sexta-feira, 25 de setembro de 2020

ACEITAR SER PROVOCADO POR DEUS

 

Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 18,25-28; Filipenses 2,1-11; Mateus 21,28-32.

 

Aos olhos da fé, a existência de cada ser humano é um chamado, uma vocação: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha!” (Mt 21,28). Diariamente o Pai chama, convida, “provoca” cada ser humano ao crescimento, à abertura, à saída de si mesmo. Entre o chamado de Deus e a resposta humana está a liberdade, a vontade da pessoa: “Não quero” (Mt 21,29), respondeu o filho ao chamado, à provocação que o Pai lhe fez em crescer. Nós nem sempre estamos abertos a Deus; nem sempre estamos dispostos a crescer, a sair do nosso comodismo e dos nossos interesses pessoais, para abrir a nossa vida a um projeto maior, chamado “vontade de Deus”.

Contudo, existe em nós um espaço sagrado chamado “consciência”. Ali nós podemos rever nossas atitudes, rever nossa resposta às provocações de Deus e reconsiderar a sua proposta. Desse modo, o filho que havia dito ao Pai: “não quero”, repensou sua atitude, “mudou de opinião e foi”. Isso significa que, no início, nós até podemos estar fechados a Deus e à sua vontade, por não estarmos convencidos de que aquilo que Ele deseja para nós é verdadeiramente o nosso bem. Mas depois, refletindo, percebemos que o melhor que temos a fazer é nos abrir às provocações de Deus, aceitar o desafio de caminhar com Ele e permitir que nossa vida se transforme.

O filho que a princípio disse “não quero”, mas “depois mudou de opinião e foi” Mt 21,29), representa todo pecador que se arrepende das suas atitudes erradas e decide converter-se, abrir-se para Deus e esforçar-se em caminhar segundo a sua vontade, salvando, desse modo, sua vida, como afirma o profeta Ezequiel: “Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá” (Ez 18,27-28).

Jesus enxerga nesse filho, que repensa suas atitudes e se abre à vontade do Pai, tantas pessoas que no seu tempo eram consideradas perdidas e sem salvação, mas que, diante da pregação de João Batista, se converteram. Jesus se alegra por essa atitude e louva o Pai pela liberdade que Ele deu às pessoas de reverem suas escolhas e modificarem seu comportamento! No entanto, não são todas as pessoas que têm abertura para Deus; não são todas as pessoas que aceitam ser provocadas a crescer e a modificar suas atitudes. Por incrível que pareça, Jesus constatou que as pessoas mais fechadas a Deus e à sua vontade são justamente aquelas que estão dentro das igrejas e se consideram boas, justas, não necessitadas de conversão.  

Nós, que seguimos uma religião e participamos de uma igreja, dificilmente admitimos que haja uma preocupante distância entre a nossa conduta diária e a vontade de Deus a nosso respeito. Para nos tornar conscientes disso, Jesus usa a imagem de um outro filho: “O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi” (Mt 21,30). Eis, portanto, alguns questionamentos do Evangelho: Qual é a distância que existe entre aquilo que dizemos e aquilo que fazemos? Qual é a distância que existe entre a fé que professamos no final de semana, numa celebração na Igreja, e a nossa conduta durante a semana? Por que o “sim” que damos à vontade de Deus, manifestada na Palavra que ouvimos na celebração dominical, às vezes converte-se em “não” pela forma como vivemos nossa vida afetiva, sexual, profissional e social ao longo da semana?

            Dentro de cada um de nós há um diálogo constante entre a vontade de Deus e a vontade do nosso ego: ora estamos abertos ao que Deus quer, ora estamos fechados; ora aceitamos ser provocados por Deus a crescer e a nos transformar, ora nos fechamos a essa provocação e seguimos pela vida movidos pelos interesses mesquinhos do nosso ego, interesses contrários ao que Deus quer de nós.  Por isso, Jesus quer nos tornar conscientes de que, se a nossa vivencia religiosa não nos ajuda a viver segundo a vontade de Deus, algo está errado com ela. Aquilo que nos define como filhos de Deus não é a pertença a uma igreja ou a uma religião, mas a conformação da nossa vida à vontade do Pai.

            Fazer a vontade de Deus, viver segundo a vontade do Pai, é algo exigente, que nos custa muito; às vezes, custa até mesmo nossas lágrimas! Basta lembrarmos do exemplo do próprio Jesus, no horto das Oliveiras: “Minha alma está triste até a morte... Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice: contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26,38.39). Para uma geração como a nossa, habituada a fazer somente aquilo que tem vontade, uma geração de “vontade fraca”, que facilmente abandona qualquer ideal que exija um pouco de sacrifício e de luta, é compreensível que desista facilmente de Deus assim que constate que sua vontade não é a vontade do próprio ego.

            Diante do Evangelho de hoje, vale a pena retomar um dos princípios inacianos que nos ajuda a verificar se nossa vida de oração está produzindo transformações em nós. Segundo a espiritualidade inaciana, você sabe quando sua vida de oração está sendo fecunda quando ela o abre à vontade de Deus. Em outras palavras, você sabe quando sua oração “funciona” quando sai dela disposto a fazer a vontade de Deus. Esse é um princípio “revolucionário” para uma época como a nossa, em que a maioria das pessoas entende que a oração dá “resultado” quando dobramos Deus à nossa vontade.

            Peçamos a Jesus, o Filho que nunca foi “não” ao Pai, mas somente “sim”, que nos ajude a viver a nossa existência numa constante abertura às provocações do Pai, e que tenhamos como critério de comportamento não o “eu quero”, mas sim o “eu devo”: devo manter-me aberto ao que o Pai me diz, em vista do meu crescimento, da minha libertação e da minha transformação.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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