosto, mas dom do Pai para todos os seus filhos, para todas as pessoas que necessitam ser salvas, ainda que aos nossos olhos parecem não o merecer!

Para evitar mal entendidos, é importante esclarecer que Jesus não está incentivando a esperteza nessa parábola. Deus conhece o coração de cada um. Os trabalhadores que começaram a trabalhar às cinco da tarde (v.6) só receberam o convite para trabalhar àquela hora. Ninguém deles agiu de caso pensado, de maneira estratégica, ficando escondido o dia inteiro e só aparecendo na última hora para trabalhar. Historicamente, esses trabalhadores representam os povos pagãos, que só se abriram à fé muitos séculos depois dos judeus, representados na parábola pelos trabalhadores que foram chamados logo de manhã.

Diante de tudo o que foi exposto, alguém poderia perguntar: “Que vantagem recebemos por termos observado os seus mandamentos?” (Ml 3,13s). A resposta depende do que entendemos por “vantagem”. Na verdade, nós precisamos nos perguntar se amamos verdadeiramente a Deus ou se estamos apenas interessados na recompensa que Ele pode nos dar mediante aquilo que pensamos ser mérito nosso. Deus não tem pessoas a premiar pelos seus méritos de justiça, mas filhos a resgatar, curar e salvar no Seu amor. Não nos esqueçamos de que não somos pessoas justas, mas pessoas justificadas. Se Deus fosse somente Justo, sem ser também Bom, ninguém de nós teria salvação (cf. Sl 143,2).   

 

ORAÇÃO: Pai, tua graça e teu amor me visitam nas horas mais imprevistas do meu dia. Constantemente, o Senhor passa e me chama a trabalha na tua vinha. Quero acolher o teu chamado; quero abraçar o momento em que a tua graça passa, e me alegrar por fazer parte a Igreja, da assembleia dos que foram chamados por ti a serem salvos em teu Filho Jesus.

Hoje rezo especialmente por todos os homens, por aquelas pessoas que ainda não foram alcançadas pelo anúncio do Evangelho. Sei e confio que o Senhor conhece cada um na sua individualidade e na sua história de vida. Que a graça do teu Espírito desperte a consciência de cada ser humano para o bem, a verdade, a justiça e a bondade. Que a ação pastoral da nossa Igreja seja a expressão visível do teu amor e da tua bondade, que desejam salvar a todas as pessoas.

Livra-me do orgulho e da presunção de ser uma pessoa justa. Que eu jamais duvide da tua justiça, mas confie, sobretudo, na força da tua bondade que sempre encontrará caminhos para chegar ao coração de cada ser humano. Enfim, que eu sempre me alegre pela abertura de cada pessoa à tua graça e possa trabalhar contigo e com teu Filho Jesus pela salvação de todas as pessoas. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O REMÉDIO DO PERDÃO

 

Missa do 24. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,33 – 28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35.

 

“A maldade crescerá a tal ponto no mundo que o amor se esfriará no coração de muitas pessoas. Mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,12-13). Essas palavras de Jesus, além de retratarem muito bem a época em que estamos vivendo, nos alertam para o perigo de nos tornarmos duros de coração, ou seja, pessoas que não apenas desistiram de amar, de crer na bondade do ser humano, mas também desistiram de perdoar, pois parece que a única coisa que o perdão faz é alimentar a sensação de impunidade.

Ao falar sobre a necessidade do perdão, Jesus não está defendendo de forma alguma a impunidade, mas nos tornando conscientes de que, na história de todos nós, o perdão foi, é e sempre será necessário. Não há ser humano que nunca cometa algum erro, ou que, ao longo da vida, nunca prejudique ou machuque alguém, intencionalmente ou não. Portanto, não há ser humano que não necessite ser perdoado. Essa é a consciência do salmista, quando ora a Deus: “Se levardes em conta as nossas faltas, quem haverá de subsistir? Mas em vós se encontra o perdão” (Sl 130,3-4). Justamente porque em Deus se encontra o perdão, nós também nos unimos ao salmista para bendizê-Lo – dizer o bem que o Seu perdão nos faz!: “Pois ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade; da sepultura ele salva a tua vida e te cerca de carinho e compaixão” (Sl 103,3-4).

O perdão que recebemos de Deus na cruz de seu Filho (cf. Ef 1,7; Cl 1,20) nos fez um imenso bem: curou as nossas feridas. Mas, enquanto o perdão cura, a falta de perdão adoece, como nos ensina o Eclesiástico: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (28,3). Aqui é importante nos darmos conta de que o autor bíblico não afirmou que quando sentimos raiva, adoecemos; nós adoecemos quando guardamos raiva, ou seja, quando, todos os dias, alimentamos sentimento de raiva em relação à pessoa que nos prejudicou ou nos ofendeu. É impossível não sentirmos raiva de alguém que peca contra nós. A raiva é uma defesa natural, instintiva nossa, para nos proteger da pessoa que nos agride. Porém, quando decidimos prender a pessoa na nossa raiva, ela não sai mais de nós, e aquela presença venenosa nos adoece. Como se diz: “Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra” (autor desconhecido).

“Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo 28,2). Se nós necessitamos ser perdoados por Deus é porque somos falhos. Aliás, se o próprio Jesus colocou na oração do Pai nosso o pedido de perdão – “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12) – lembrando que é nessa mesma oração que pedimos ao Pai “o pão nosso de cada dia”, isso significa que o perdão é algo que deve fazer parte do nosso cotidiano. Diariamente nós podemos cometer algum erro, assim como diariamente alguém pode “pisar na bola” conosco. Daí a necessidade diária do perdão.

Ainda a respeito do perdão, o Eclesiástico nos aconselha: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (28,6). Nossa vida terrena é muito curta para ser estragada pelo ressentimento da raiva, da mágoa ou do ódio. Essa importância exagerada que damos à ferida que o outro abriu em nós é totalmente desproporcional à duração da nossa vida neste mundo. A vida é curta demais para vivermos em função de mágoas em relação ao passado. Por isso, o melhor que temos a fazer é perdoar, para que nossa vida volte a fluir, para que possamos dormir melhor e termos saúde física, psíquica e espiritual.

Para nos mostrar o quanto a nossa decisão em não perdoar a pessoa que nos feriu é insensata, Jesus faz a comparação entre dois tipos de dívidas ou de prejuízos: uma enorme e outra insignificante. O homem que devia uma quantia enorme teve sua dívida perdoada, justamente porque não tinha como pagá-la! No entanto, esse mesmo homem decidiu não perdoar a dívida insignificante que seu amigo tinha para com ele, jogando-o na prisão “até que pagasse o que devia” (Mt 18,30). A dívida impagável são os nossos pecados, perdoados por Deus; a dívida insignificante são as ofensas do nosso próximo, ofensas que nos recusamos a perdoar. Para quem acha que tem toda razão em não perdoar, o Evangelho faz um alerta: essa pessoa será entregue aos torturadores, até que pague toda a sua dívida (Mt 18,34). Portanto, quando eu decido não perdoar, entrego-me aos torturadores: sou torturado diariamente pelo ódio, pela mágoa, pelo ressentimento, pelo rancor, pela não aceitação do que me aconteceu.

Jesus conclui o Evangelho de hoje nos tornando cientes disso: “É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão” (Mt 18,35). “A decisão em não perdoar nos exclui do Pai, porque destrói em nós o nosso ser filhos. Na medida em que decidimos não perdoar, fazemos morrer em nós o perdão que recebemos de Deus. Perdoar é uma questão de coração. É não recordar, não manter no coração o mal que o irmão cometeu, mas recordar o amor que o Pai tem por mim e por ele” (Pe. Pagola).

 

 ORAÇÃO: Deus Pai, Tu és “amor, paciência e perdão” (Sl 86,15). Eu Te louvo e Te bendigo pelo Teu amor manifestado a mim na cruz de Teu Filho, amor que perdoa todos os meus pecados. Acolhe minha alma enferma, adoecida pela falta de perdão. Liberta-me do ressentimento, da raiva e da mágoa. Ajuda-me a enxergar a pessoa que me ofendeu para além do mal que ela me causou.

Senhor Jesus Cristo, Tu me convidas a permitir que a minha vida destrave e volte a fluir, por meio do perdão. Liberta-me da prisão do ressentimento. Que eu saiba me defender das pessoas sem tornar-me uma pessoa desumana. Que eu combata o mal que há no mundo perseverando na força do Teu amor e confiando no perdão como remédio poderoso para curar os males dos desencontros humanos. Amém.      

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

ENTRE EU E DEUS, O MEU IRMÃO

 

Missa do 23. dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.

 

            Sempre que acontece alguma denúncia contra uma pessoa que representa tal igreja ou tal religião, nós caímos na tentação de jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. Se tal pessoa errou ou pecou, nosso julgamento é tão severo que atinge não somente a pessoa que supostamente praticou tal erro, mas também a igreja ou a religião da qual ela faz parte. Essa atitude insensata de jogar fora o bebê junto com a água suja do banho tem feito com que algumas pessoas tomem a decisão de afastar-se de qualquer igreja ou religião, embora continuem ainda a crer em Deus.

            Todo o capítulo 18 do Evangelho segundo São Mateus é um ensinamento de Jesus para a vida da Igreja, isto é, para a vida em comunidade. Nesse ensinamento, Jesus deixa claro que é impossível que numa igreja, religião ou grupo comunitário não exista o problema do escândalo. Literalmente, Jesus diz: “É necessário que haja escândalos” (Mt 18,7). Onde existe o ser humano, existe a possibilidade do erro ou do pecado. Nenhum ser humano está garantido de não errar ou de não pecar. Além disso, podemos entender que “o escândalo é necessário” justamente para comprovar quem tem uma compreensão madura e realista da fé; quem está na igreja ou na comunidade por causa de Deus e quem está lá por causa dos homens; quem se enxerga como um ser humano falho, em constante processo de amadurecimento, e quem se vê como um fariseu puro, uma pessoa pronta, que já atingiu a sua plena maturidade.   

            Jesus já havia mostrado em Mateus 13,24-30.36-43 que tanto a Igreja quanto o mundo são lugares onde crescem juntos o joio e o trigo, e não cabe a nós arrancar o joio para ficar somente com o trigo. Isso significa que não podemos pretender encontrar uma igreja, religião ou comunidade de pessoas onde ali só exista trigo, mesmo porque o joio e o trigo, o bem e o mal, a luz e a sombra se encontram dentro de cada um de nós. O melhor que temos a fazer é acompanhar as pessoas no seu processo de amadurecimento, cuidando do trigo e não perdendo a paz por causa do joio, como nos aconselha o Papa Francisco (EG 24).   

            Sendo muito realista e conhecendo o coração humano, Jesus sabe que precisa nos orientar a respeito da convivência com o irmão, na comunidade de fé. Embora seja uma tendência própria do individualismo moderno o desejo de viver a fé reduzindo-a uma relação exclusiva entre “eu e Deus”, Jesus afirma claramente que, em matéria de religião (religião significa “religar”), a nossa primeira ligação não é com Deus, mas com o irmão. Toda tentativa de me ligar a Deus excluindo-me da convivência comunitária tem como resultado uma religião falsa, um culto vazio, uma fé que não me coloca verdadeiramente em comunhão com Deus (cf. Mt 5,23-24).  

            Na visão de Jesus, o outro não é simplesmente “o outro”, uma pessoa com quem eu não preciso me relacionar, mas o outro é “meu irmão”. Ao entrar para uma comunidade, ao frequentar uma determinada igreja ou religião, eu não escolhi conviver com aquela pessoa. Contudo, tanto ela quanto eu estamos ali para nos encontrar com Deus; estamos ali porque precisamos de cura; estamos ali porque desejamos percorrer um caminho de aprendizado, de crescimento e de amadurecimento, até que nos tornemos a pessoa que Deus nos chamou a nos tornar, a partir da nossa vocação.

            Aos olhos da fé, sabemos que nossa vida não se move num acaso sem sentido, na coincidência, na sorte ou no azar, mas a partir do desígnio de Deus, que faz com que todas as coisas contribuam para o nosso crescimento, para o nosso amadurecimento e a nossa santificação (cf. Rm 8,28). Neste sentido, a presença do “outro” na minha vida não é algo acidental, mas providencial: Deus me quer junto daquela pessoa para ensinar algo a mim e a ela. Deus quer que a minha convivência com “o meu irmão” torne melhor a mim e a ele. Exatamente como fez com o profeta Ezequiel, Deus coloca cada um de nós na vida de uma outra pessoa para “vigiar sobre ela”, no sentido de ajudá-la a caminhar na verdade e a ser reconduzida para junto de Deus sempre que, por descuido, se afastar d’Ele. Se eu não me interessar pela salvação do meu irmão, ele provavelmente se destruirá por falta da minha ajuda, mas eu responderei diante de Deus pela destruição dele!

            O problema é que o “meu irmão”, assim como eu, é alguém falho; alguém que pode errar feio e “pisar na bola” comigo. Nesse caso, Jesus nos propõe um caminho de tentativa de recuperação do “irmão”. O próprio Jesus já havia dito que não é da vontade do Pai do céu que nenhuma pessoa se perca (cf. Mt 18,14). Por isso, devemos fazer o que está ao nosso alcance para “corrigir o irmão”, o que implica, primeiramente, uma tentativa de falar a sós com ele. Esse “falar a sós” evita que o “irmão” seja humilhado em público, no momento em que está sendo corrigido. Se essa tentativa não funcionar, preciso encontrar na comunidade duas pessoas sensatas, amorosas, que me ajudem a convencer o “irmão” de que ele está trilhando um caminho de destruição. Se ele não aceitar a correção, sua atitude de obsessão no erro deve ser comunicada à autoridade da comunidade, que falará com ele. Enfim, se nem diante dessa autoridade ele aceitar reconhecer seus erros, deve ser afastado da comunidade, para se dar conta de que sua obstinação acabará por excluí-lo da convivência com os demais irmãos. Essa é uma medida extrema, carregada da esperança de que o “irmão” reflita sobre suas atitudes e deseje voltar para a comunidade de uma maneira diferente.

            Após nos indicar caminhos para recuperar o irmão que está correndo o risco de se perder, Jesus nos aconselha a oração comunitária. É verdade que ninguém precisa estar numa igreja ou numa comunidade para ter vida de oração, mas Jesus deixa claro que a oração comunitária tem uma força muito maior do que a oração individual (cf. Mt 18,19). Quando nos reunimos para rezar pelo “irmão” que precisa corrigir-se das suas atitudes destrutivas, devemos confiar que nossa oração comunitária atingirá em cheio o coração do Pai que, como vimos, não deseja que algum filho Seu alguém se perca.

            Concluindo, numa época em que o medo da decepção com o “irmão” tem levado algumas pessoas a optarem por uma vida espiritual estritamente particular, privada, sem a presença “do outro”, Jesus afirma que Ele escolheu se fazer presente “onde dois ou mais estiverem reunidos em seu nome” (Mt 18,20). Isso significa que sempre que insistirmos em viver uma fé individualista, uma religião individualista, Jesus não estará ali. Quem se fecha no individualismo, quem cria pequenos grupos religiosos de pessoas que “pensam iguais”, não está fazendo isso “em nome de Jesus”, mas em nome da sua dificuldade em conviver com os outros, em nome do seu farisaísmo em achar-se melhor do que “os outros”, quem sabe não passível de erro como “os outros”. O caminho para Deus passa necessariamente pela minha convivência com o “meu irmão”.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi