Missa do 23. dom. comum.
Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.
Sempre que acontece alguma denúncia
contra uma pessoa que representa tal igreja ou tal religião, nós caímos na tentação
de jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. Se tal pessoa errou ou pecou,
nosso julgamento é tão severo que atinge não somente a pessoa que supostamente
praticou tal erro, mas também a igreja ou a religião da qual ela faz parte. Essa
atitude insensata de jogar fora o bebê junto com a água suja do banho tem feito
com que algumas pessoas tomem a decisão de afastar-se de qualquer igreja ou
religião, embora continuem ainda a crer em Deus.
Todo o capítulo 18 do Evangelho
segundo São Mateus é um ensinamento de Jesus para a vida da Igreja, isto é,
para a vida em comunidade. Nesse ensinamento, Jesus deixa claro que é
impossível que numa igreja, religião ou grupo comunitário não exista o problema
do escândalo. Literalmente, Jesus diz: “É necessário que haja escândalos” (Mt
18,7). Onde existe o ser humano, existe a possibilidade do erro ou do pecado.
Nenhum ser humano está garantido de não errar ou de não pecar. Além disso, podemos
entender que “o escândalo é necessário” justamente para comprovar quem tem uma
compreensão madura e realista da fé; quem está na igreja ou na comunidade por
causa de Deus e quem está lá por causa dos homens; quem se enxerga como um ser
humano falho, em constante processo de amadurecimento, e quem se vê como um fariseu
puro, uma pessoa pronta, que já atingiu a sua plena maturidade.
Jesus já havia mostrado em Mateus
13,24-30.36-43 que tanto a Igreja quanto o mundo são lugares onde crescem
juntos o joio e o trigo, e não cabe a nós arrancar o joio para ficar somente
com o trigo. Isso significa que não podemos pretender encontrar uma igreja,
religião ou comunidade de pessoas onde ali só exista trigo, mesmo porque o joio
e o trigo, o bem e o mal, a luz e a sombra se encontram dentro de cada um de
nós. O melhor que temos a fazer é acompanhar as pessoas no seu processo de amadurecimento,
cuidando do trigo e não perdendo a paz por causa do joio, como nos aconselha o
Papa Francisco (EG 24).
Sendo muito realista e conhecendo o
coração humano, Jesus sabe que precisa nos orientar a respeito da convivência
com o irmão, na comunidade de fé. Embora seja uma tendência própria do
individualismo moderno o desejo de viver a fé reduzindo-a uma relação exclusiva
entre “eu e Deus”, Jesus afirma claramente que, em matéria de religião
(religião significa “religar”), a nossa primeira ligação não é com Deus, mas
com o irmão. Toda tentativa de me ligar a Deus excluindo-me da convivência
comunitária tem como resultado uma religião falsa, um culto vazio, uma fé que
não me coloca verdadeiramente em comunhão com Deus (cf. Mt 5,23-24).
Na visão de Jesus, o outro não é
simplesmente “o outro”, uma pessoa com quem eu não preciso me relacionar, mas o
outro é “meu irmão”. Ao entrar para uma comunidade, ao frequentar uma determinada
igreja ou religião, eu não escolhi conviver com aquela pessoa. Contudo, tanto
ela quanto eu estamos ali para nos encontrar com Deus; estamos ali porque
precisamos de cura; estamos ali porque desejamos percorrer um caminho de aprendizado,
de crescimento e de amadurecimento, até que nos tornemos a pessoa que Deus nos
chamou a nos tornar, a partir da nossa vocação.
Aos olhos da fé, sabemos que nossa
vida não se move num acaso sem sentido, na coincidência, na sorte ou no azar,
mas a partir do desígnio de Deus, que faz com que todas as coisas contribuam
para o nosso crescimento, para o nosso amadurecimento e a nossa santificação
(cf. Rm 8,28). Neste sentido, a presença do “outro” na minha vida não é algo
acidental, mas providencial: Deus me quer junto daquela pessoa para ensinar
algo a mim e a ela. Deus quer que a minha convivência com “o meu irmão” torne
melhor a mim e a ele. Exatamente como fez com o profeta Ezequiel, Deus coloca
cada um de nós na vida de uma outra pessoa para “vigiar sobre ela”, no sentido
de ajudá-la a caminhar na verdade e a ser reconduzida para junto de Deus sempre
que, por descuido, se afastar d’Ele. Se eu não me interessar pela salvação do
meu irmão, ele provavelmente se destruirá por falta da minha ajuda, mas eu
responderei diante de Deus pela destruição dele!
O problema é que o “meu irmão”,
assim como eu, é alguém falho; alguém que pode errar feio e “pisar na bola”
comigo. Nesse caso, Jesus nos propõe um caminho de tentativa de recuperação do “irmão”.
O próprio Jesus já havia dito que não é da vontade do Pai do céu que nenhuma
pessoa se perca (cf. Mt 18,14). Por isso, devemos fazer o que está ao nosso alcance
para “corrigir o irmão”, o que implica, primeiramente, uma tentativa de falar a
sós com ele. Esse “falar a sós” evita que o “irmão” seja humilhado em público, no
momento em que está sendo corrigido. Se essa tentativa não funcionar, preciso
encontrar na comunidade duas pessoas sensatas, amorosas, que me ajudem a
convencer o “irmão” de que ele está trilhando um caminho de destruição. Se ele
não aceitar a correção, sua atitude de obsessão no erro deve ser comunicada à autoridade
da comunidade, que falará com ele. Enfim, se nem diante dessa autoridade ele
aceitar reconhecer seus erros, deve ser afastado da comunidade, para se dar
conta de que sua obstinação acabará por excluí-lo da convivência com os demais
irmãos. Essa é uma medida extrema, carregada da esperança de que o “irmão” reflita
sobre suas atitudes e deseje voltar para a comunidade de uma maneira diferente.
Após nos indicar caminhos para
recuperar o irmão que está correndo o risco de se perder, Jesus nos aconselha a
oração comunitária. É verdade que ninguém precisa estar numa igreja ou numa
comunidade para ter vida de oração, mas Jesus deixa claro que a oração
comunitária tem uma força muito maior do que a oração individual (cf. Mt 18,19).
Quando nos reunimos para rezar pelo “irmão” que precisa corrigir-se das suas
atitudes destrutivas, devemos confiar que nossa oração comunitária atingirá em
cheio o coração do Pai que, como vimos, não deseja que algum filho Seu alguém se
perca.
Concluindo, numa época em que o medo
da decepção com o “irmão” tem levado algumas pessoas a optarem por uma vida
espiritual estritamente particular, privada, sem a presença “do outro”, Jesus
afirma que Ele escolheu se fazer presente “onde dois ou mais estiverem reunidos
em seu nome” (Mt 18,20). Isso significa que sempre que insistirmos em viver uma
fé individualista, uma religião individualista, Jesus não estará ali. Quem se
fecha no individualismo, quem cria pequenos grupos religiosos de pessoas que “pensam
iguais”, não está fazendo isso “em nome de Jesus”, mas em nome da sua
dificuldade em conviver com os outros, em nome do seu farisaísmo em achar-se
melhor do que “os outros”, quem sabe não passível de erro como “os outros”. O
caminho para Deus passa necessariamente pela minha convivência com o “meu irmão”.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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